A engenharia mundial escolheu o Brasil para realizar o seu
maior encontro que acontece, pela primeira vez, em continente americano.
A WEC 2008 World Engineers Convention - vai transformar Brasília,
nos primeiros dias de dezembro (2 a 6), no centro mundial da tecnologia
da construção. Já realizada na Alemanha e na China, a WEC vai reunir
especialistas da construção civil, empresários, autoridades públicas
ligadas às áreas de infra-estrutura e saneamento e cerca de 5 mil
engenheiros de várias partes do mundo. Todos reunidos para renovar os
seus conhecimentos tecnológicos e, ao mesmo tempo, debater temas de
relevância no contexto atual, como a responsabilidade social, a ética, a
inclusão e a inovação sem degradação ambiental.
Para essa
vertente-cidadã, aliás, está sendo orientada a programação de
atividades do congresso que vai focalizar os novos desafios sociais que
inquietam o mundo, agora ampliados pelos efeitos da crise financeira
global, e a importante contribuição que a engenharia pode oferecer para
superá-los com êxito.
GERENCIANDO OBRAS E EXPECTATIVAS
A Construção Civil,
como tema em exposição, costumeiramente atrai abordagens tecnológicas
associadas às inovações e ao aperfeiçoamento de itens técnicos tendo em
vista a própria natureza científica e matemática do serviço e a formação
específica e especializada de seus profissionais. No campo do trabalho
aplicado, a prioridade está centrada na escolha dos materiais,
equipamentos e maquinário a serem utilizados nas edificações e que
devem, virtuosamente, se conjugarem com a qualidade e a funcionalidade
desejáveis, adequando-se ainda a uma planilha de custos e prazos
previamente calculada. A meta final é a entrega da obra de acordo com o
planejamento e a expectativa iniciais, fatores que se preservados até o
concluir dos serviços vão garantir o sucesso da empreitada em termos
técnicos e contratuais.
Semelhante ao que
ocorre, há décadas, nos projetos endereçados à área privada, agora
também no setor público agrega-se à responsabilidade técnica do gestor a
variante do compromisso sócio-econômico da cidadania, um valor já
percebido e que começa a ser cobrado pelas comunidades beneficiadas
pelas obras. Se em tempos passados o responsável por uma obra de
edificação pública tinha como única preocupação cumprir, basicamente, os
requisitos técnicos e burocráticos que acompanham esse tipo de trabalho,
alijando-se de qualquer ação participativa que pudesse ser interpretada
como um comprometimento político, hoje essa visão de gestor público está
superada face à percepção de que atender bem o propósito coletivo é
atribuição básica de uma empresa que gerencia obras com recursos
governamentais.
NOVOS PADRÕES
Essa mudança de
ótica nas instituições públicas tem ocorrido sob a égide do núcleo
governamental que, em anos recentes, vem promovendo a capacitação das
gestões e dos gestores com a introdução de modelos contemporâneos de
administração e o incremento de cursos e seminários voltados aos novos
conceitos, normas, condutas e valores pró-ativos que combinem
conhecimento e tecnologia com resultados que insiram a promoção social.
É um novo paradigma de gestão organizacional, pautado no ícone da
contínua aprendizagem e aprimoramento, que estimula a incorporação de
padrões de cooperação, participação, confiança e de solidariedade.
Especialistas em
gestão como Noel Tichy, professor de comportamento organizacional da
Universidade de Michigan (EUA) e autor de dezenas de livros sobre o
tema, considera de profunda importância motivar os funcionários com uma
visão empolgante do trabalho que realizam. Exemplo desse modelo é
relatado por Brian Dumaine, antigo editor da revista norte-americana “Fortune”,
no artigo “Por que nós trabalhamos?”. O autor se vale de uma parábola
para reafirmar a importância da noção de “missão” no cotidiano das
tarefas. Citando três tipos de operários que executam o mesmo tipo de
serviço – talhar uma pedra com um martelo e um cinzel – Dumaine conta
que o primeiro se sente frustrado e irritado porque considera aviltante
o trabalho que faz. O segundo, ao explicar que talha a pedra para um
prédio, não parece nem zangado nem satisfeito. Já o terceiro cantarola
feliz e, enquanto esculpe a pedra, responde com orgulho que está
construindo uma catedral.
VISÃO COMPARTILHADA
Dessa forma, a
tradicional noção de capacitação técnica não seria o valor preponderante
a atuar na condução do trabalho em uma empresa. O engenheiro
aeroespacial Peter Senge, Ph.D. em administração organizacional pelo
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) e autor do best-seller “A
Quinta Disciplina” (1990), aponta o engajamento do profissional “em
relação aos princípios, às diretrizes e ao futuro que a empresa pretende
criar e alcançar”, como um fator decisivo na evolução sustentável e
competitiva da organização. A essa disciplina apreendida pelo grupo
funcional ele chama de “visão compartilhada”.
