Ronaldo Werneck
CARLINHOS LYRA & A TAL DA MPBUC |
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Teatro Opinião, Rio, 1971. Carlos Lyra termina seu show e abre para debate.
Para minha surpresa, sou iluminado por um spot enquanto ouço a voz de
Carlinhos: “Está conosco esta noite o poeta e jornalista Ronaldo Werneck.
Começo com ele. Então, Ronaldo, como é essa história de os poetas serem as
antenas da raça? E os compositores, também são?”. Não esperava por essa e não
me lembro mais o que respondi. Antes do show, estivera com Carlinhos no
camarim e ele agradeceu minha presença: “Acho que você vai gostar”.
Nós
ficáramos amigos desde que eu fiz longa entrevista com ele naquele ano, quando
voltou do exílio nos EUA e no México. Entrevista destinada a uma também longa
matéria que escrevi para a Revista Vozes – quando entrevistei uma série de
poetas e compositores sobre poesia e música popular brasileira: poemas,
poetas, letristas e canções. Num de nossos papos a partir de então (nós nos
encontramos várias vezes nesse período) eu falei pra ele a máxima de Ezra
Pound, que ele adorou: “Os poetas são as antenas da raça”, no sentido de
anteciparem o futuro com seus poemas. Daí a provocação de Carlinhos durante o
debate.
No ano seguinte, já como sub-editor do caderno de Cultura da Última
Hora (a UH-Revista), eu o entrevistei quando dos ensaios do show que iria
fazer no Number One, a boate do Rio então na moda (vejam entrevista completa
no link a seguir). Foi quando Carlinhos surgiu como a ideia da tal MPBUC
(“Música Popular Brasileira Urbana e Culta”). Ali ele me disse também uma
coisa que, de certo modo, ia de encontro à máxima poundiana: “Acredito que
evoluir artisticamente seria romper não com a mediocridade, mas com a
qualidade (inclusive a sua própria), para dar origem a novos produtos. Não
visando o passado ou o futuro, mas o seu próprio tempo”.
Na verdade,
Carlinhos pensava sempre, e com grande sagacidade, sobre os destinos da musica
popular brasileira, que para ele era também o samba de Cartola, Elton
Medeiros, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti. Esses magistrais compositores “do
morro”, que ele ”aplicou” e muito bem em Nara Leão. Voltado para os temais
sociais, ele foi um dos fundadores do CPC, o Centro Popular de Cultura da UNE,
a União Nacional dos Estudantes, e compôs com Francisco de Assis, a sátira “O
subdesenvolvido”, além do “Hino da UNE”, com Vinicius de Moraes.
Para Tom
Jobim, Carlinhos era “o maior melodista do Brasil”. E dizia ainda: “Lyrista e
Lyricista, romântico de derramada ternura, nunca piegas, lacrimoso,
açucarado”. E Vinicius de Moraes – com quem fez grandes standards da bossa
nova, como “Você e eu”, “Minha Namorada”, “Primavera” – o homenageava no
“Samba da Bênção” (com Baden Powell): “A bênção, Carlinhos Lyra, parceirinho
cem por cento, você que une ação ao pensamento e ao sentimento”. Carlinhos me
disse várias vezes que adorava e se sentia honradíssimo com essa homenagem de
seu grande parceiro Vinicius.
Bossa nova. E por falar nela, em 1988, quando
se completavam 30 anos do disco inaugural daquilo que ficou depois conhecido
como bossa nova – aquele extraordinário “Canção do amor demais” de Elizeth
Cardoso, com canções de Tom e Vinicius e o luxuoso acompanhamento de João
Gilberto, – nós começamos a elaborar o projeto de um show a ser trazido aqui a
Cataguases, terra de um dos precursores do movimento, o grande Lúcio Alves.
Nesse “nós” aí, leia-se a produtora Mônica Botelho, o poeta e também produtor
Francisco Marcelo Cabral, o saudoso jornalista Roberto M. Moura mais eu, que
cheguei a fazer contato com o Lúcio, a cantora Leni Andrade e também com o
Carlinhos Lyra, que se entusiasmou com a ideia. Pena que após algumas reuniões
no apartamento do Francisco Marcelo Cabral no Rio, o projeto não foi à frente.
