Ronaldo Werneck
Affonso Romano sobre RW: O mundo é macio e perigoso |
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O cineasta “gaúcho-carioca” Murillo Azevedo, está iniciando as filmagens de um
documentário sobre minha trajetória de 80 anos de vida e mais de 60 de
literatura. Velho amigo de meus tempos de Rio de Janeiro, Murillo esteve
comigo aqui em Cataguases no último fim de semana. Pesquisador cuidadoso, ele
acaba de encontrar uma “preciosidade” que eu desconhecia: um artigo de Affonso
Romano de SantAnna sobre meu primeiro livro, “Selva Selvaggia”, lançado no Rio
em maio de 1976. Lá se vão 48 anos. Na época, “Selva Selvaggia” foi muito bem
recebido pela critica e mereceu resenhas em vários veículos: Folha de S.Paulo,
Globo, Jornal do Brasil, Revista Colóquio Letras (Lisboa), Pasquim & etc. Mas
só agora, graças ao Murillo, leio pela primeira vez o texto de meu amigo
Affonso, publicado pela Veja.
" Neste cinepoema, a poesia vive uma
odisseia no espaço. “Selva Selvaggia” não é o título de mais um livro de
poesias, mas sim o nome de um cine-poema. O roteirista e diretor extraiu o
argumento desta edição de fatos vivenciados por ele mesmo no eixo
Minas-Bahia-Rio, entre 1962-1975, e de “outros lidos, vistos, consumidos –
pelo telstar, pela tv, pelo cinematógrafo”.
Para Glauber Rocha, um
filme não é arquitetura de efeitos, mas expressão visual de problemas. Talvez
esteja nestas palavras de Glauber a explicação para a proposta poética de
Ronaldo, que sem dúvida alguma suou e sofreu para compor seu poema – “na rua,
na cama, no teclado da máquina, subitamente dentro de um cinema”. Com uma
primeira montagem de “Selva Selvaggia” (com 66 takes de certa forma mantidos
ou reestruturados nesta montagem atual), o autor foi premiado em 1970 pela
União Brasileira de Escritores.
Teve outras premiações – na primeira
promoção de poesia na Guanabara, no primeiro e segundo festival de poesia de
Pirapora (neste último recebeu o prêmio “Carlos Drummond de Andrade”). Ronaldo
Werneck é um poeta “amadurecido” em barris de carvalho. Seu poema é uma dose
dupla de batida de limão misturada com muitos copos de cerveja, duas vodcas e
vários uísques.
A quem brinda? A Oswald de Andrade, Fellini, Mallarmé,
Jorge de Lima, Mário Faustino, João Cabral, Maiakóvski, Camões, e.e. cummings
e muitos outros. O que brinda o poeta? A palavra e o homem. Em “Selva
Selvaggia”, o leitor-espectador encontrará dez sequências, e a primeira abre a
cena com o poeta refletindo sobre seu ofício: procurando estruturar os
elementos necessários para a cine-viagem, através das palavras, imagens,
espaços em branco.
Vejamos o poema “Três haicais à la carte”: 1) os
brancos impressos/ entre as letras são tetas/ leite submerso. 2) pedra sal e
sonho/ apreender com o corpo/ sol cotidiano. 3) do amor não a/ prendeu a
tonalidade/ar e amar´elo”.
Notam-se influências joycenas – pelas
associações sonoras – e de cummings – pela desintegração das palavras.
Infelizmente não posso reproduzir aqui os melhores exemplos de total
libertação, como acontece nos poemas “Telstar”, “2001 – o espaço poético”,
“Canção da espera”, “Réu´p”, Full-time”, “Pranto-socorro” e outros em que as
palavras se agrupam coerentemente e se estruturam formando mosaicos visuais e
fragmentos sonoros.
O poeta encerra a sequência cinco com o
poema-processo “Pop/lar” – um poema eletrodoméstico social, em que aparece uma
página de jornal anunciando uma liquidação de geladeiras, aparelhos de tv,
liquidificadores, fogões, bicicletas, enceradeiras. Na mesma página, a notícia
– “O mundo é macio e perigoso” – é o título do poema-texto, que tem como
ilustrações fotografias de pessoas rindo e correndo de felicidade. Neste
poema-texto Ronaldo mostra em versos como vê a realidade social deste mundo
macio e perigoso. – “Uma canção de espera/ uma canção de esperança/ ancião/
ânsia/ canção/ anunciação/ retribuição/ risos/ grunhidos/ febre/ vômito/ de
esperança/ é o mundo/ que te anuncio”.
Num total de 86 poemas, “Selva
Selvaggia” é um desabafo de seu autor, refletido em uma boa dose de
sentimentalismo poético, misturado com muita poesia concreta e alguns
poemas-processo."
Affonso Romano de Santana Revista Veja, São
Paulo, maio de 1976
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
roneck@ronaldowerneck.com.br
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