Ronaldo Werneck
Profetam Habacuc e Daniel
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Férias em Cataguases. Claro, nada a ver
com descanso. Cataguases é heavy metal, é muito forte, é da pesada. Mal
cheguei, soube da notícia de um vídeo preparado pelo IAB-Minas sobre a
arquitetura da cidade. Local: Cabaret Mineiro, Belo Horizonte. Nunca tinha
ido ao Cabaret; além disso precisava de encontrar o pessoal do Suplemento
Literário do Minas Gerais, que eu não vejo há tempos.
Resultado: nos
mandamos, eu e Rogério Torres, pra Belzonte, Belô, Beluz, BH ou Beagagá –
como preferirem. Pois é, pra quê, como dizia aquela música do Sidney Miller.
O vídeo até que é interessante, com alguns belos planos dos trilhos da
Avenida em semiplongée, além dos depoimentos do Paulo Augusto Gomes sobre
Mauro, do Chico Filho sobre a casa de seu pai e do Joaquim Branco, traçando
um panorama artístico da cidade.
Mas não precisava ter ido a BH pra isso.
A própria Lurdinha Paixão, minha secretária de cultura do coração, me disse
em pleno Cabaret Mineiro que tinha o vídeo e podia me emprestar quando eu
quisesse. A turma do Suplemento não pintou. Aliás, eles não pintam: escrevem.
Havia um jazz-band formado pelo próprio pessoal do IAB, que me lembrou
Carlitos, quer dizer, Laura do Carmo via Chiquinho Cabral, quer dizer,
Luizinho Eça & Co. (leia-se Silvinha Telles e até o meu prezado amigo
Afonsinho) no palco do Clube Social. E só. Neca de clima pra uma suposta
matéria que faríamos sobre o chamado evento. Sequer pras fotos: o Cabaret é
cabaret mesmo: penumbra sem preâmbulo.
Muito bem. Hoje de manhã (estou
escrevendo na noite de quarta-feira, 30/11), ao voltarmos de mãos abanando,
dei uma parada em Congonhas pra apresentar os profetas do Aleijadinho ao
Rogério (claro, os profetas são meus amigos desde priscas eras). Começamos a
fotografar, entrevistamos o diretor de Lazer e Cultura de Congonhas, e o
Rogério acabou fazendo a matéria que deve estar em algum lugar do passado, ou
do futuro, quer dizer: nesta edição, de repente até mesmo nesta página.
A
foto que ilustra esta coluna foi tirada hoje de manhã e revelada pelo Ivanov,
do Foto Lídice, no início da noite, assim que chegamos, só pra mostrar que
realmente estivemos em Congonhas – e a trabalho. O poeta e o profeta.
Gostaria que fosse Daniel, pra quem fiz um poema numa madrugada em que vinha
de Brasília e parei prum café em Congonhas, um break com os profetas; um café
da manhã com Daniel & sua turma: “os profetas/ profetam/ um café/ assombra/ o
sono de Daniel/ espanto/ madrugada”.
Mas este da foto não é Daniel.
Trata-se de Habacuc, o oitavo dos profetas menores, que viveu num dos mais
conturbados períodos da história de Israel. Como se lê (e vocês conseguem?)
na escultura, Habacuc prevê a queda dos Caldeus, os novos opressores que irão
invadir Jerusalém. Como se vê, o Bubbaloo também manja de profetas, pelo
menos os de Congonhas: “Te Babylon/ Babylon te/ Chaldee Ty/ Arguo: te in/
Psalmis te Deus/ Alme cano”. Habacuc/Cap. 1. Isto é: “Ó Babilônia, Babilônia/
eu te arguo, ó tirano da Caldéia/ mas a ti, ó Deus benigno/ canto em salmos”.
Habacuc, cap. 1. Eta nóis, hein? Congonhas sempre me lembrou solidão. Isso
pelos profetas. Essa fotografia – que toma as suas figuras assim de costas,
voltadas para o infinito do horizonte recortado pelas Montanhas Gerais – dá
bem idéia do que quero dizer. Engraçado que perguntei isso ao diretor de
Turismo de Congonhas. “Não, disse ele, Congonhas é para mim tranqüilidade, a
paz das montanhas. É o nosso mar”. Pergunto se os profetas seriam o “Cristo
Redentor” de Congonhas, no sentido de identificação, de post-card. Sua
resposta foi ótima: “Sim, eles são nosso Cristo Redentor – só que tombado
pela Unesco, reconhecidos mundialmente como patrimônio histórico da
humanidade”. E ele, que passou a infância em Congonhas, satisfez uma
velha curiosidade minha: como os meninos da cidade viam os profetas, se eles
fugiam à noite pra brincar de pique no adro da igreja, entre as figuras
fantasmagóricas. Pra minha decepção, nosso amigo disse que não. Ele, como os
demais meninos de Congonhas, sempre viu as estátuas com naturalidade, de tal
modo já estavam integradas à paisagem. Via as esculturas como qualquer coisa
que já compunha, de tão próxima, tão palpável, o universo de sua infância.
Nada de fascínio, fantasmas, descobertas. Apenas figuras de pedra-sabão, como
tantas outras. Até mesmo Daniel, seu preferido entre os profetas, totalmente
esculpido pelo Aleijadinho em um só bloco de pedra, sem emendas. “Então, é um
profeta inconsútil”, brinco com ele. Mas o diretor não entende. “Inconsútil
como a túnica”, tento explicar, “isto é, sem costura”. Ao entender o jogo de
palavras, ele se abre numa grande risada, abraçado a uma réplica de seu
profeta predileto. Minas More, como diz o poema do P.J. Ribeiro. O
inesperado de Minas, como no poema onde Oswald de Andrade percebe que em
Congonhas as palmeiras para onde olham os profetas são, no fundo, cocares às
avessas. Tropicalismo puro: “Os profetas do Aleijadinho/ Monumentalizam a
paisagem/ As cúpulas brancas dos passos/ E os cocares revirados das
palmeiras/ São degraus da arte do meu país”.
Vou ficando por aqui: são
quase quatro e meia da manhã de quinta, dia 1º de dezembro, e eu já estou
batendo pino. Ciao. Depois a gente “se fala, se olha, se beija”.
Bubbaloo
8 Jornal Cataguases/ 04.12.88
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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