Sheila Sacks
De olho no Cone Sul |
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Rota predileta dos fugitivos
nazistas na década de 50, os países do Cone Sul (Argentina, Uruguai,
Paraguai, Chile e sul do Brasil) se converteram, nos últimos 15 anos, na
Meca do submundo de certos grupos radicais, no tocante à tarefa de
arrecadar recursos para ações violentas nos quatro cantos do mundo. E,
tudo leva a crer que a estréia do Hezbollah na América Latina se deu
mesmo em Buenos Aires, com o envolvimento de vários diplomatas
iranianos: em 19 de julho de 1994, com o atentado ao prédio da
associação judaica Amia, que resultou em 85 mortes e mais de 200
feridos, e dois anos antes, no ataque que destruiu a sede da embaixada
de Israel naquela cidade, com um saldo de 29 mortes e 242 feridos.
Segundo o documentário
“Hezbollah: ameaça terrorista na América Latina”, exibido pela rede de
TV norte-americana Telemundo, de língua espanhola, esse grupo
extremista xiita libanês (fundado no Irã em 1979) considera a Tríplice
Fronteira (formada por cidades do Brasil, Paraguai e Argentina) o lugar
mais importante para o movimento, depois do Líbano. Calcula-se que o
comércio e o contrabando na região movimentam em torno de 3 bilhões de
dólares ao ano, parte dos quais são arrebanhados para financiar atos
terroristas.
Utilizando-se de ONGs
(Organizações Não-Governamentais) criadas a título de benemerência
social, estas instituições funcionam como autênticos corredores
subterrâneos para o escoamento do dinheiro que vai sustentar o
radicalismo e a intolerância em nosso planeta. Um dado curioso: no
Brasil existem, atualmente, 260 mil ONGs, um número espantoso tendo em
vista que em 2002 estas instituições não alcançavam a marca de 20 mil.
CÚPULA DAS AMÉRICAS
Em 2005, a
cidade argentina de Mar Del Plata sediou a IV Cúpula das Américas, com a
participação de 34 países, inclusive o Brasil. Em uma decisão histórica,
ao final do encontro foi emitida uma Declaração assinada por todos os
participantes, reconhecendo o combate ao terrorismo no continente como
uma das prioridades que merecem atenção dos governos.
A
participação e o empenho do Centro Simon Wiesenthal de Direitos Humanos
(CSW), antes e durante o evento, foi fundamental para a elaboração dos
itens 68 e 69 que tratam do assunto, em consonância aos termos propostos
pelo Centro à Organização dos Estados Americanos-OEA.
Meses depois, o diretor do CSW para a América Latina, Sergio Widder,
conversou conosco sobre as ações práticas que a instituição desenvolve
de forma permanente, tendo em vista as três grandes ameaças que
assombram as sociedades democráticas modernas: a intolerância, a
impunidade e o terrorismo. Temas que, certamente, continuarão em pauta
em 2009, quando se dará a V Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, o
país caribenho de língua inglesa, com um milhão de habitantes, situado
ao largo da costa venezuelana.
RADICALIZAÇÃO
Desde 2003, o Centro Simon Wiesenthal participa do Fórum Social Mundial
(realizado no Brasil por quatro vezes), buscando um maior diálogo e a
aproximação com as ONGs nacionais e internacionais presentes ao evento,
cuja radicalização acerca de diversos temas políticos – notadamente no
que concerne a Israel – é vista com preocupação pelo Centro.
Com escritório em Buenos Aires, o CSW está atento a toda a América
Latina e seu leque de atuação tem sido ampliado em função da ascensão do
terrorismo a níveis transcontinentais, como bem ficou retratado nos dois
atentados na Argentina , na década de 90.
Sergio Widder, 39 anos, dirige o Centro de Buenos Aires desde a sua
instalação, em 1992. Graduado em Ciências Políticas, Widder é argentino
e participou diretamente da extradição do criminoso nazista Erich
Priebke – que vivia na cidade de Bariloche - acusado do massacre de 335
civis na Itália, sendo 75 judeus. Como representante do CSW esteve
presente na Conferência Mundial contra o Racismo (Durban, 2001) e na
Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo, 2002),
ambas na África do Sul. Também participou do Fórum Social Mundial, em
Porto Alegre, em 2003, 2004 e 2005, e acompanhou, como observador, a 1ª
Cúpula América do Sul-Países Árabes, realizada em Brasília (maio de
2005).
No início de 2006, Widder enviou uma carta-protesto ao Presidente da
Venezuela, Hugo Chavez, pelo discurso de conotação anti-semita proferido
por ocasião do Natal. O documento teve grande repercussão na mídia
internacional e provocou um encontro entre Chavez e representantes da
comunidade judaica venezuelana.
Com mais de 400 mil afiliados em todo o mundo, o CSW é uma ONG Judaica
Internacional de Direitos Humanos (reconhecida pela ONU, UNESCO, OEA e a
Comunidade Européia) e, além de Buenos Aires, mantém escritórios em Nova
York, Los Angeles, Miami, Toronto, Paris e Jerusalém.
