16/03/2021
16/08/2023
Ano 26
Número 1.330



 


ARQUIVO
RONALDO WERNECK

 

Ronaldo Werneck




RONALD BIGGS & O POEMA DAS DUAS DINAMARQUESAS

Ronaldo Werneck - CooJornal

Avenida Prado Jr, Copacabana, uma noite qualquer de 1970: “Acorda, Ronaldo! Tem apartamento pegando fogo! Parece que é o daquele senhor do 602!. Ouço ainda agora a voz da vizinha. Desço meio dormindo e atravessamos a calçada, parando na porta do Cervantes: nosso prédio era em frente ao famoso restaurante. Logo chegam os bombeiros, que apagam o fogo, tanto o do apartamento quanto o daquele senhor, que dormira na poltrona com o cigarro aceso. Só fora acordado quando os bombeiros arrombaram a porta e o sacudiram. Ele surge agora na porta do prédio, ileso do fogaréu, meio trôpego, sem entender o que estava acontecendo. Só soube mais tarde que “aquele senhor” com quem às vezes cruzava no elevador era Ronald Biggs, o famoso assaltante do trem londrino.

Vinte anos depois, quem diria!, Biggs e eu ficaríamos amigos – a ponto de nos tratarmos por “xará”–, pois minha filha Ulla estava namorando seu filho Mike (ex-Balão Mágico). Às vezes ia à sua casa em Santa Teresa. Ronald era muito bem-humorado e nosso papo era sempre muito bom. Fora isso, lá havia uma mesa de sinuca – um de meus vícios, do rol dos confessáveis – e às vezes disputávamos “partidas emocionantes”, pelo menos pra nós. Mais tarde, ele me presenteou com seu livro “Odd man out”, qualquer coisa, como “Estranho no ninho” – onde fala do “grande roubo do trem”, da prisão e de sua vida já solto, depois da fuga rocambolesca. Nada de estranho no ninho: já se adaptara ao Brasil como nunca. Na dedicatória, de 1995, Biggs me chama de xará (“sharrá”, em seu portenglish) e me deseja boa sorte. Thanks!

Corta para CCBB/Rio, 16 de agosto de 1991. Era um domingo e eu estava de plantão. Aproveitava para fazer algumas imagens de uma grande exposição sobre a vida e as obras de Hans Christian Andersen, que ocupava todo o espaço do segundo andar. Foi quando apareceram duas moças altíssimas, louríssimas & outros íssimas de que não me lembro mais: belíssimas, quem sabe? Nós nos comunicamos num “frenchenglish” capenga de minha parte, daqueles de “moi or mine: Oui, Yes I do!”. Estudantes de férias, as duas faziam um giro pela América Latina quando viram o anúncio da exposição do grande poeta e escritor de sua terra. Sim, eram dinamarquesas.

Eu havia marcado uma gravação com a atriz Bete Mendes, no camarim do Teatro II, onde ela estava se preparando para o ensaio da peça ”Ária de Serviço”, de meu amigo Victor Giudice. Levei comigo as dinamarquesas. Depois, já no palco, uma entrevista com o diretor Marco Antonio Braz e o próprio Victor. As dinamarquesas assistindo tudo na primeira fila. O que estariam elas entendendo? Só Hans Christian Andersen, ou sua “Pequena Sereia”, poderiam saber.

Já dera dez da noite, meu plantão “acabara de acabar”. Lembrei que era aniversário do Mike, e havia dito pra Ulla que daria uma passada por lá. Eu e o Bruno Alvarez, meu cameraman, subimos pra Santa Teresa, pra casa de Ronald Biggs. As duas dinamarquesas? Claro, subiram conosco. Lá, fiquei jogando sinuca com o Bruce, amigo de Biggs – e nada menos que o mentor do famigerado assalto ao trem londrino. Enquanto Bruno nos filmava, Ronald botou um capacete alemão da Segunda Guerra (de onde ele tirou isso?) e ficou acompanhando o jogo, dando piruadas: “taca nessa bola! Taca naquela!”.

Depois, Ronald virou-se para as dinamarquesas e começaram um animado papo. Saímos de lá tarde da noite, as duas fascinadas por terem conhecido Biggs: “Ninguém vai acreditar quando contarmos isso em Copenhagen. Foi a melhor coisa de nossa viagem!”. Deixei as duas num hotel em Copacabana, perto de meu apartamento.

Semana seguinte, encontrei-me com as duas várias vezes. Elas iam lá pra casa, ficávamos ouvindo música – João Gilberto, que as duas adoraram, essas coisas. Acabou que comecei a esboçar um poema de circunstância, enquanto elas traduziam minhas palavras e desenhavam e desenhavam. Dias depois, partiram rumo à Dinamarca. Ficamos de nos corresponder, fiquei de mandar o poema quando estivesse pronto.

Qual o quê! Nunca mais vi minhas dinamarquesas, nunca mais Eva ou Ann-Sofie. Pena. Pena também que o vídeo com as imagens feitas pelo Bruno, tanto no CCBB, quando na casa de Ronald Biggs, acabou se perdendo. Salvou-se o poema de Eva & Ann-Sofie, que pode ser lido agora no meu blog, link a seguir.

https://ronaldowerneck.blogspot.com/2023/07/blog-post.html
Link para o poema: https://www.ronaldowerneck.com.br/antigo/noradio_natv.htm 



Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG

https://ronaldowerneck.blogspot.com/



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