Ronaldo Werneck
Mulher bebendo muito
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Oitenta e oito abre com fogos esparsos acesos pelo Catito da Mônica e
muita chuva, vinda possivelmente de Nova York. No intermezzo de uma
entrevista com Maria Alcina, saio do Hotel Cataguases pra comprar pilha pro
gravador do Rogério Torres, o mais jovem de nossos repórteres. São cinco da
tarde, é pleno horário de verão, e a cidade está coberta por nuvens plúmbeas
(palavra que, juro, não usarei mais em 88). Um cinza tão escuro que preciso
acender os faróis enquanto o carro navega pela Avenida Astolfo Dutra: um só
córrego, um só Lava-Pés. O temporal roubou a claridade deste dia primeiro e
levou consigo toda a energia da Força & Luz, inclusive a própria. Não acho as
pilhas, mas encontro Carla Beatriz no Bar do Augusto. Perdida e devidamente
ensopada.
A luz voltou. Voltamos pro hotel. Enquanto Sérgio Ribas
fotografa a cena, eu e Alcina brincamos de fazer ‘pose pra posterioridade’.
Alcina está ótima, absolutamente descontraída com sua camisa do ‘Fio
Maravilha’, óculos de intelectual paulista e um chapéu de cantora de tango
que eu trouxe do Rio. Ela me confessará mais tarde que ficou com receio
quando soube que eu estaria na entrevista, com medo do troço ser intelectual
demais pra sua cuca de eterna operária cataguasense. A entrevista termina em
sua casa, onde comemos biscoito de polvilho (bem Cataguases da infância) com
o café de Dona Arminda, bem mais saboroso que o chafé de Seu Hisbelo — que,
aliás, está ótimo (não o café, mas o próprio, o grande papai). Fico de jantar
com Alcina e sua família no People.
Mas não havia almoçado e acabo ali do
lado, no Taramela, onde meu amigo Ricardo Braga conseguiu transar um surubim
com camarão e banana que é uma delícia, aliás o nome do próprio prato.
Servido então pelo Cuca, meu meio-de-campo predileto (“tira o Cuca! Deixa o
Cuca aí!”), nem se fala, principalmente quando regado a um coquetel diabólico
que acabei de inventar há exatamente 18 minutos e três segundos: limão em
fatias, água tônica e guaraná à vontade (atenção, Ricardo: o guaraná tem que
ser Antarctica, que é menos doce).
O Taramela é um must, um cult-bar, como
diz a Andréa Bogossian, com seu solarium transado pelo Tunim Farage e seu
piano exalando aquele cheiro de saudade: Marquinhos Peixoto, Aluísio & Beto
Condé mais a voz de Celeste Quirino. Só falta mesmo meu bloody-mary 88: suco
de tomate, muito tempero, gelo e água tônica. Bloody-mary sem vodka. Como
dizia o velho Sterling Hayden in Dr. Strangelove, “vodka é coisa de
comunista!”, quer dizer, do Homero – nosso tigre de papel da oficina do
Cataguases.
Cataguases by night. Lembro que combinei com Alcina e acabo
indo pro People com Carla Beatriz, Sérgio Ribas e a não menos Cat Couto,
aliás Cathy Mahonny, aliás, Cat Ballou, aliás, Tia Cathy. Muito simpático
Alcina jantar com toda família mais o grande Bibinha e sua trupe. Mais
fotografias enquanto o fulgurante Cota ataca de “Kid Cavaquinho” em homenagem
à rua (“Maria Alcina”) da Taquara Preta. Mas acabamos é dançando “La Bamba”.
Puro anos 60. Fim de noite. Quer dizer, fim da noite em Cataguases, porque eu
e Carla ainda vamos prum baile em Mirahy City, onde acabamos mesmo é jogando
sinuca no botequim do Dingo com os meninos da cidade até aí por volta das
quatro da matina.
No domingo, após várias peripécias, o Bruno Menta,
gentilíssimo, consegue projetar algumas sequências do meu filme (Você não
soube?). Percebo que eu e o filme estamos ficando irremediavelmente velhos
quando Pablo e Ulla são enquadrados cantando em cima do portão da casa da rua
Dr. Sobral. Pablo ainda sem seu dente-de-leite. Mais ainda: quando alguém
entra no quarto onde estamos projetando e pergunta pelo ‘fio dental’, pois o
biquíni que a Eucy está usando na Praia do Pepino está mais do que
ultrapassado, exatamente como a barba e a juba do Tomaz Pacheco. “Tomazmente”
falando, o filme tá muito doido.
Meu Deus, quase meia-noite! Meto o carro
na estrada. Enquanto Carla dorme no banco de trás, eu e meu querido baterista
Afonsinho conversamos por toda a viagem. Ele me diz que seu gosto pela música
veio de seu tio Vadinho, que tocava sax como ninguém, e gostava muito de
jazz. Afonsinho se lembra de um festival de jazz, onde tocou com Miles Davis
e Tony Scott, um dos ídolos de Billie Holiday, que, por sua vez, é uma das
minhas ídalas”: sua biografia (Lady Sings the Blues) é das melhores coisas
que li ultimamente.
Conversamos sobre sua bateria, que ficou na Itália, e
sobre bateristas, sobre Gene Kruppa (no cinema, Sal Mineo, no papel do
próprio, estava mais canastrão do que nunca. Pelo menos no cinema do Nelo
Machado, onde vimos o filme aí por volta dos anos 50), e sobre nosso amigo
Juquinha, também baterista e primeiro parceiro de Tom Jobim, que está muito
engraçado numa sequência do meu filme, com um bonezinho de jockey, abraçado
com Thomaz “Mann” (senão os dois caíam), numa trôpega madrugada em frente ao
Luna Bar, no Baixo Leblon.
Entramos em Teresópolis para um café com
coca-cola. São quase três da manhã e o bar está cheio. Um cidadão que está
tomando uísque volta-se pra mim e diz, solene: “Vi tua mulher ontem no Golf
Club. Ela anda bebendo muito”. Toma um trago e olha pro Afonsinho: “Não tava
te conhecendo. Sabe que eu votei em você? Pois é, eu também sou PMDB”.
Afonsinho sorri e diz: “É incrível nossa capacidade pra atrair malucos”.
Finalmente, back in Rio. Paramos ali no Bar Bico, perto da Galeria Alaska,
para um chope regado a suco de manga, pra mim, e de melão, pra Carla Beatriz,
que acordou porque quis, isto é, por um triz não ia pra Paris. Grande
coincidência: damos de cara exatamente com Toninho, nosso garçom dos tempos
do Luna Bar: “Pois é, o domingo acabou, o chope acabou, o Luna já fechou, e
eu aqui tô que tô, tomando o penúltimo”. Agora são 6:30 da manhã de
terça-feira. Não saiu foto nenhuma da entrevista com a Maria Alcina. O filme
velou. Não faz mal: foi divertido. Falar em velou, lembro de Velô, quer
dizer, do Caetano, que está cantando ainda agora Roberto Carlos, enquanto
escrevo com minha caneta futura, tão antiga quanto antigamente: “Eu andei de
mais/ Não olhei pra trás/ Não vou mudar/ Sou fera ferida/ No corpo/ Na alma/
No coração”. Isso aí. Espero que o show de meus amigos Carlinhos Vergueiro e
Andréa Bogossian, sexta-feira, no People, tenha o sucesso que Cataguases
merece. Um bubbaloo de morango (diretamente do bar do Quinn) pra todos vocês.
Bubbaloo 2 Jornal Cataguases/10.01.88.
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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