Sheila Sacks
O MÉDICO, O LIVRO E O IBOPE |
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Uma
pesquisa levada a efeito pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística, o popular IBOPE, deu médico na cabeça. A consulta,
realizada no finalzinho de 2005, tinha por meta saber qual a instituição
e a categoria profissional com maior credibilidade entre os brasileiros.
O resultado mostrou que a turma por aqui confia mesmo é na classe
médica. Pelo menos foi assim que responderam 81% dos entrevistados. Em
segundo lugar ficaram os militares das Forças Armadas (75%), depois a
Imprensa (74%) e logo em seguida a Igreja Católica (71%). Na outra
ponta, a consulta revelou que 90% da população não confiava nos
políticos em geral.
Em
uma nova pesquisa, esta mais recente, feita em abril de 2007 pelo
Ministério de Ciência e Tecnologia com 2.000 pessoas em todo o Brasil,
confirmou a credibilidade da classe médica. Dos entrevistados, 43%
disseram confiar nos médicos quando desejam obter informações sobre
algum assunto que consideram importante. Os jornalistas vieram a seguir,
com 42%, e os cientistas que trabalham em universidades alcançaram 30%.
As fontes com menor credibilidade a serem consultadas, segundo o estudo,
seriam os políticos (84%), os militares (44%) e os religiosos (18%).
Em
função desses resultados, amplamente divulgados pela mídia, eu conversei
com o renomado escritor e médico gaúcho, ainda na ativa, doutor Moacyr
Scliar.
MÉDICO E IMORTAL
Autor de mais de 70 obras, várias delas premiadas no Brasil e no
exterior, Moacyr Scliar, 70 anos, iniciou-se na literatura em 1962, com
o livro “Histórias de um Médico em Formação”. Em 2005 lançou “O Olhar
Médico: crônicas de medicina e saúde”, que também enfoca a área médica,
reunindo 55 crônicas publicadas no jornal gaúcho Zero Hora. Com obras
traduzidas em 12 idiomas e membro da Academia Brasileira de Letras, o
“imortal” Scliar também escreveu sobre as vidas dos médicos sanitaristas
Oswaldo Cruz (Sonhos Tropicais) e Noel Nutels (A Majestade do Xingu),
este último o indigenista judeu que realizou um trabalho pioneiro com os
índios da Amazônia nas décadas de 40 e 50.
Médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (fez curso
de pós-graduação em medicina em Israel, em 1970) e Doutor em Ciências
pela Escola Nacional de Saúde Pública (Rio de Janeiro), sua tese de
doutorado, apresentada em 1999 sob o título “Da Bíblia à Psicanálise:
saúde, doença e medicina na cultura judaica”, ganhou nota máxima, com
louvor. Em um trecho do trabalho, Scliar destaca que entre 1899, data da
introdução do Prêmio Nobel de Medicina, até 1989, foram laureados trinta
e nove médicos judeus.
Morando em Porto Alegre, sua idade natal, Scliar coordenou o Programa
de Educação em Saúde na Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul,
trabalhou na Fundação Nacional de Saúde e foi consultor do Ministério da
Saúde. Atualmente chefia o Departamento de Saúde Coletiva da Fundação
Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre e em maio deste
ano lançou o livro “O Texto ou a Vida”, uma coletânea de crônicas,
contos, trechos de romances, ensaios e comentários do autor sobre o
processo criativo de cada um deles. Vale lembrar que a sua obra "O
Centauro no Jardim", publicada em 1980, foi incluída na lista dos 100
melhores livros de temática judaica dos últimos 200 anos feita pelo
National Ydish Book Center, nos Estados Unidos. Scliar assim resumiu
o tema do livro: “É a história de uma criatura com dupla identidade,
assim como os filhos de imigrantes judeus. O ambiente familiar e da
escola israelita é diferente do ambiente universitário e do trabalho.
Ter várias identidades não é problema nenhum, ao menos que a pessoa
tenha alguma dificuldade emocional para lidar com essas identidades. O
meu personagem, o centauro, tinha. E é por isso que deu um romance”.
Figura da mitologia grega, o centauro é um ser metade homem, metade
cavalo.
Em relação à pesquisa do IBOPE, Scliar não se mostrou surpreso com o
resultado que aponta a categoria dos médicos com um índice de
confiabilidade de 81%, à frente de instituições como as Forças Armadas,
a Igreja Católica, jornais e TV. Segundo o escritor, a imagem da
profissão de médico é um componente influente neste resultado, porque
inclui qualidades altruístas admiradas e reconhecidas pela população,
como a dedicação e o sacrifício pessoal.
ENTREVISTA
Qual é a sua leitura sobre o resultado da pesquisa do IBOPE que apontou
a categoria dos médicos como a instituição de maior credibilidade do
país?
- Um resultado mais ou menos esperado. Em outras pesquisas os médicos
também estavam nos primeiros lugares. Isto corresponde à imagem da
profissão, que envolve desprendimento, dedicação e até sacrifício
pessoal, mas corresponde também à experiência pessoal de cada um. Não há
ninguém que não seja grato a, pelo menos, um médico.
Muitos médicos são também filósofos, escritores, artistas, políticos e
até presidentes da República como foi Juscelino Kubitschek. Ao que o
senhor atribui essa dualidade presente na carreira de tantos médicos?
- Ao lado humanista da profissão. Ser médico é interessar-se pela
condição humana, em geral na doença, mas também na vida cotidiana. Este
interesse, junto com a disposição especial que a pessoa eventualmente
tenha, acaba se estendendo a outras áreas.
Na sua tese de doutorado o senhor relata a enorme quantidade de médicos
judeus na Espanha e Portugal, à época da Inquisição. A fuga desses
profissionais para o Brasil permite afirmar que os primeiros médicos do
país foram judeus?
- Certamente. Muitos historiadores médicos em nosso país apontam para
este fato. Depois da Inquisição, outros períodos de perseguições
provocaram a fuga de médicos judeus para o Brasil.
O trabalho desses doutores de alguma forma contribuiu para a evolução da
medicina brasileira?
- De novo, a resposta é afirmativa. Para ficarmos num único exemplo,
podemos citar o Hospital Albert Einstein (São Paulo), que é um
verdadeiro centro de referência.
A porcentagem de médicos judeus no Brasil e no mundo é
extraordinariamente alta em comparação com a proporção de judeus na
população em geral. A religião ou a tradição judaica é um fator de peso
nesta escolha?
- Sim. Saúde e doença são mencionadas
abundantemente no Tanach e no Talmud. Na antiguidade o médico era
basicamente alguém que dava conselhos, e isto de novo está dentro da
tradição do judaísmo, que sempre respeitou a figura do "chacham", do
sábio. Mas havia também um motivo prático e penoso. A medicina é uma
profissão "portátil", resulta de um conhecimento que está na cabeça do
médico e em sua habilidade. Para um grupo humano que não raro era
expulso de países, isto era uma coisa importante, tanto mais que
medicina dava status. Não foram poucos os judeus que trabalharam como
médicos de reis, de sultões e de nobres. Maimônides, que atendia o
sultão Saladino, é um exemplo.
Nota: Tanach (os 24 livros que compõem o
chamado Antigo Testamento); Talmud (Leis judaicas e Comentários);
Maimônides (médico e filósofo nascido na Espanha, no século XII).
(22 de setembro/2007)
CooJornal
no 547