Em entrevista à
revista norte-americana “HSM Management” em julho de 1998, Senge
questiona alguns mitos corporativos como a excelência de programas de
treinamento e a importância da tecnologia de informação. Para ele é
preciso pensar no tipo de aprendizado que a tecnologia proporciona,
já que uma pessoa pode até receber mais informações graças à tecnologia,
mas, se não possuir as capacidades necessárias para aproveitá-las, de
nada adiantará, visto que a informação não cria aprendizado. ”Esse
é um enorme mal-entendido que afeta muitas pessoas. A informação só pode
nos ajudar a aprender alguma coisa que já entendemos.”
Quanto aos programas de treinamento, Senge
considera que poucos profissionais aprendem as coisas que são realmente
importantes nesses programas. “O aprendizado ocorre no dia-a-dia, ao
longo do tempo e sempre acontece quando as pessoas estão às
voltas com questões essenciais ou se vêem diante de desafios.“
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Desde os anos 70 do
século passado o tema da responsabilidade social das empresas, em
relação às comunidades onde estão inseridas, tem sido foco de debates e
de uma extensa literatura. Nota-se que a filosofia desse conceito é
abrangente, englobando problemas sociais, econômicos e ambientais como
pobreza, desemprego, segurança no trabalho, poluição e desmatamento,
além de aspectos legais e jurídicos referentes a desapropriações e
remoção de moradores, para citar alguns. Porém, o entendimento mais
comum do termo é aquele que traduz a responsabilidade social empresarial
como um comportamento socialmente responsável, do ponto de vista ético,
praticado pelas organizações em suas atividades-fins.
Conhecidos teóricos
da administração, como o filósofo e economista de origem austríaca Peter
Drucker (1909-2005), e o americano Robert M. Grant, consultor e autor do
livro “Análise da Estratégia Contemporânea” (1995), destacam a
necessidade de uma gestão de empresas voltada para a evolução da
sociedade moderna, já que as empresas são importantes e influentes
agentes sociais, e seus gestores são percebidos como lideranças pelas
comunidades onde atuam.
Na obra “O Líder do
Futuro” os autores Hesselbein, Goldsmith e Beckard enfocam o lado
humanístico na condução empresarial. Para eles, o propósito de uma
administração organizacional deve ser o de tornar eficazes os pontos
fortes das pessoas e irrelevantes as suas fraquezas. O livro datado de
1996 advoga que as posturas serão mais úteis do que as habilidades e que
as futuras lideranças vão flexibilizar as hierarquias, construindo um
sistema de trabalho mais fluido: “O maior capital das empresas serão
as pessoas que as compõem. Conseguir o comprometimento delas e colher o
fruto de suas mentes criadoras deverá ser o grande desafio do século
XXI.”
CARISMA E OPORTUNIDADES
Esse novo conceito de
liderança se afasta do primitivo modelo de liderança carismática, onde
não havia espaço para a argumentação ou contestação. Um tipo de comando
criticado pelo próprio Drucker, o cultuado guru “inventor da gestão”,
que aos 95 anos, em sua última entrevista à imprensa norte-americana
(reproduzida pela revista “Exame” em fevereiro de 2006, sob o título
“Liderança é Conversa Fiada”) questiona a fixação dos gestores
executivos pela formação de líderes: “É
um erro afirmar que as escolas de
negócios formam líderes. Sua tarefa consiste
em formar medíocres competentes para que realizem um trabalho competente
Permita-me dizer com toda a sinceridade: não acredito em líderes. Toda
essa conversa sobre líderes é uma bobagem muito perigosa. É tudo
conversa fiada. Entristece-me constatar que, encerrado o século 20, com
líderes como Hitler, Stálin e Mao, as pessoas ainda estejam em busca de
quem as comande, apesar de todo esse mau exemplo. Acho que tivemos
carisma demais nos últimos 100 anos”.
Autor
de mais de 30 livros sobre práticas de administração de empresas,
Drucker sempre acreditou que os bons resultados obtidos em uma gestão
não advêm das soluções de problemas e sim de se saber explorar as novas
oportunidades que se apresentam. Também alertava para a interpretação
confusa dos gestores sobre os termos “eficácia – fazer a coisa certa
– e eficiência – fazer certo as coisas. Segundo o teórico “é
difícil achar algo tão inútil quanto fazer com grande eficiência algo
que simplesmente não deveria ser feito”. Mas mesmo assim, assinalava
Druker, as ferramentas utilizadas - sobretudo conceitos contábeis e
dados - estavam todas voltadas à eficiência. “O que precisamos é de um
jeito de identificar áreas de eficácia (de possíveis resultados
relevantes) e de um método para nos concentrarmos nelas”, recomendava.
