16/03/2021
01/11/2022
Ano 25
Número 1.294



 


ARQUIVO
RONALDO WERNECK

 

Ronaldo Werneck




Vamos agilizar, Catita?

Ronaldo Werneck - CooJornal

Chama-se Catita e é o maior barato. Uma jumenta pra menino nenhum botar defeito, como vocês veem aí na foto, batida pela Soninha exatamente na hora em que a Catita fazia seu cooper matinal pelas ruas de Cataguases. Uma jumenta moderna merece foto moderna. Vamos dizer assim, uma foto auto-revers. Sônia Vieira é, definitivamente, uma fotógrafa pós-moderna, pois a própria foto já “revela seu filme” como se lê no muro das lamentações municipais.

Acontece que o Dominguinhos, filho do Fogão (como diz minha amiga Zoraide, “votei no Bujão, pois esqueci o nome dele na Hora H”, quer dizer, na Hora F, de Fogão & outros floreios menos amenos. Aliás, “menos a menos” é sempre mais – e fecho logo o parênteses: zás-trás!), pois é, filho do Fogão, eu dizia e repito, antes que este parênteses funda a cuca de vocês. Pois bem, acontece que o Dominguinhos que, como vocês já sabem, é filho do Fogão, pois o Dominguinhos, aquele, passeava com sua jumentinha Catita quando deparou com este poeta altaneiro, irmão de D. Pedro II (poeta moderno não rima jamais. Exemplo: “ó que governo fecundo/ o de D. Pedro I”). Iniciei imediatamente negociação com o Dominguinhos, vocês já sabem, aquele filho do Fogão. Pois acreditava que o Pablo, agora, sim, o Pablo, filho deste que vos fala, fosse adorar ser dono de uma jumentinha das mais galantes. Ou não?

Meu Deus, como estou entendendo mal de infância. Compro a Catita, levo a dita pra rodoviária de madrugada, esperando Pablo e Soninha chegarem do Rio. O ônibus se atrasa, resolvo levar Catita pra tomar um “drinque fino” no bar do meu amigo Quinn. Deixo nossa amiga amarrada na pracinha do coreto, o próprio charme dentro da madrugada. Volto pra rodoviária, apanho Pablo e Soninha. Retorno ao bar do Quinn pra armar a surpresa. Qual o quê. Pablo simplesmente esnobou a jumenta: “Pô, pai, eu queria mesmo um pônei, essa jumentinha é ridícula, vou ficar com vergonha de meus amigos”.

Nada adiantou eu me encarapitar no lombo da Catita, o próprio John Wayne da madrugada, debaixo das risadas do Quinn, da Soninha, de dois ou três bêbados e até do Tuíte, meu artista plástico predileto entre os de Miraí, que dizia com sua fala mansa, tipo hippie década de 60: “o Ronaldo tem uma aura mística. De madrugada em cima da jumentinha ele tá parecendo São José”. Pois é: acredite quem quiser.

No outro dia, Catita fugiu pro pasto do Tomé. Segundo Dominguinhos, é lá que seu namorado pasta. Ponto. “Seu namorada pasta” é uma frase ecológica, qualquer coisa como Washington Magalhães, que está aqui do meu lado na redação, fumando cachimbo dentro de uma camisa verde da Cantão. Depois do namoro, Catita voltou pra rua Dr. Sobral onde foi descoberta por Ulla, esta sim, uma adolescente que sabe das coisas, pois achou o maior barato ser dona de uma jumentinha em plena Cataguases dos anos 80: “Papai, eu e Catita vamos arrasar em Cataguases, seremos irresistíveis pra qualquer namorado”. Realmente, Ulla no lombo da Catita fica caindo de charme. Irresistível. Mas, vamos “agilizar”, como diz a Ulla, que está na fase pós-infância, quando o mundo gira muito rápido e, às vezes, ao contrário.

Vamos agilizar que o Luiz Linhares está também aqui do meu lado, esperando carona pra Astolfo Dutra City, o Washington já pegou sua flauta transversa e Paulinha olha absorta pro tempo que não passa nunca em Cataguases, enquanto o Marcos Spínola programa tudo gráfica e visualmente. François chega dizendo que já são onze e meia da manhã de 7 de dezembro de 1988, o day after do aniversário do Seu Hisbelo, que fez oitenta e um anos ainda ontem. Meu Deus, as pessoas em Cataguases, inclusive o papai, ainda passam dos oitenta anos. Não, não vamos agilizar droga nenhuma, Ulla. Vamos viver calma e pachorrentamente até o fim. Que nem a Catita.

Bubbaloo 9
Jornal Cataguases/ 11.12.88

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Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG

https://ronaldowerneck.blogspot.com/



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