Ronaldo Werneck
Respiro pra te amar
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Existem buracos e buracos. Esta é uma frase “pré-histórica”, que não quer
dizer absolutamente nada. Mas com tudo segundo os conformes – sujeito,
predicado, complemento –, lógica e sintaticamente perfeita, como diria o
Gradim, a quem devo o meu português e principalmente uma visita. Eu e toda
Cataguases.
Pois foi exatamente deste buraco que vocês veem na foto que o
vosso Bubbaloo Man saltou de novo e mais uma vez para a vida. Pois é, “nóis
semos imbatíveis”. Um buraco é mais que uma rachadura, por maior que esteja.
Maior mesmo que as maiores rachaduras. Tão grande como aquela mencionada por
um dos nossos candidatos em recente comício, quando, referindo-se a uma
fissura (“fissura” é demais, não acham?) provocada em uma casa operária
(segundo ele, por “obras da prefeitura”), saiu o postulante à vereança com
essa preciosidade: “a rachadura da velha era tão grande que cabia um capado
inteiro”. Coisa de gênio municipal.
Como dizia a grande Maysa Matarazzo,
“não sei se me explico bem/ eu nada pedi/ nem a você/ nem a ninguém/ não fui
quem caí”. Pois é, pessoal, meu mundo quase caiu. Não fora uma píccola
marretinha de um operário de obra e estaríamos – eu e mais um número
incontável de colegas da Cacex – devidamente despachados desta para pior, se
é que isso é possível.
Foi assim: Lílian, uma das redatoras da Revista
Cacex, entrou na minha sala gritando: “vam’embora, Ronaldo, incêndio!”.
Descemos (a redação é no 7º andar) desesperados; eu, ela, Aurílio, Maria
Helena. Nas escadas, já encontramos mais gente, cada vez mais. No 4º andar, a
porta estava fechada. Lúcia Maldonado, que já lá estava, achara qualquer
coisa, um pedaço de pau, uma vassoura, sei lá, e se esforçava pra arrombar a
porta que dava pra uma possível salvação. Hoje é engraçado: como arrombar uma
porta com uma vassoura?
Voltamos rapidamente até o 8º andar, já no escuro,
semi-sufocados pela fumaça. Dali, era impossível subir mais. Entramos em uma
das salas e ali ficamos em pânico durante cerca de duas horas, vendo a escada
Magirus dos bombeiros chegar até nossa janela, subindo ainda mais, sem que
nós a alcançássemos. Como dizia o Vinícius pro Tom Jobim, em carta famosa
escrita em 64 no Porto do Havre, “é fogo, maestro!” Realmente, fogo era. Mais
que fogo, era “flórida, Miami” – ou seja: dofa, madame. Pois, bem o sabemos,
neste jornal ainda não se fala palavrão.
O que nos salvou foi a marretinha
que o operário da obra, aquele preso junto conosco, começou a bater na parede
que dava para o prédio vizinho, do Banco Lowndes. Isso graças ao insight do
Eduardo Teixeira, o jovem diagramador da Revista, que berrou, assim que
chegamos na sala enfumaçada: “vamos furar, que do outro lado é aquele Banco”.
Era. O pessoal de lá ouviu, os bombeiros foram chamados, fura daqui, fura
dali, a “rachadura da velha Cacex” acabou dando passagem para quase trinta
pessoas em pânico, inclusive mulheres (duas grávidas) e crianças, ou
“menores-estagiários” que nos servem cafezinhos no dia-a-dia, mas que naquele
momento nos serviam esperança (Meu Deus, como eu pensava no meu filho Pablo,
que acabara de almoçar comigo!).
Como diz a Soninha, “sei lá, entende?”.
Pois é, eu não entendi bulhufas. De repente, fomos surpreendidos por um
bombeiro que pulou do Lowndes para a Cacex. Nunca eu, e todos nós daquela
sala, tivemos tanta vontade de dar um tremendo beijo na nuca daquele
simpaticíssimo negão que saltava da vida para a morte – para de novo nos
conduzir da morte para a vida. Um parto belíssimo, simultâneo. A rachadura
mais bela, um buraco negro de onde – mais uma vez – saltamos para a vida,
essa coisa mais porreta, essa aventura recomeçada agora e a cada hora.
Ficou de tudo aquela música do Sérgio Ricardo, onde o Turcão dizia qualquer
coisa como “o ar que eu respiro/ o ar que eu respiro/ respiro/ pra te amar”.
Pois é, Soninha, o ar que mais uma vez respiro pra te amar.
Bubbaloo 7 Jornal Cataguases/ 23.10.88
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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