APRENDER
E DESAPRENDER
Em
1930, na obra “O Mal-Estar na Civilização”, o fundador da psicanálise,
Sigmund Freud (1856-1939), já especificava as três grandes forças
causadoras da infelicidade no ser humano: o próprio corpo “condenado
à decadência e à dissolução”; o mundo exterior “repressivo” e
“ameaçador”; e os relacionamentos com os outros, essa última
correspondendo a frustração mais difícil de se lidar e adequadamente
rotulada de “a fonte social do sofrimento”. Reconhecendo-se a
importância das relações pessoais no contexto das organizações, torna-se
um desafio para qualquer gestor desenvolver um clima de harmonia,
integração e satisfação em sua comunidade funcional, face à diversidade
dos “modelos mentais” inerentes a cada indivíduo.
No
livro “A Força dos Modelos Mentais” (2005) os consultores
norte-americanos Yoram Wind e Colin Crook explicam que esses processos
cerebrais e emocionais - frutos de influências familiares, escolares,
culturais e religiosas que se somam às experiências e vivências na fase
adulta - moldam todos os aspectos da vida de uma pessoa e muitas vezes,
no âmbito profissional, eles não acompanham ou não correspondem à
realidade do momento, dificultando e limitando a evolução de uma
carreira que poderia ser promissora. Caberia, pois, aos profissionais se
reestruturarem, desfazendo-se de antigos referenciais e adaptando-se aos
novos conceitos de competência e padrões de comportamento sinalizados
pela empresa. “Daí a importância de aprender, desaprender e reaprender
para construir nossos conhecimentos sob novos paradigmas”, desafiam Wind
e Crook.
SATISFAÇÃO E IDENTIDADE
Mas,
para Freud a insatisfação humana é um fato imutável porque
“nascemos com um programa inviável
que é atender aos nossos instintos, mas o mundo não o permite”.
Ou seja, o homem,
faça o que fizer, estará condenado a conviver com a frustração na vida
privada e profissional. Logo, gerenciar atividades e serviços da mais
alta complexidade e tecnologia empresarial como grandes obras de
engenharia também é administrar expectativas pessoais que não devem ser
desconsideradas ou minimizadas pelos gestores.
Em uma pesquisa na cidade de
Pittsburgh, na Pensilvânia (EUA), na década de 50, quando a localidade
ainda era um grande pólo siderúrgico e o maior produtor de aço do mundo,
o
professor e psicólogo
Frederick Herzberg, falecido em 2000,
realizou entrevistas com 200 engenheiros e contadores de onze indústrias
da região para descobrir os fatores que geravam
satisfação e insatisfação no ambiente de trabalho. Percebeu que
elementos relacionados com o conteúdo do trabalho (motivação), tais como
o desenvolvimento do potencial intelectual, a possibilidade de
crescimento profissional e a auto-realização, eram fortes indutores para
a criação de um clima de satisfação entre os funcionários. Por outro
lado constatou que o contexto físico e as condições de trabalho e de
remuneração, mesmo apresentando ótimos padrões, não aumentavam o grau de
satisfação entre os empregados, apesar de funcionarem como barreiras de
contenção contra a insatisfação.
Esse estudo, compilado no livro “A Motivação para o Trabalho” (1959),
serviu de base para outras centenas de observações e análises sobre
modelos e teorias de administração produzidas ao longo do tempo que têm
ajudado a redefinir o conceito de trabalho empresarial nas organizações
públicas e privadas, incorporando às suas atividades econômicas e
tecnológicas valores como o capital intelectual, o talento e a inovação,
ferramentas insuperáveis na produção de ações que objetivem resultados
promissores nos ambientes internos e externos em que atuam.
IDENTIDADE E AÇÃO
Com essa opção pela gestão social, que se traduz por um gerenciamento
mais participativo e solidário, focado no diálogo, no desenvolvimento
das pessoas e no interesse público das comunidades, as empresas vão se
aproximando, pouco a pouco e de forma extraordinária, da filosofia
política de Hannah Arendt (1906-1975) – uma das mais cultuadas
pensadoras do século 20 –, algo impensável há alguns anos. Isso porque
para Arendt, autora de “A Condição Humana” (1958), a suposição
de que a identidade de uma pessoa transcenda, em grandeza e importância,
tudo o que ela possa fazer ou produzir, seria um elemento indispensável
da dignidade humana. Juntamente com a assombrosa capacidade de agir
do ser humano, da qual, segundo a filósofa, “se pode esperar o
inesperado e o infinitamente improvável, independentemente da produção
de coisas, porque cada homem é singular, de sorte que, a cada
nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo”.
(21 de novembro/2008)
CooJornal
no 608