Sheila Sacks
ASIMOV E OS VÍDEOS DA MORTE
Há quase cinco anos, um vídeo de pouco mais de três
minutos chocou o mundo. Suas imagens mostravam o correspondente
norte-americano Daniel Pearl, do Wall Street Journal,
inicialmente vivo, e depois, decapitado. A Internet e a TV foram os
veículos utilizados pelos terroristas para difundir a mensagem da
barbárie. O jornalista, de 38 anos, estava no Paquistão realizando uma
reportagem quando foi seqüestrado e, antes de ser executado, o obrigaram
a falar de suas raízes judaicas que motivaram a sentença. No vídeo, as
mãos que seguravam a cabeça decepada de Pearl eram do paquistanês
Khalid Sheik Mohammed (conhecido como KSM), o arquiteto dos ataques de
11 de setembro de 2001, e responsável pela produção e distribuição do
vídeo. Capturado e preso, em 2003, KSM era o homem-forte da Al Qaeda que
liderava as ações terroristas no Paquistão e no Kuwait, e partiu dele a
ordem de matar o jornalista.
Em maio de 2004, dois anos depois do assassinato de
Pearl, um outro vídeo de igual teor é exibido pela Internet. As imagens
mostram o técnico de comunicações Nicholas Berg, de 26 anos, sendo
obrigado a dizer os nomes de seus familiares – dos pais Michael e Susan
e dos irmãos David e Sarah - antes de ser degolado. Norte-americano de
origem judaica, Berg estava trabalhando em Bagdá quando foi raptado. As
pistas sobre a sua execução levaram ao terrorista nascido na Jordânia,
Abu Musab al-Zarqawi, comandante das ações da Al Qaeda no Iraque e morto
em junho deste ano.
Os grandes e o pequeno
A estratégia de utilizar gravações em vídeo para
difundir ameaças, execuções e ações de terror, tem sido empregada, há
mais de dez anos, pelo saudita Osama bin Laden, 49 anos, o chefe supremo
da organização terrorista Al Qaeda. Desde 1995 ele tem enviado dezenas
de mensagens gravadas – transmitidas preferencialmente pela Internet e a
TV árabe Al Jazeera - convocando os árabes a atacarem as forças
norte-americanas e os seus aliados, elogiando os bombardeios a alvos
ocidentais e incentivando os homens-bomba a realizarem mais atentados. O
modo de agir do terrorista mais procurado do mundo tem sido comparado,
por alguns especialistas, àquele desenvolvido por um personagem bastante
conhecido dos leitores de ficção científica (Sci-Fi). Trata-se do
matemático Hari Seldon, da trilogia conhecida como A Fundação,
escrita por Isaac Asimov.
Concebida entre os anos de 1940 e 1950, a série de
contos de Asimov - que depois se transformou na obra que é considerada
um marco na literatura de Sci-Fi - tem como cenário um futuro
distante (12.000), habitado por Seldon, que cria uma ciência chamada
psicohistória, capaz de prever os comportamentos coletivos e a
partir daí a queda do próprio Império Galáctico. Ele então despacha uma
expedição para um lugar remoto onde estabelece um núcleo – A Fundação
- do que seria o novo centro de poder. Face à força militar do Império,
Seldon também grava mensagens de vídeo para serem transmitidas aos seus
seguidores nos momentos críticos, mesmo depois de sua morte.
Em um trecho do livro, o matemático explica a
estratégia de luta da Fundação: “Tivemos de desenvolver técnicas
e métodos novos que o Império não pode imitar(...). Com todos os seus
escudos nucleares, gigantes o bastante para proteger uma nave, uma
cidade ou um planeta inteiro, nunca haviam sido capazes de criar algo
que pudesse proteger a um único indivíduo(...). Toda a guerra é uma
batalha entre esses dois sistemas, entre o Império e a Fundação,
entre os grandes e o pequeno”.
