Ronaldo Werneck
PAULO AUGUSTO: A FALTA QUE FAZ |
|
Belo Horizonte, 2011: lançamento de meu livro “Há Controvérsias 2” na
Livraria Mineiriana. Enquanto autografo, Paulo Augusto solta uma daquelas
risadas inesquecíveis. Ao lado, de preto, nosso saudoso amigo, o cineasta
Geraldo Veloso.
“Nosso amigo Paulo Augusto morreu ainda há pouco“ –
ouço ainda agora a voz do escritor e roteirista Mário Alves Coutinho, vinda lá
de Belo Horizonte, no último 23 de julho. Era tarde da noite e ao ouvir o tom
grave de sua voz ao telefone já imaginava o que ele ia me dizer. Paulo Augusto
Gomes, meu querido cineasta, passou por vários problemas de saúde nos últimos
tempos e estava morando há meses numa casa de repouso. Chegamos a nos
telefonar algumas vezes. Sua voz estava meio claudicante, mas meu amigo
mostrava-se lúcido e bem-humorado: como sempre, falamos de cinema, literatura
e música, três de nossas paixões. Não pude ir a Belo Horizonte para vê-lo pela
última vez. No dia seguinte ao funeral, consegui enviar meus sentimentos para
sua filha Elena, que conheço só de nome, só de ouvir Paulo Augusto escrever em
nossos muitos e-mails.
Paulo e eu nos conhecemos em Cataguases, quando
da festa dos 70 anos do escritor Francisco Inácio Peixoto, em 1979. A amizade
brotou de imediato. E não mais deixamos de nos falar, quer por infindáveis
e-mails ou por encontros sempre que eu ia a Belo Horizonte, ou quando veio em
2021 para o lançamento de meu livro “Cataguases Século XX”, com belo texto de
orelhas escrito por ele.
E nosso amigo em comum, o poeta Francisco Marcelo
Cabral (O “Chico Cabral”, morto há exatos dez anos, em 20.08.2014 – e sobre
quem acabo também de republicar aqui no blog um “texto-hommage”), era
personagem sempre presente em nossa troca de e-mails, como nesse enviado por
Paulo Augusto em 27.10.22: “Hoje, folheando "De Anchieta aos Concretistas",
recolha de textos do grande Mário Faustino, na famosa seção "Poesia
Experiência" do JB, dei com o nome do querido Chico Cabral em mais de uma
página. Nos idos daqueles anos 50, devia ser mesmo um dos mais promissores
poetas da nova geração brasileira”.
Na mesma hora, eu respondia: “De
repente dou de cara com “De Anchieta aos Concretos”, edição referida por você,
da Companhia das Letras. Havia me esquecido, a gente vai esquecendo vida
afora. Não só não me lembrava como vejo agora que marquei várias passagens do
livro, muita coisa quando ele se refere às minhas hoje saudosas amigas, Marly
de Oliveira (que foi casada com o João Cabral e antes com meu amigo, o
Embaixador Lauro Moreira) e Lélia Coelho Frota (que esteve aqui em Cataguases
em 2003, junto com uma pá de poetas e amigos do Chico Cabral quando ele lançou
o seu “Livro dos Poemas de Francisco Marcelo Cabral”).
Sobre Chico
Cabral, vejam também aqui no meu blog a postagem que fiz quando dos três anos
da morte do querido poeta – meu grande, imenso amigo:
https://ronaldowerneck.blogspot.com/search?q=Chico+Cabral.
Nós dois
nascemos e moramos na mesma rua em Cataguases e eu às vezes falava –
brincando, mas meio a sério – que nem o melhor poeta da rua Dr. Sobral eu
conseguira ser, pois havia ele. Pois bem, num email de 2013, um ano antes de
sua morte, ao ver/ouvir/ouver meu vídeo-poema Duas Faces, ele me dizia: “Duas
Faces me comoveu às lágrimas. O poeta tentando recapturar o poema na memória e
vivendo uma luta de cuja vitória renuncia numa entrega emocionante. Embora
saiba que Nino Rota é uma grande paixão, a repetição do tema de Amarcord
acrescenta ao tema da memória e sua perda uma agonia e uma dor "perceptíveis
ao tato". É um curta pronto para qualquer concurso. Você resolveu o enigma e é
de fato o maior poeta da Rua Dr. Sobral. Beijos emocionados deste seu Chico
Cabral”. Há Controvérsias, como sempre digo. Vejam a seguir o link para o
vídeo-poema Duas Faces: https://www.youtube.com/watch?v=vPBaj4Lah0w&t=11s
Voltando ao Paulo
Augusto: foram mesmo inumeráveis os emais trocados entre nós ao longo dos
anos. Como esse, que ele me enviou em 30.05.2023: “Muito surpreso fiquei com a
morte de Carlos Alberto Prates Correia. Liguei para Ronaldo de Noronha, velho
amigo dele, que ficou arrasado, também não sabia. Já Mário (Alves Coutinho)
tinha recebido a notícia dois dias atrás, quando se deu a morte. Enfim, todos
reagiram mais ou menos da mesma forma: a fila está andando. Mais hora, menos
hora, chega a nossa vez”.
Dias depois, ao comentar sobre a morte de
nosso amigo, o cineasta Carlos Alberto Prates, eu dizia que estava virando um
habitué de obituários, tantos amigos que se foram, e pensava em publicar um
livro sobre as mortes de amigos e pessoas de minha admiração, com o título Que
falta fazem. Paulo Augusto terminava assim seu email: " Que falta fazem é um
muito bom título, o perigo é virar um obituário de mão única. Buñuel dizia que
anotava em um caderninho os nomes dos amigos que iam partindo, até que um dia
foi surpreendido pela presença de alguém cujo nome havia erroneamente
listado”.
Pois é, meu querido Paulo Augusto, “a fila está andando. Mais
hora, menos hora chega a nossa vez”. Só não esperava que fosse tão cedo a sua
vez. Ao contrário de Buñuel, e infelizmente, sua morte não foi anotada
erroneamente em meu caderninho. Nada tem de ficção. Ela é dolorosamente real –
e já faz mais de mês que bate forte a falta que você nos faz.
Em sua
elegia quando da morte do poeta Sierguéi Iessiênin, escreveu o grande
Maiakóvski, traduzido pelo não menos Augusto de Campos: “Difícil e inútil/
excogitar enigmas./ O povo,/ o inventa-línguas,/ perdeu/ o canoro/
contramestre de noitadas”. Com a morte de meu querido Paulo Augusto, nada mais
de “cartearmos” (apud Rosário Fusco) por meio da “modernidade” de e-mails –
nós que sempre fomos verdadeiros dinossauros pré-históricos, anteriores à
informática. Na verdade, perdi meu afinado interlocutor eletrônico, o “canoro
contramestre” de nossos papos mais que perfeitos. Ainda Maiakóvski: “Você
partiu,/ como se diz,/ para o outro mundo/ Vácuo.../ Você sobe/ entremeado às
estrelas/ Nem álcool, / nem moedas./ Sóbrio./ Voo sem fundo”.
- Comentários sobre o texto podem ser enviados, diretamente, ao
autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
Cataguases,
MG
Direitos Reservados É proibida
a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou
impresso, sem autorização do autor.
|