Ronaldo Werneck
GILBERTO GIL 80 ANOS GILBERTO GIL 30 ANOS
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“Há de surgir/ Uma
estrela no céu/ Cada vez que ocê sorrir/ Há de apagar/ Uma estrela no céu/
Cada vez que ocê chorar”. Quem cantava assim tão afinadinha a canção
“Estrela”, de Gilberto Gil, era uma bela menina-mocinha num show que eu via
semana passada na TV. “É a Flor, filha da Bela”, ouço a voz de minha mulher.
Fã de programas culinários, Patrícia não perde os de Bela Gil. É quando há
uma abertura de câmera e Gil surge em contracanto com a neta, os dois também
acompanhados pela voz de Nara, filha de Gil com Sandra Gadelha: “O contrário
também/ Bem que pode acontecer/ De uma estrela brilhar/ Quando a lágrima
cair”. Gilberto Gil completa 80 anos no próximo dia 26 de junho. 80 anos!
Vendo esse show “familiar”, lembrei-me do jovem Gil aos 30 anos numa
entrevista que fiz com ele no Rio, em 1972, para o jornal Última Hora – que
pode ser lida no link que vai ao final deste texto. A família sempre foi uma
de suas grandes referências. Estava lá, naquela tarde de 17 de março de 1972,
a ex-mulher Sandra Gadelha, Sandrão, mais tarde motivo da pungente “Drão”.
Estava lá Pedrinho, ainda menino, filho de Gil com Sandra, motivação de “Com
Medo, Com Pedro”, canção escrita antes de seu nascimento: “Eu agora não tô
mais com medo/ Tô com Pedro”. O Pedro Gil, que mais tarde iria tocar bateria
na banda Ego Trip – e morreria num acidente de carro aos 19 anos. Não por
acaso, estava lá, relembrada na entrevista, a canção “Volks-Volkswagen Blues”
(“é a música aqui de casa, da família”), quando Gil se recorda do pai e
referencia todas as muitas mulheres de sua vida – mãe, esposas, filhas: “Que
saudade, que saudade das meninas/ Duas marinaravilhas/ Minha cara, duas
filhas/ Minha caravavela, ê/ Vai seguindo rumo, ê”. Sem falar de “Beira-Mar”,
com letra de Caetano, uma de minhas preferidas (anos mais tarde, cheguei
mesmo a citar essa canção em meu poema “O mar-em-mim”): “É o azul que a gente
fita/ No azul do mar da Bahia/ É a cor que lá principia/E que habita em meu
coração”. Exaltação à Bahia, para Gil essa canção – também uma de suas
prediletas, gravada em seu primeiro disco (“Louvação”, de 1967), mais tarde
regravada em 1994 no show acústico “Unplugged” – acabou detonando “aquela
loucura da confusão turística” em que se transformou a Bahia a partir de
então. A entrevista com Gil – publicada há exatos 50 anos, em 17 de março
de 1972 – ocupou toda a primeira página do segundo caderno de Última Hora, o
UH-Revista. Nela, optei por adotar uma linguagem coloquial, do dia-a-dia, que
flagrasse ao acaso nosso papo, nosso dizer descontraído, o momento exato em
que falávamos – na contramão dos textos “objetivos” e frios então publicados
pela grande imprensa. Não fazia um mês que eu fora admitido como repórter do
jornal, levado por meu saudoso amigo, o crítico de cinema baiano Alberto
Silva, então secretário de redação, que me indicara para a entrevista com
Gil. Coisa de baianos. Quando cheguei à redação no dia em que a matéria foi
publicada, Alberto me disse que o Ary de Carvalho, o dono do jornal, queria
falar comigo. Comigo? Pois é, o Ary gostara tanto da entrevista que me disse
ter acabado de me promover a repórter especial de UH-Revista. Salário? Quase
três vezes o que ganhava. Nada mal para um recém-chegado, um recém-casado – e
com mulher já devidamente grávida. Eu conhecia Gil muito ligeiramente dos
tempos em que morei na Bahia, em 1964. Vi o show inaugural dos moços baianos,
o “Nós, Por Exemplo” – a convite do Caetano, que nos dera os ingressos ao
encontrar comigo e com o Alberto num ponto de ônibus da Praça da Sé. O show
me deixou fascinado com a turma toda – e aprendi a gostar para sempre
