Ronaldo Werneck
1987
- Porto da Memória
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A primeira imagem é de carnaval. Em lugar de confete e lança-perfume
existe um pernil assado e seu cheiro encantando as narinas e a gula do menino
de 10 anos.
Porto de Santo Antônio, 1957. É carnaval e meu padrinho
Geraldo Kneip morreu há poucos dias. Estamos todos na casa da Tia Tereza do
Mariosa, procurando evitar a festa ao redor, compenetrados em nosso luto. Mas
o clube é ao lado (ainda é?) e tome de batuque. Mas o cheiro do pernil é
maravilhoso (ainda é, ainda agora). Mas tudo lembra a festa da vida que pulsa
à nossa volta.
Astolfo Dutra City, que prefiro chamar de Porto de
Santo Antônio – exatamente como numa fotografia gravada na memória do menino
de 10 anos – sempre me lembrou festa e cigarro Pergaminho, dos Linhares, onde
experimentei, acho que para sempre, as primeiras baforadas.
Início dos
anos sessenta. I could have dance all night, Twist &
My Fair Lady. Festa da
Rainha do Fumo. Luiz Sérgio e Maria do Carmo Nogueira, Geraldo Português, eu,
Nikinha & demais atletas cataguasenses aportamos no Clube (o mesmo) para um
bravíssimo show de requebrados & quejandos. Sucesso ou vexame, nós nunca
soubemos. Havia muita cuba-libre e uma lambreta verde, de codinome Brucutu,
em cima da qual eu e Português atravessávamos a ponte sobre o Pomba,
debruçados na madrugada de álcool & Pergaminho, o cigarro produzido pelos
Linhares do Porto. Claro, devidamente de cuecas, as famigeradas samba-canção.
Performance de fazer babar o alucinado motoqueiro do Amarcord de Fellini,
que, como nós, ia do nada para lugar nenhum.
Corta para início dos
anos 80. Casamento de meu primo Dingo no Clube Caramoñas. Chope em família e
com os irmãos Linhares, Geraldo e Luiz. Em plena crise hemorroidária. Lombo
de porco, chope, o velho pernil da tia Tereza – ainda o mesmo gosto e cheiro:
gosto, cheiro e banheiro. Não há bumbum que aguente. Um retorno estratégico
(e inglório) a Cataguases, a festa em meio.
Porto de Santo Antônio,
1987. Um suco de abacaxi dos mais supimpas com meu amigo Luiz Linhares,
exatamente ali, na pracinha da igreja. Coca-cola, café e sinuca com o irmão
do prefeito (Luiz, como é mesmo o nome dele?). A torcida veemente do Veriano,
o melhor motorista da praça, meu chofer predileto depois do grande Hisbelo,
pai que me guia, fez com que o poeta derrotasse fragorosamente as hostes
adversárias, apesar dos insistentes toques do Luiz (“olhaí, Ronaldo, não
ganha não, que o homem é irmão do prefeito, que por sua vez colabora para a
impressão do Jornal do Porto – quer dizer, vai pegar mal”). Jogador
compulsivo, o poeta não ouviu seu “ator de cabeceira” e botou pra quebrar sob
os verianos aplausos. Cataguases saiu incólume da batalha, briosamente ainda
uma vez princesinha – se não da Mata, pelo menos do pano verde.
Corta para
Cataguases, década de 50. A grande Dona Zeca diz pra seu pimpolho que ele já
tem público cativo no Porto de Santo Antônio: pelo menos é o que lhe disse a
Laurita do Gute, que (Dona Zeca levanta a voz, com uma ponta de orgulho) “não
perde uma crônica do Roneck n’O Cataguazes”. Sucesso ou vexame o poeta nunca
soube, não sabemos, não saberemos jamais.
Corte brusco para Porto de
Santo Antônio hoje, novembro de 1987. Alguma coisa bate no coração do poeta,
alguma coisa soprada pelo vento que vem das margens do Pomba, alguma coisa
como “Ronaldo Werneck, não declame, não dê vexame. Ronaldo Werneck, deixe de
ser moleque”.
Mas exatamente agora nesta tarde de 29 de novembro de
1987 em Porto de Astolfo Dutra, na mesma pracinha da igreja onde ele vê seu
filho Pablo brincando entre as árvores da infância, alguma coisa bate mais,
mais forte, qualquer coisa assim como “Roneck, cante um sambinha de breque,/
deixa, deixa o Ronaldo Werneck, / o Roneck de novo ser moleque”.
Jornal do Porto Bar do Augusto, Cataguases, 28.11.87 & em pleno Porto
de Santo Antônio, 29.11.87
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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