16/09/2024
Ano 24 - Nº 1.383





ARQUIVO
RONALDO WERNECK



 

Ronaldo Werneck



PAULO AUGUSTO: A FALTA QUE FAZ

Ronaldo Werneck - CooJornal


Belo Horizonte, 2011: lançamento de meu livro “Há Controvérsias 2” na Livraria Mineiriana. Enquanto autografo, Paulo Augusto solta uma daquelas risadas inesquecíveis. Ao lado, de preto, nosso saudoso amigo, o cineasta Geraldo Veloso.


“Nosso amigo Paulo Augusto morreu ainda há pouco“ – ouço ainda agora a voz do escritor e roteirista Mário Alves Coutinho, vinda lá de Belo Horizonte, no último 23 de julho. Era tarde da noite e ao ouvir o tom grave de sua voz ao telefone já imaginava o que ele ia me dizer. Paulo Augusto Gomes, meu querido cineasta, passou por vários problemas de saúde nos últimos tempos e estava morando há meses numa casa de repouso. Chegamos a nos telefonar algumas vezes. Sua voz estava meio claudicante, mas meu amigo mostrava-se lúcido e bem-humorado: como sempre, falamos de cinema, literatura e música, três de nossas paixões. Não pude ir a Belo Horizonte para vê-lo pela última vez. No dia seguinte ao funeral, consegui enviar meus sentimentos para sua filha Elena, que conheço só de nome, só de ouvir Paulo Augusto escrever em nossos muitos e-mails.

Paulo e eu nos conhecemos em Cataguases, quando da festa dos 70 anos do escritor Francisco Inácio Peixoto, em 1979. A amizade brotou de imediato. E não mais deixamos de nos falar, quer por infindáveis e-mails ou por encontros sempre que eu ia a Belo Horizonte, ou quando veio em 2021 para o lançamento de meu livro “Cataguases Século XX”, com belo texto de orelhas escrito por ele.

E nosso amigo em comum, o poeta Francisco Marcelo Cabral (O “Chico Cabral”, morto há exatos dez anos, em 20.08.2014 – e sobre quem acabo também de republicar aqui no blog um “texto-hommage”), era personagem sempre presente em nossa troca de e-mails, como nesse enviado por Paulo Augusto em 27.10.22: “Hoje, folheando "De Anchieta aos Concretistas", recolha de textos do grande Mário Faustino, na famosa seção "Poesia Experiência" do JB, dei com o nome do querido Chico Cabral em mais de uma página. Nos idos daqueles anos 50, devia ser mesmo um dos mais promissores poetas da nova geração brasileira”.

Na mesma hora, eu respondia: “De repente dou de cara com “De Anchieta aos Concretos”, edição referida por você, da Companhia das Letras. Havia me esquecido, a gente vai esquecendo vida afora. Não só não me lembrava como vejo agora que marquei várias passagens do livro, muita coisa quando ele se refere às minhas hoje saudosas amigas, Marly de Oliveira (que foi casada com o João Cabral e antes com meu amigo, o Embaixador Lauro Moreira) e Lélia Coelho Frota (que esteve aqui em Cataguases em 2003, junto com uma pá de poetas e amigos do Chico Cabral quando ele lançou o seu “Livro dos Poemas de Francisco Marcelo Cabral”).

Sobre Chico Cabral, vejam também aqui no meu blog a postagem que fiz quando dos três anos da morte do querido poeta – meu grande, imenso amigo: https://ronaldowerneck.blogspot.com/search?q=Chico+Cabral.

Nós dois nascemos e moramos na mesma rua em Cataguases e eu às vezes falava – brincando, mas meio a sério – que nem o melhor poeta da rua Dr. Sobral eu conseguira ser, pois havia ele. Pois bem, num email de 2013, um ano antes de sua morte, ao ver/ouvir/ouver meu vídeo-poema Duas Faces, ele me dizia: “Duas Faces me comoveu às lágrimas. O poeta tentando recapturar o poema na memória e vivendo uma luta de cuja vitória renuncia numa entrega emocionante. Embora saiba que Nino Rota é uma grande paixão, a repetição do tema de Amarcord acrescenta ao tema da memória e sua perda uma agonia e uma dor "perceptíveis ao tato". É um curta pronto para qualquer concurso. Você resolveu o enigma e é de fato o maior poeta da Rua Dr. Sobral. Beijos emocionados deste seu Chico Cabral”. Há Controvérsias, como sempre digo. Vejam a seguir o link para o vídeo-poema Duas Faces:
https://www.youtube.com/watch?v=vPBaj4Lah0w&t=11s

Voltando ao Paulo Augusto: foram mesmo inumeráveis os emais trocados entre nós ao longo dos anos. Como esse, que ele me enviou em 30.05.2023: “Muito surpreso fiquei com a morte de Carlos Alberto Prates Correia. Liguei para Ronaldo de Noronha, velho amigo dele, que ficou arrasado, também não sabia. Já Mário (Alves Coutinho) tinha recebido a notícia dois dias atrás, quando se deu a morte. Enfim, todos reagiram mais ou menos da mesma forma: a fila está andando. Mais hora, menos hora, chega a nossa vez”.

Dias depois, ao comentar sobre a morte de nosso amigo, o cineasta Carlos Alberto Prates, eu dizia que estava virando um habitué de obituários, tantos amigos que se foram, e pensava em publicar um livro sobre as mortes de amigos e pessoas de minha admiração, com o título Que falta fazem. Paulo Augusto terminava assim seu email: " Que falta fazem é um muito bom título, o perigo é virar um obituário de mão única. Buñuel dizia que anotava em um caderninho os nomes dos amigos que iam partindo, até que um dia foi surpreendido pela presença de alguém cujo nome havia erroneamente listado”.

Pois é, meu querido Paulo Augusto, “a fila está andando. Mais hora, menos hora chega a nossa vez”. Só não esperava que fosse tão cedo a sua vez. Ao contrário de Buñuel, e infelizmente, sua morte não foi anotada erroneamente em meu caderninho. Nada tem de ficção. Ela é dolorosamente real – e já faz mais de mês que bate forte a falta que você nos faz.

Em sua elegia quando da morte do poeta Sierguéi Iessiênin, escreveu o grande Maiakóvski, traduzido pelo não menos Augusto de Campos: “Difícil e inútil/ excogitar enigmas./ O povo,/ o inventa-línguas,/ perdeu/ o canoro/ contramestre de noitadas”. Com a morte de meu querido Paulo Augusto, nada mais de “cartearmos” (apud Rosário Fusco) por meio da “modernidade” de e-mails – nós que sempre fomos verdadeiros dinossauros pré-históricos, anteriores à informática. Na verdade, perdi meu afinado interlocutor eletrônico, o “canoro contramestre” de nossos papos mais que perfeitos. Ainda Maiakóvski: “Você partiu,/ como se diz,/ para o outro mundo/ Vácuo.../ Você sobe/ entremeado às estrelas/ Nem álcool, / nem moedas./ Sóbrio./ Voo sem fundo”.
 

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Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
Cataguases, MG



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