daqueles jovens, “mudernos” baianos, como dizíamos na Salvador daqueles
tempos . Nada sabia deles, a não ser do Caetano – que gostava de cinema e a
quem às vezes via nas sessões programadas pelo crítico Walter da Silveira na
Escola de Teatro. Eles andavam sempre em grupo – Caetano, Gil, Bethânia,
Gracinha, a futura Gal – e às vezes dávamos um oi, ou coisa parecida, quando
nos topávamos pelas ruas da Bahia. Não mais que isso. Assim, fiquei
surpreso com o tratamento cordial de Gil ao me receber para a entrevista: “O
que que há, ô cara, tudo legal?”. Será que ele se lembrava de mim, ou foi só
uma gíria, um falar daqueles tempos, um gesto de simpatia? Não ousei
perguntar. O show dele com Caetano no Municipal (uma das razões da
entrevista) foi mesmo de “deixar a mocidade louca” como vaticinou o editor de
UH Revista no título meio sensacionalista colocado na minha matéria, que
ocupou toda a capa do Segundo Caderno, além de merecer chamada na primeira
página do jornal naquele 17 de março de 1972. No início da noite, recebo
convites para o show do dia seguinte, gentileza de Gil. Quando perguntei
se faria músicas para novelas, Gil foi reticente: “Minha experiência com esse
tipo de coisa é em cinema. Agora, em televisão, o negócio não dá pé. De vez
em quando, dou uma olhada nas novelas da televisão brasileira e realmente
sinto que a jogada não é essa: é puro nonsense, de um baixo astral incrível”.
Cala-te, boca! A partir da década de 1980, composições de Gil serviriam como
temas para várias novelas, como “Realce” (“Água Viva”, 1980); “Esotérico”
(“Sétimo Sentido”, 1982; “Verão 90”, 2019); e a própria canção “Estrela” (“A
Indomada”, 1997). Sem falar no grande sucesso do tema escrito para “O Sítio
do Pica-pau Amarelo” (1984). Noite seguinte à publicação da entrevista,
lá estava eu no Theatro Municipal, eletrizado, ao ver Gil e Caetano abrirem o
show cantando a música do sambista baiano Riachão: “Chó, Chuá/ Cada macaco no
seu galho/ Eu não me canso de falar/ Chó-Chuá/ O meu galho é na Bahia/ O seu
é em outro lugar”. E logo surgiam novas e inéditas composições não só de
Caetano como da safra espanhola de Gil, a exemplo de “Oriente”, ou “Crazy Pop
Rock”, ou ainda a recentíssima “Back in Bahia”, que literalmente deixou “a
mocidade louca”. Engraçado que as poucas vezes em que estive com Gil
depois disso não foram em shows, mas sempre em lançamentos de livros sobre
ele. Em 1982, numa livraria do Leblon, na noite de autógrafos do livro de
Antonio Risério, “Gilberto Gil – Expresso 2222”. Autógrafo dele: “Paz,
Ronaldo. Abraço do Gil”. Em 1992, no Copacabana Palace, lançamento de
“Marginália – Arte e Cultura na Idade da Pedrada”, de minha amiga, a
fotógrafa Marisa Alvarez Lima – um retrato do tropicalismo e das vanguardas
artísticas do Brasil nas décadas de 60 e 70. Autógrafo de Gil: “Ronaldo,
muita paz! Gil”. Já no final do século passado, 1999, reencontro Gil no
Museu Nacional de Belas Artes, Centro do Rio, no lançamento do livro
“Giluminoso - A Po.Ética do Ser”, de Bené Fonteles. Numa roda onde, além de
Gil e Bené, estava também a atriz Rejane Medeiros – que eu não havia há
muitos anos, desde os tempos em fora casada com meu amigo, o também ator e
produtor musical Octávio III – o papo rolou tão descontraído que só ao sair
do Museu lembrei-me que não comprara o livro. Razão pela qual, não recebi o
terceiro autógrafo de Gil, que naturalmente seria “Paz, muita Paz, Ronaldo!”.
Vejam a entrevista completa com Gil em meu blog, link a seguir, inclusive
com um vídeo de Gil cantando Back in Bahia em 1972, com uma participação
relâmpago de Caetano.
https://ronaldowerneck.blogspot.com/.../ha-exatos-50-anos...
https://www.youtube.com/watch?v=msknQAdP0DI
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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