Sheila Sacks
DESVENDANDO MUNIQUE
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Há quase
um ano, em junho de 2006, a cidade de Munique viveu dias de pop star
com a realização do primeiro jogo da Copa do Mundo da Alemanha, na
capital da Baviera. Um estádio monumental – o Allianz Arena - que
custou quase 400 milhões de dólares serviu de cenário para a première
do time da casa. Já o antigo estádio olímpico, aquele do atentado aos
atletas israelenses, em 1972, prudentemente esqueceu os esportes
e abriu seus portões para um deslumbrante concerto ao ar livre, com três
orquestras sinfônicas, 400 músicos, show de luzes e fogos de artifício,
e a participação do maestro Zubin Mehta e do tenor Plácido Domingo. O
slogan oficial da competição traduziu o clima da festa: “A Time to Make
Friends” ou, na versão latina, “Um Mundo Entre Amigos”. Até um concurso
para saber o que os torcedores de todas as partes do mundo associavam à
Alemanha, o país anfitrião da Copa, foi lançado pela rede internacional
de rádio e televisão Deutsche Welle (DW-World).
Diante
dos brilhantes resultados em matéria de organização e de marketing
institucional, pode parecer indelicado evocar fatos poucos recomendáveis
sobre a encantadora cidade de Munique – ou München, para os íntimos, -
que foi capaz de patrocinar um evento esportivo tão simpático e que
encantou milhões de torcedores em todo o mundo. Mas, por outro lado é
justo compor um registro de ocorrências que - ao longo do tempo e no
ambiente que se mostrou fértil e propício da Baviera - prosperaram e
resultaram em ruína e tragédia para uma minoria de pacatos cidadãos. O
escocês Kevin Macdonald, autor do premiado documentário “On Day in
September” (Oscar da categoria, em 2000), que aborda o seqüestro e a
morte, por um comando terrorista, dos 11 atletas israelenses que
participavam das Olimpíadas de Munique, em 1972, justificou, de maneira
contundente, o motivo que o levou a realizar o filme: “De alguma forma o
Massacre de Munique foi uma transgressão inominável, a destruição de um
ideal de paz e fraternidade”. Seu produtor, John Battsek, foi mais
adiante: “A investigação para o documentário revelou uma história de
mistério, conspiração, tragédia, inépcia e terror”.
Amigo
de Hitler
Frente a tal enunciado,
comecemos com a performace do Comitê Olímpico Internacional. A
entidade era presidida, em 1972, pelo norte-americano Avery Brundage
(1887-1975), o mesmo que nas Olimpíadas Nazistas de Berlim, em 1936,
havia rejeitado a proposta dos Estados Unidos de boicotarem a
competição, em razão dos atletas judeus alemães estarem proibidos de
participar. Brundage tinha sido presidente do Comitê Olímpico dos
Estados Unidos, era um entusiasta do regime nazista e amigo de Hitler.
Nascido em Detroit, esse engenheiro e desportista que foi o único
norte-americano a presidir o Comitê Olímpico Internacional, convenceu os
seus patrícios a participarem da competição e, em troca, a sua empresa
de engenharia recebeu um cheque em branco para construir a embaixada da
Alemanha em Washington. Três décadas depois, em uma dessas coincidências
lamentáveis, esse mesmo Brundage, na cerimônia realizada no dia seguinte
à tragédia, preferiu se calar sobre o assassinato dos atletas
israelenses. Em seu discurso apenas exaltou o espírito dos Jogos e
anunciou que a festa não ia parar.
Passados exatos 27 anos desta olimpíada do terror, uma autobiografia
intitulada “Palestine: From Jerusalém to Munich” revela novos detalhes
do ataque à Vila Olímpica. Publicada na França, em 1999, seu autor é
Mohammed Oudeh (Abu Daoud), um dos mentores confessos do Massacre de
Munique. No livro ele admite que o Setembro Negro era o nome-fantasia
adotado pelos membros do Fatah, quando dos ataques terroristas. Daound
também descreve como Arafat e o atual presidente da Autoridade Palestina
Mahmoud Abbas (Abu Mazen) - o homem encarregado de levantar os recursos
para a viabilização da operação – desejaram-lhe boa sorte e o beijaram
no momento em que ele finalizou os preparativos para o ataque, que
vitimou um total de 17 pessoas.
Negação do
Holocausto
Sobre
Mahmoud Abbas, vale reproduzir um item de seu histórico escolar: em
1982, dez anos depois do atentado terrorista, ele concluiu seus estudos
na Universidade de Moscou, obtendo o título de PhD em História Oriental.