ENTREVISTA
Por que o Centro Simon Wiesenthal escolheu a Argentina, em 1977, para
sede de suas atividades na América Latina?
- Embora, a nível internacional, o Centro Simon Wiesenthal tenha sido
criado em 1977, o escritório latino-americano somente iniciou as suas
atividades em 1992. A cidade de Buenos Aires foi escolhida como sede
regional por uma conjunção de distintos fatores. Entre eles o fato de
que a Argentina abriga a maior comunidade judaica da América Latina e
que, em 1992, o país abriu os arquivos sobre a chegada dos nazistas ao
seu território, oferecendo assim uma oportunidade adequada para a
instalação da sede do CSW na região.
É
verdade que, apesar de convidado, Wiesenthal nunca aceitou pisar na
Argentina? Por quê?
- Simon Wiesenthal nunca viajou à América do Sul porque durante décadas
a região foi muito insegura para quem desenvolvia uma tarefa como a sua,
devido a presença de criminosos de guerra nazistas, de outros fugitivos
nazistas e de colaboradores. A partir da década de 90, com a
consolidação do ambiente democrático, o cenário ficou mais favorável,
mas aí a idade avançada de Wiesenthal lhe dificultava a empreender
longas viagens.
O
CSW alguma vez cogitou em abrir uma filial no Brasil?
- Na realidade, o Centro tem uma estrutura bem pequena e, à exceção dos
Estados Unidos, não possui mais de um escritório por região. O Brasil
está sob a órbita da filial de Buenos Aires e, se bem que até este
momento a nossa atuação no país foi limitada, esperamos ampliá-la em
futuro próximo.
Quais são as principais atividades desenvolvidas pelo CSW na Argentina e
na América Latina?
-
O escritório latino-americano cumpre na região a agenda internacional do
CSW. Nossos temas abrangem desde a busca dos criminosos de guerra
nazistas até as manifestações de anti-semitismo e de intolerância na
atualidade, assim como também a problemática do terrorismo,
especialmente se levarmos em conta que a região já sofreu ataques do
terrorismo internacional e que a Tríplice Fronteira continua sendo uma
zona permeável e com um ambiente de arrecadação de recursos para estes
grupos. Vale a pena destacar que outro importante tema de trabalho do
escritório latino-americano diz respeito ao Fórum Social Mundial (FSM) e
à radicalização de ONGS nos fóruns internacionais.
O
CSW tem status de uma ONG de Direitos Humanos. A instituição também atua
em questões fora do âmbito da comunidade judaica?
- Sim, e de maneira muito intensa. Como exemplo vale retomar o
comentário sobre o Fórum Social Mundial, no qual temos participado
desde 2003, buscando grupos moderados que apostam no diálogo e na
convivência, e denunciando as ações de grupos radicais anti-Israel e
anti-semitas. Outro exemplo válido são as conferências que o Centro
oferece às Forças Armadas e à Polícia argentinas. O CSW é uma
instituição judaica mas suas ações têm repercussão fora e dentro da
comunidade.
O
CSW encontra apoio e parceiros, em seus projetos, em setores e segmentos
da sociedade argentina - imprensa, políticos, estudantes e intelectuais?
-
Sim. De acordo com os diferentes projetos buscamos os interlocutores
apropriados e em geral encontramos bom acolhimento
Quais foram as conseqüências (a curto e longo prazos), na comunidade
judaica Argentina, dos atentados à Embaixada de Israel (1992) e ao
prédio da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994, que
mataram 114 pessoas e feriram mais de 500?
- É difícil responder em poucas linhas a uma pergunta tão complexa. Os
atentados nos mostraram a vulnerabilidade da sociedade argentina diante
do terrorismo internacional e a falta de defesa dos judeus enquanto
cidadãos argentinos. A impunidade permanece como uma sombra ameaçadora e
o medo persiste diante da falha na identificação dos culpados. Apesar
desta situação, a comunidade judaica continua com uma atividade pujante,
não desistindo, porém, em clamar para que se faça justiça.
Em
entrevista à revista “Carta Capital”, em junho de 2004, o funcionário do
FBI que atuou no Brasil, Carlos Alberto Costa, afirmou que os dois
atentados em Buenos Aires foram organizados no Brasil, mas por pessoas
que não viviam no país. Como o CSW se posiciona diante do fato, visto
que vem lutando até hoje pela total elucidação do atentado à AMIA?
- Toda pista que possa conduzir à identificação dos responsáveis pelo
atentado deve ser investigada e, no caso de que haveria indícios de que
o território brasileiro tenha servido como plataforma para planejar o
atentado contra a AMIA, reforça ainda mais a nossa permanente posição no
sentido de que a luta contra o terrorismo não é um problema nacional e
sim global, e que na América Latina deve-se estabelecer políticas
regionais, visto que estas atividades envolvem transações através de
fronteiras, transferências de dinheiro, tráfico de armas e explosivos.
Os
países, em geral, têm dificuldade em monitorar e bloquear o envio de
dinheiro para financiar partidos legais que promovem atos terroristas.