Modelo de estudo
Coincidentemente, o termo Al Qaeda significa “A
Base”, em árabe, que tem conotação semelhante à palavra Fundação,
na obra de Asimov. O sociólogo franco-iraniano Farhad Khosrokhavar,
diretor da Escola de Altos Estudos de
Ciências Sociais (EHESS), em Paris, e autor de vários trabalhos
sobre o terrorismo-suicida, dá a sua interpretação sobre o
significado do nome da organização: “Al Qaeda
significa a base de dados que foi posta em um sistema de
informática com os nomes dos que iam lutar contra os soviéticos, no
Afeganistão”. Para o sociólogo a motivação política dos atos
terroristas da Al Qaeda é bem maior do que a dimensão religiosa que
muitos acreditam existir. “Bin Laden conhece muito bem os EUA, jogou lá
na Bolsa de Valores e, durante muitos anos, colaborou com a CIA (Central
Intelligence Agency).
O número dois, Al-Zawairi, era
cirurgião e não um muçulmano tradicional. Também os que atacaram o World
Trade Center, em Nova York, 15 deles, de um total de 19, eram da Arábia
Saudita e da alta classe média. E os que são convocados para o trabalho
subalterno, estes são freqüentemente ocidentais, que viveram e muitas
vezes nasceram no Ocidente, como na França, Inglaterra ou mesmo nos EUA.
Não são árabes no sentido de terem nascido em um país árabe. A sua
educação foi no Ocidente.”
Um pesquisador que tem estudado as semelhanças
entre a Al Qaeda e A Fundação é o físico espanhol Juan José
Miralles Canals, professor da Universidade de Castilla-La Mancha, em
Toledo. Ele escreveu um extenso artigo publicado na revista de
informática Mundo Linux, intitulado Internet, Redes
Complexas, Guerras de Quarta Geração e Al Qaeda. De acordo com o
professor, o 11 de setembro formalizou o início da 4ª Guerra Mundial. “A
identificação da Al Qaeda com A Fundação oferece um modelo de
estudo sobre um projeto de poder para a conquista do planeta, a partir
de um núcleo inicialmente muito débil frente a uma força mais poderosa”,
registra Miralles.
Em surdina
Para o físico, alguns paralelismos entre as duas
organizações são bem aparentes: 1- A ação é global; 2- O objetivo é a
conquista do poder mundial: 3- A base física da organização fica em
lugar remoto; 4- A religião funciona como instrumento para alcançar os
objetivos; 5- A cada crise surge um vídeo com mensagens; 6- A Internet é
usada como uma rede condutora para alterar a percepção da realidade,
manipular a inteligência, incutir medo e provocar desastres. Sobre este
último item, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos já informou que
foram encontrados computadores no Afeganistão – provavelmente
relacionados com a Al Qaeda – com informações sobre interruptores
digitais utilizados para o controle de energia elétrica, água,
transporte e telecomunicações.
Segundo o diretor do Centro de Pesquisa de
Informação da França (CF2R), Eric Dénéce, “ hoje é mais difícil de se
penetrar nas estruturas da Al Qaeda do que no aparato soviético, à época
da Cortina de Ferro”. Especialista em Ciência Política e autor do
livro Al Qaeda: a nova rede de terror, Dénéce revela que Bin
Laden formou a organização de maneira reticular, imitando os princípios
da Internet, o que dá condições para melhor resistir aos ataques
exteriores. "A Al Qaeda não tem estrutura hierárquica, dispõe de menos
elementos financeiros do que imaginamos e limita-se a comunicação de
pessoas que estão sozinhas em um determinado momento. Os terroristas e
os hackers ( ciberpiratas) são recrutados pela
Internet para explodir alvos e provocar estragos nos sistemas”. Em sua
opinião, não há nada mais difícil do que lutar contra uma organização
com um modelo deste tipo.
É o que a genialidade de Isaac Asimov (1920 –1992)
já previa, há mais de cinqüenta anos. Ph.D em Bioquímica, Asimov nasceu
na Rússia, de uma família judaica, e chegou aos Estados Unidos aos três
anos. Aos 11 já escrevia as suas histórias e aos 15 entrou na
faculdade. Foi professor na Universidade de Boston e escreveu em torno
de 500 obras sobre diversos temas. Mas, foi na ficção científica que ele
conquistou a celebridade, inúmeros prêmios e milhões de leitores em todo
o mundo. E no caso específico de A Fundação, Asimov se superou
ao criar, de fato, duas Fundações: uma visível, que utilizava as
ciências da física e atacava o Império, e a outra oculta e misteriosa,
que trabalhava em surdina para exercer o domínio sobre as mentes de toda
a Galáxia.
(09 de dezembro/2006)
CooJornal
no 506