A tese de seu doutorado questiona e nega os números do Holocausto e
inclui uma fantástica aliança entre nazistas e líderes sionistas,
durante a II Guerra Mundial, com o intuito de exterminar todos os judeus
da Europa. A fantasia mal-intencionada travestida de “investigação
histórica” leva o nome de “O Outro Lado: As secretas relações entre o
Nazismo e o Movimento Sionista”.
Ainda
acerca do líder palestino, a Organização israelense de Direitos Humanos
Shurat Hadin Israel Law Center - que dá assistência jurídica aos judeus
vítimas de atos terroristas e os representa nos fóruns internacionais -
enviou cartas ao presidente Bush e ao Chanceler Gerhard Schroeder, em
2003, conclamando as autoridades norte-americanas e alemãs a abrirem uma
investigação, em seus territórios, contra Mahmoud Abbas por suas
comprovadas ligações com o Setembro Negro, principalmente na função de
recolhedor de fundos para prover atos terroristas, como o de Munique. A
ação teria consistência jurídica já que um dos atletas assassinados
também tinha cidadania norte-americana e um dos mortos era um policial
alemão.
Aliados do Reich
Em
2005 o jornalista Ian Jonhson, do Wall Street Journal, consultando
arquivos oficias nos Estados Unidos, Inglaterra, Suíça e Alemanha,
afirmou que a cidade de Munique, há várias décadas, havia se tornado o
centro irradiador de uma organização radical denominada Fraternidade
Muçulmana (Muslim Brotherhood), banida do Egito por Gamal Abdel Nasser,
nos anos 50. Quase todos os acusados de atos terroristas tinham, algum
dia de suas vidas, passado por Munique e pelo seu centro islâmico. Essa
intimidade entre a cidade alemã e os muçulmanos, segundo Jonhson, tinha
se iniciado à época de Hitler, depois da invasão à União Soviética,
quando o regime nazista deu uma guinada das mais espertas, transformando
um milhão de soldados muçulmanos dos países da Cortina de Ferro,
aprisionados em combate, em aliados e amigos do Reich. Inclusive uma
dessas brigadas, formada por muçulmanos, foi destacada para a Polônia,
onde teve participação ativa na aniquilação do Gueto de Varsóvia, em
1943.
Depois da guerra, esses
combatentes nazistas se instalaram em Munique e acolheram a organização
Fraternidade Muçulmana de braços abertos, sendo responsáveis pela
fundação, em 1958, do Centro Islâmico de Munique. Um ano depois,
participantes do Congresso Muçulmano Europeu selaram o pacto de tornar a
capital da Baviera um pólo de convergência para todos os muçulmanos
residentes na Europa. Um dos clérigos (imam) mais atuantes do Centro
Islâmico de Munique foi Nurredin N. Nammangani, nascido no Uzbakistão e
que serviu nas fileiras de Hitler, mais especificamente na organização
paramilitar SS. Durante décadas (faleceu na Turquia em 2002) ele mesclou
religião e anti-semitismo em suas prédicas às centenas de colegiais e
universitários muçulmanos de várias partes da Europa. Outros membros da
cúpula do Centro de Munique citados na reportagem também tiveram
ligações documentadas com os nazistas, de acordo com a pesquisa do
jornalista norte-americano.
Radicalismo e terrorismo
Para o historiador alemão
Stefan Meining, o Centro Islâmico de Munique está na base de uma ampla
rede que se ramificou silenciosamente pelo resto do mundo, a partir do
fim da II Grande Guerra, difundindo um radicalismo e uma postura a favor
da “guerra santa”, que simplesmente não existiam antes da II Guerra
Mundial. O encontro da teoria nazista com o fundamentalismo religioso da
Fraternidade Muçulmana foi o responsável pelo nascimento da figura
híbrida e aterradora do terrorismo moderno, uma das grandes tormentas
que o mundo ocidental tem enfrentado. “Se você quer entender a estrutura
política do Islã, você tem que se debruçar sobre o que aconteceu em
Munique”, alerta o historiador.
