16/03/2021
01/06/2022
Ano 25
Número 1.274



 


ARQUIVO
RONALDO WERNECK

 

Ronaldo Werneck




Respiro pra te amar

Ronaldo Werneck - CooJornal


Existem buracos e buracos. Esta é uma frase “pré-histórica”, que não quer dizer absolutamente nada. Mas com tudo segundo os conformes – sujeito, predicado, complemento –, lógica e sintaticamente perfeita, como diria o Gradim, a quem devo o meu português e principalmente uma visita. Eu e toda Cataguases.

Pois foi exatamente deste buraco que vocês veem na foto que o vosso Bubbaloo Man saltou de novo e mais uma vez para a vida. Pois é, “nóis semos imbatíveis”. Um buraco é mais que uma rachadura, por maior que esteja. Maior mesmo que as maiores rachaduras. Tão grande como aquela mencionada por um dos nossos candidatos em recente comício, quando, referindo-se a uma fissura (“fissura” é demais, não acham?) provocada em uma casa operária (segundo ele, por “obras da prefeitura”), saiu o postulante à vereança com essa preciosidade: “a rachadura da velha era tão grande que cabia um capado inteiro”. Coisa de gênio municipal.

Como dizia a grande Maysa Matarazzo, “não sei se me explico bem/ eu nada pedi/ nem a você/ nem a ninguém/ não fui quem caí”. Pois é, pessoal, meu mundo quase caiu. Não fora uma píccola marretinha de um operário de obra e estaríamos – eu e mais um número incontável de colegas da Cacex – devidamente despachados desta para pior, se é que isso é possível.

Foi assim: Lílian, uma das redatoras da Revista Cacex, entrou na minha sala gritando: “vam’embora, Ronaldo, incêndio!”. Descemos (a redação é no 7º andar) desesperados; eu, ela, Aurílio, Maria Helena. Nas escadas, já encontramos mais gente, cada vez mais. No 4º andar, a porta estava fechada. Lúcia Maldonado, que já lá estava, achara qualquer coisa, um pedaço de pau, uma vassoura, sei lá, e se esforçava pra arrombar a porta que dava pra uma possível salvação. Hoje é engraçado: como arrombar uma porta com uma vassoura?

Voltamos rapidamente até o 8º andar, já no escuro, semi-sufocados pela fumaça. Dali, era impossível subir mais. Entramos em uma das salas e ali ficamos em pânico durante cerca de duas horas, vendo a escada Magirus dos bombeiros chegar até nossa janela, subindo ainda mais, sem que nós a alcançássemos. Como dizia o Vinícius pro Tom Jobim, em carta famosa escrita em 64 no Porto do Havre, “é fogo, maestro!” Realmente, fogo era. Mais que fogo, era “flórida, Miami” – ou seja: dofa, madame. Pois, bem o sabemos, neste jornal ainda não se fala palavrão.

O que nos salvou foi a marretinha que o operário da obra, aquele preso junto conosco, começou a bater na parede que dava para o prédio vizinho, do Banco Lowndes. Isso graças ao insight do Eduardo Teixeira, o jovem diagramador da Revista, que berrou, assim que chegamos na sala enfumaçada: “vamos furar, que do outro lado é aquele Banco”. Era. O pessoal de lá ouviu, os bombeiros foram chamados, fura daqui, fura dali, a “rachadura da velha Cacex” acabou dando passagem para quase trinta pessoas em pânico, inclusive mulheres (duas grávidas) e crianças, ou “menores-estagiários” que nos servem cafezinhos no dia-a-dia, mas que naquele momento nos serviam esperança (Meu Deus, como eu pensava no meu filho Pablo, que acabara de almoçar comigo!).

Como diz a Soninha, “sei lá, entende?”. Pois é, eu não entendi bulhufas. De repente, fomos surpreendidos por um bombeiro que pulou do Lowndes para a Cacex. Nunca eu, e todos nós daquela sala, tivemos tanta vontade de dar um tremendo beijo na nuca daquele simpaticíssimo negão que saltava da vida para a morte – para de novo nos conduzir da morte para a vida. Um parto belíssimo, simultâneo. A rachadura mais bela, um buraco negro de onde – mais uma vez – saltamos para a vida, essa coisa mais porreta, essa aventura recomeçada agora e a cada hora.

Ficou de tudo aquela música do Sérgio Ricardo, onde o Turcão dizia qualquer coisa como “o ar que eu respiro/ o ar que eu respiro/ respiro/ pra te amar”. Pois é, Soninha, o ar que mais uma vez respiro pra te amar.

Bubbaloo 7
Jornal Cataguases/ 23.10.88




Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG

https://ronaldowerneck.blogspot.com/



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