Mas Carlinhos Lyra sempre me ligava perguntando como ia aquele projeto em
homenagem à bossa nova que aconteceria em Cataguases. Numa dessas, convidou-me
a acompanhá-lo num show que faria para estudantes do município de Caxias, no
Grande Rio: “a prefeitura de lá vai mandar um carro me pegar, e podemos ir
juntos”. Agradeci, pois eu iria no meu carro, e levando comigo meu saudoso
amigo, o baterista Afonsinho Vieira. Foi um belo show, com Carlinhos à
vontade, repassando grande parte de sua trajetória musical para os estudantes,
que participaram ativamente do debate que se seguiu. Na volta, Carlinhos
dispensou o carro da prefeitura e veio conosco no meu velho Opala. Foi um
animado “papo musical” entre nós três no longo trajeto Caxias-Lagoa Rodrigo de
Freitas, onde ele morava na época com sua mulher Kate Lyra.
Ah, Kate Lyra!
A modelo norte-americana foi casada com Carlinhos Lyra entre 1969 e 2004 e
ficou famosa na tv com o bordão “Brasileiro é tão bonzinho!”. Ela estreia no
cinema como atriz em “Um Edifício Chamado 200” (1973) – filme que mencionei
aqui quando falei do Wagner Tiso –, e logo depois em “Banana Mecânica” (1974),
do meu amigo Braz Chediak. Nos anos 1980 fez vários filmes com Walter Hugo
Khoury e dirigiu o curta-metragem “Círculo”, com música de Carlos Lyra, que
fez grande sucesso no Festival de Gramado.
Pois é, a Kate Lyra. Em 1971, eu
editava o jornal News-Lagoa e minha primeira mulher, a jornalista Adriana
Montheiro, assinava uma coluna focada principalmente em temas feministas. Foi
quando, por intermédio de Carlinhos, Kate se aproximou da Adriana e passou a
colaborar com a coluna dela, feminista que também era. Um dia, tocam e a
campainha e abro a porta para uma sempre deslumbrante Kate Lyra, que vinha
entregar o seu artigo. Adriana não estava em casa e eu não sabia o que fazer,
se oferecia um café, um uísque, um calmante, um excitante ou um bocado de gin.
Pois é, “brasileiro é tão bonzinho!”. Depois, ela voltou a aparecer algumas
vezes no nosso apartamento do Leme. Mas já era, digamos, “de casa”.
Voltando ao Carlinhos, pois a lembrança da Kate me “obnubilou” de vez. Num
domingo qualquer do final do século passado, eu andava pela Feira Hippie de
Ipanema quando alguém bate às minhas costas: “Além de antenas da raça, os
poetas também circulam pela Feira Hippie?”. A voz era de Carlinhos Lyra, que
estava acompanhado de sua produtora e atual mulher, Magda Botafogo. E que logo
me convidou a ir ao Metropolitan, onde estava fazendo show em homenagem a
Vinicius, junto com Baden Powell, Toquinho e... não é que me esqueci o nome
dela? Não é a Miúcha não. A Miúcha foi em outro show deles, de 1989, por aí.
Levei o Afonsinho a tiracolo. Um show para não se esquecer.
No final,
Afonsinho e eu fomos ao camarim. Enquanto Afonsinho conversava com Toquinho,
com quem havia tocado em seus tempos de Itália & Chico Buarque, eu fiquei
papeando com Baden (com quem não me encontrava há alguns anos) e Carlinhos
Lyra. Longo papo pra nunca mais. Nunca mais mesmo. Baden Powell (Varre-e-Sai,
06 de agosto de 1937; Rio, 26 de setembro de 2000) morreria pouco depois e
Carlinhos Lyra (Rio, 11 de maio de 1933; Rio, 16 de dezembro de 2023) acaba de
nos deixar agora no último sábado, aos 90 anos, Pois é, Carlinhos, “Acabou o
nosso carnaval/ E no entanto é preciso cantar / Mais que nunca é preciso
cantar/ É preciso cantar e alegrar a cidade”.
Vejam em meu blog, link a
seguir a entrevista que fiz com Carlinhos Lyra em 14.04.72.
https://ronaldowerneck.blogspot.com/2023/12/carlos-lyra-no-number-one.html?fbclid=IwAR3JXrfzLsLdB4vhslHQdyUSLuqSfLL4eHCgiPN3YgXfxMcqs3tD-LIqyt0
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