Outro estudioso alemão, o
cientista político Matthias Kuntzel, também relaciona a Fraternidade
Muçulmana com as ideologias extremistas da jihad (guerra santa) dos
grupos Fatah, Hamas, Hizbollah e Al-Qaeda. Em seu trabalho intitulado “O
Islamismo anti-semita e as suas origens nazistas”, Kuntzel destaca que
até 1930 a doutrina islâmica tradicional não pregava o ódio aos judeus e
nem falava em guerra santa. Posteriormente, a doutrina absorveu o
marketing da propaganda nazista e anti-semita européia, recebeu o apoio
financeiro e estratégico de Hitler - que financiou as lideranças
islâmicas ligadas à Fraternidade Muçulmana (fundada em 1920) - e
promoveu atos de terror, morte e perseguição aos judeus no Egito e na
Palestina, ainda sob o Mandato Britânico. Slogans do tipo “Judeus fora
da Palestina e do Egito” e “Morte aos Judeus” eram parte do arsenal de
intimidação da Fraternidade que, após ser expulsa do Egito, se
transferiu para a capital da Baviera.
Guerra de civilizações
Em setembro de 2005 o Papa
Bento XVI – que doutorou-se em Teologia pela Universidade de Munique -
coordenou um seminário privado em sua residência de verão, em
Castelgandolfo, com religiosos e estudiosos do Islamismo. O encontro
gerou polêmica porque o jesuíta norte-americano Joseph Fessio, declarou,
em entrevista, meses depois, que o papa tinha dito que o Islamismo e a
modernidade (democracia) não eram conciliáveis. Imediatamente, dois
outros participantes do seminário se apressaram em desmentir a
afirmação, declarando que não foi bem isso que o Papa quis dizer.
Segundo estas fontes, o Papa havia considerado a conciliação do
Islamismo com a modernidade muito difícil, mas não impossível. É
importante lembrar que o atual Papa foi Arcebispo de Munique entre 1977
e 1981, e como tal fica difícil imaginar que não tenha tido contato com
a liderança da Fraternidade Muçulmana do Centro Islâmico ou que não
soubesse das atividades que lá ocorriam. Para o jornalista Spengler,
articulista político do Ásia Times, pode parecer estranho que o Papa
precise “sussurrar” quando demonstra concordância com a opinião dos
muçulmanos tradicionais de que a profecia do Corão é imutável e que não
pode ser reformada. Diante disso, Spengler deduz que estamos todos
caminhando para uma guerra de civilizações, já que o Islamismo é incapaz
de mudar.
Dois discursos
Para o subdiretor do
Instituto de Pesquisa de contraterrorismo de Washington, Lorenzo Vidini,
foi a partir de Munique que os muçulmanos conquistaram a Europa. O
modelo pioneiro implantado em Munique, com uma rede de mesquitas,
centros de apoio, grupos de estudos e organizações sociais espalharam-se
pelo continente. “Enquanto resguardados por quatro paredes eles
incitavam à guerra; para o mundo exterior o discurso era outro, com
retórica moderada, e dessa forma, a Fraternidade ganhou força e
aceitação política na Alemanha”. Hoje, o país tem 3,5 milhões de
muçulmanos e estatísticas dão conta que, anualmente, 800 alemães se
convertem ao Islamismo. Neste crescendo populacional também se inclui a
comunidade judaica que, surpreendentemente, já atinge a cifra de 100 mil
pessoas, constituindo-se a terceira maior da Europa. A queda do Muro de
Berlim, em 1989, e a derrocada da União Soviética, em 1991, estimularam
o êxodo.
Com as fronteiras abertas,
os judeus do Leste Europeu esqueceram a cautela e se instalaram na
Alemanha, com uma sem-cerimônia que tem provocado arrepios em muitos
historiadores e sobreviventes do Holocausto. Mas, não em todos. Um
exemplo é o professor israelense Menahem Ben-Sasson, ex-reitor da Hebrew
University e que dá aulas na Universidade de Munique. Especialista em
História Judaica da época medieval islâmica, ele participa do programa
promovido pela Allianz Group, uma das maiores seguradoras do mundo, com
sede em Munique. O projeto patrocina o “Curso de Estudos Islâmicos e
Judaicos”, alternando professores judeus e muçulmanos, a cada semestre.
Ben-Sassom conta que alguns colegas o criticaram quando ele resolveu
aceitar o convite. Entretanto, o professor diz que se sente bem à
vontade em seu trabalho e que, inclusive, usa a kipá normalmente quando
transita pelas ruas da cidade. Um avanço de tirar o chapéu, considerando
que há pouco mais de sessenta anos, ser judeu em Munique era dispor de
um passaporte para o inferno. Foi em seus arredores que funcionou o
primeiro campo de concentração da Alemanha – Dachau – onde os judeus e
outras minorias foram cobaias de abomináveis experiências ditas
científicas.
(28 de abril/2007)
CooJornal
no 526