Ronaldo Werneck
RONALD BIGGS & O POEMA DAS DUAS DINAMARQUESAS
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Avenida Prado Jr, Copacabana, uma noite qualquer de 1970: “Acorda, Ronaldo!
Tem apartamento pegando fogo! Parece que é o daquele senhor do 602!. Ouço
ainda agora a voz da vizinha. Desço meio dormindo e atravessamos a calçada,
parando na porta do Cervantes: nosso prédio era em frente ao famoso
restaurante. Logo chegam os bombeiros, que apagam o fogo, tanto o do
apartamento quanto o daquele senhor, que dormira na poltrona com o cigarro
aceso. Só fora acordado quando os bombeiros arrombaram a porta e o sacudiram.
Ele surge agora na porta do prédio, ileso do fogaréu, meio trôpego, sem
entender o que estava acontecendo. Só soube mais tarde que “aquele senhor” com
quem às vezes cruzava no elevador era Ronald Biggs, o famoso assaltante do
trem londrino.
Vinte anos depois, quem diria!, Biggs e eu ficaríamos amigos
– a ponto de nos tratarmos por “xará”–, pois minha filha Ulla estava namorando
seu filho Mike (ex-Balão Mágico). Às vezes ia à sua casa em Santa Teresa.
Ronald era muito bem-humorado e nosso papo era sempre muito bom. Fora isso, lá
havia uma mesa de sinuca – um de meus vícios, do rol dos confessáveis – e às
vezes disputávamos “partidas emocionantes”, pelo menos pra nós. Mais tarde,
ele me presenteou com seu livro “Odd man out”, qualquer coisa, como “Estranho
no ninho” – onde fala do “grande roubo do trem”, da prisão e de sua vida já
solto, depois da fuga rocambolesca. Nada de estranho no ninho: já se adaptara
ao Brasil como nunca. Na dedicatória, de 1995, Biggs me chama de xará
(“sharrá”, em seu portenglish) e me deseja boa sorte. Thanks!
Corta para
CCBB/Rio, 16 de agosto de 1991. Era um domingo e eu estava de plantão.
Aproveitava para fazer algumas imagens de uma grande exposição sobre a vida e
as obras de Hans Christian Andersen, que ocupava todo o espaço do segundo
andar. Foi quando apareceram duas moças altíssimas, louríssimas & outros
íssimas de que não me lembro mais: belíssimas, quem sabe? Nós nos comunicamos
num “frenchenglish” capenga de minha parte, daqueles de “moi or mine: Oui, Yes
I do!”. Estudantes de férias, as duas faziam um giro pela América Latina
quando viram o anúncio da exposição do grande poeta e escritor de sua terra.
Sim, eram dinamarquesas.
Eu havia marcado uma gravação com a atriz Bete
Mendes, no camarim do Teatro II, onde ela estava se preparando para o ensaio
da peça ”Ária de Serviço”, de meu amigo Victor Giudice. Levei comigo as
dinamarquesas. Depois, já no palco, uma entrevista com o diretor Marco Antonio
Braz e o próprio Victor. As dinamarquesas assistindo tudo na primeira fila. O
que estariam elas entendendo? Só Hans Christian Andersen, ou sua “Pequena
Sereia”, poderiam saber.
Já dera dez da noite, meu plantão “acabara de
acabar”. Lembrei que era aniversário do Mike, e havia dito pra Ulla que daria
uma passada por lá. Eu e o Bruno Alvarez, meu cameraman, subimos pra Santa
Teresa, pra casa de Ronald Biggs. As duas dinamarquesas? Claro, subiram
conosco. Lá, fiquei jogando sinuca com o Bruce, amigo de Biggs – e nada menos
que o mentor do famigerado assalto ao trem londrino. Enquanto Bruno nos
filmava, Ronald botou um capacete alemão da Segunda Guerra (de onde ele tirou
isso?) e ficou acompanhando o jogo, dando piruadas: “taca nessa bola! Taca
naquela!”.
Depois, Ronald virou-se para as dinamarquesas e começaram um
animado papo. Saímos de lá tarde da noite, as duas fascinadas por terem
conhecido Biggs: “Ninguém vai acreditar quando contarmos isso em Copenhagen.
Foi a melhor coisa de nossa viagem!”. Deixei as duas num hotel em Copacabana,
perto de meu apartamento.
Semana seguinte, encontrei-me com as duas várias
vezes. Elas iam lá pra casa, ficávamos ouvindo música – João Gilberto, que as
duas adoraram, essas coisas. Acabou que comecei a esboçar um poema de
circunstância, enquanto elas traduziam minhas palavras e desenhavam e
desenhavam. Dias depois, partiram rumo à Dinamarca. Ficamos de nos
corresponder, fiquei de mandar o poema quando estivesse pronto.
Qual o quê!
Nunca mais vi minhas dinamarquesas, nunca mais Eva ou Ann-Sofie. Pena. Pena
também que o vídeo com as imagens feitas pelo Bruno, tanto no CCBB, quando na
casa de Ronald Biggs, acabou se perdendo. Salvou-se o poema de Eva &
Ann-Sofie, que pode ser lido agora no meu blog, link a seguir.
https://ronaldowerneck.blogspot.com/2023/07/blog-post.html Link para o poema:
https://www.ronaldowerneck.com.br/antigo/noradio_natv.htm
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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