Há alguns anos, a América do Sul vem sendo apontada pelos Serviços de
Inteligência norte-americanos como uma região onde grandes somas de
dinheiro alimentam atentados em todo o mundo. O CSW também se manifesta
publicamente sobre este assunto?
- Sim, tanto que nós emitimos uma Convocação para Ação Contra o
Terrorismo, na véspera da IV Cúpula das Américas, em Mar Del Plata,
em 2005, e cuja Declaração Final incluiu pontos substanciais da
Convocação, nos artigos 68 e 69, sobre os quais daremos
prosseguimento através do Comitê Interamericano contra o Terrorismo da
OEA.
A
implantação do MERCOSUL favoreceu, de alguma maneira, o trânsito e os
negócios de pessoas e grupos ligados ao terrorismo internacional?
- A integração regional merece ser apoiada porque pode resultar na
melhoria da qualidade de vida dos povos da região. Porém, não pode
servir de desculpa para o descuido dos controles sobre a circulação de
indivíduos ou recursos ligados ao terrorismo internacional. Os processos
de integração são uma realidade em diferentes pontos do planeta e o
desafio não consiste em ir contra a integração, mas em assegurar que a
integração não facilite as atividades terroristas.
Quais são os resultados da “Operação Última Chance”, lançada em 2002
para capturar os últimos nazistas criminosos de guerra?
- De acordo com os últimos informes elaborados pelo Dr. Efraim Zuroff,
diretor do escritório do CSW, em Jerusalém, e responsável pela Campanha
“Operação Última Chance”, já foram reportados 87 casos que foram
enviados aos ministérios de diferentes países, especialmente os do Leste
Europeu.
Existe a possibilidade do médico nazista Aribert Heim - considerado o
mais sádico dos criminosos -, hoje com 91 anos, estar na Espanha ou no
Brasil?
Nos últimos tempos houve rumores acerca do suposto paradeiro deste
criminoso, mas não seria prudente arriscar uma resposta categórica a
essa pergunta. Preferimos manter a cautela à espera de notícias.
O
livro de Ira Levin “Os Meninos do Brasil” (1976 ) apresentava o médico
nazista Josef Mengele no Paraguai. Depois se comprovou que ele viveu e
morreu no Brasil, em 1978. Quais são as principais dificuldades na busca
e captura de criminosos de guerra?
- No caso da América do Sul, durante décadas o principal obstáculo foi a
proteção que os criminosos receberam da parte das diversas nações onde
se refugiaram. Talvez o caso de Mengele revele um padrão: ele chegou à
América do Sul através da Argentina, obteve documentos argentinos
(primeiro sob um nome falso e depois sob o nome de José Mengele), logo
foi para o Paraguai (tudo indica) e sabemos acerca de sua morte no
Brasil. É indubitável que assim como ocorreu com ele, muitos outros
ganharam igual cobertura.
É
possível que exista hoje uma organização similar a Odessa, (tinha 750
empresas em vários países, sendo 98 na Argentina, para dar emprego e
financiar fugas e proteção aos nazistas do III Reich), que funcionaria
como uma poderosa e invisível rede de recrutamento, treinamento e
sustento de milhares de terroristas?
- Existem, sem dúvida, redes internacionais de terrorismo. O melhor
exemplo é Al-Qaeda. E é evidente que as organizações terroristas têm
contatos para recrutar pessoas, obter recursos e realizar atividades de
inteligência. O desafio das sociedades democráticas é combater o
terrorismo dentro dos princípios do Estado de Direito.
MISSÃO E DESTINO
Sobrevivente do Holocausto, Simon Wiesenthal dedicou seis décadas de sua
vida a uma missão: encontrar os nazistas que comandaram ou participaram
dos massacres contra as minorias, principalmente judeus, para
entregá-los à justiça. Durante a II Guerra Mundial, Wiesenthal - à época
com 30 anos - passou por doze campos de concentração e chegou a tentar
o suicídio, após uma fuga fracassada.
Toda a sua família, de 89 pessoas, pereceu nos fornos crematórios e nos
campos de confinamento.
Em 1947 fundou, em Viena, um Centro de Documentação com o objetivo de
catalogar sobreviventes e criminosos, em um trabalho meticuloso de
detetive e promotor, que levou mais de mil nazistas aos tribunais. Entre
eles, Franz Stangl, o comandante do campo de Treblinka, na Polônia, onde
40 mil pessoas foram mortas, e Adolf Eichmann, responsável pela
logística de extermínio em massa, aplicada pela máquina nazista nos
países ocupados. Ambos foram encontrados na América do Sul: Stangl,
em São Paulo, e Eichmann, na Argentina.
Nascido em 1908, onde hoje é a Ucrânia, Wiesenthal morreu em 2005, aos
96 anos, em Viena. Sua maior decepção foi não ter capturado o médico
Josef Mengele, conhecido como o “Anjo da Morte”, por suas horrendas
experiências feitas em seres humanos no campo de Auschwitz (Polônia).
Mengele foi localizado no Brasil depois de morto, após a exumação do
corpo.
(14 de julho/2007)
CooJornal
no 537