Ronaldo Werneck
LINA LADY LINA: DAMA DA POESIA
|
|
As teclas travam. O texto entristece. Um nó na garganta. Um peso no coração.
Palavras que calam. Digito com dedos enlutados esse necrológio para minha
grande amiga Lina, morta há três dias. Três dias já e sua voz vinda pelo
celular de Brasília há menos de outros 15 – e reverberando em meus ouvidos
ainda agora. Sua voz ainda canção e sempre, tão clara e delicada:
“Boa
tarde, Ronaldo, realmente pneumonia não é uma coisa fácil, não. É uma
convalescença muito lenta e gradual. O tempo aqui é uma memória, sabe? Vamos
ver, espero sair dessa, né? Porque o único sintoma que eu tenho, Ronaldo, é
falta de ar. Não tenho febre, não tenho tosse, não tenho dor no corpo. Tô
tomando antibióticos fortíssimos. Vamos ver. Hoje eu fiz exame de sangue pra
ver minha situação... também espero sair dessa com muita lisura e muita
maciez”.
“Aqui sonhamos. Aqui vamos morrendo./ Na verdade, somos tudo
o que somos,/ ao pé desta árvore artificial/ arrancada às florestas do
mundo!” – escrevia sua grande amiga Cecília Meireles, no poema “Abajur de
Lina”, 1951. Na tarde da última terça-feira, 01 de setembro, a poeta
cataguasense Lina Tâmega Peixoto (1931-2020) falecia em Brasília, para onde
se mudara ainda antes dos anos 1960 e da própria inauguração da capital. Ela
foi uma das nossas maiores vozes na poesia – não só de Cataguases, como de
Brasília e do país como um todo. Afora a poeta maior, Lina era uma lady, uma
dama como poucas, gentil, sensível, arquétipo de um tempo que remetia a
tempos de outrora, tempos de extrema delicadeza. Mais que simples dama –
disse um dia o poeta Joaquim Branco –, na verdade Lina foi nossa primeira
dama da poesia.
Nós estivemos juntos muitas vezes ao longo de nossas
vidas, as duas últimas em lançamentos de meu livro “Momento Vivo”, quando ela
esteve presente tanto no Rio quanto em Portugal. Foi a última vez que nos
vimos, naquele outubro do ano passado em Lisboa. Uma honra ser seu amigo,
sempre uma honra sua presença, uma tristeza só a sua ausência – essa ausência
que se fará sentir a partir de agora, a falta daquele largo aprendizado vindo
de suas palavras que chegavam não mais por cartas, mas por constantes e-mails
e até mesmo por whatsapps, que Lina esteve sempre antenada em seu tempo.
Em 12 de julho de 2014, Lina me escrevia do Rio, em trânsito para o
lançamento de seu livro “Entre desertos” em Cataguases, muito preocupada com
nosso grande amigo, o poeta Francisco Marcelo Cabral (a quem tratava por
“Cabruxa”), seu querido companheiro de mocidade na aventura de editar a
Revista Meia-Pataca. Cabruxa estava adoentado no Rio, mas me mandara um longo
email, bem-humorado como sempre, analisando meu vídeo “Duas Faces”, razão
pela qual achei que ele estivesse bem. O que não era verdade.
“Estou à
disposição para a entrevista na Rádio – Lina escrevia – ou qualquer outra
ação literária que resulte numa convergência de estímulos e descobertas.
Também soube notícias do Cabruxa, mas não tão otimistas quanto as suas. Há
uma suspeita de câncer no pulmão e só na segunda-feira se saberá o resultado.
Ele já foi avisado (intempestivamente por uma médica maluca) e está nervoso e
preocupado, com razão. Esperamos que tudo seja branco e puro, sem manchas de
escuridão”.
Não foi. Um mês depois (agosto, agosto!) Cabruxa morria no
Rio de Janeiro, e lá estávamos Lina, minha mulher Patrícia e eu no velório do
poeta, chorando nosso grande amigo. Não imaginávamos que o mesmo mal que o
matou atingiria seis anos depois os dois pulmões de Lina e a levaria também –
e para sempre. Faço minhas as palavras do poeta Francisco/Cabruxa Marcelo
Cabral em seu poema-livro “Inexílio”:
“... nada, Lina, esse rio
primal,/ com suas lições de luz e ventos e esmeraldas,/ Virgílio Beatriz de
uma comédia sem inferno/ ovelha pastora forte macia vertigem/ da espiral azul
que eu estou revendo agora/ sob a forma volátil da fumaça de meu cigarro/ e
estou sentindo sob os pés, nesse ponto mais firme/ onde me firmo,
Lina-lináptera se afastando/ me afastando, lírio, ardósia, púrpura,/ sol do
planalto”.
Ainda agora, no último 12 de agosto, Lina me mandava um
zap: “Estou lendo Gilbert Durand. Na conceituação que faz da civilização
ocidental cita um provérbio chinês, muito adequado pra o governo atual. Eis:
Se apontares a lua com o dedo, o imbecil olhará para o dedo”. Lina lunar via
lua em todo lugar: “Debulhado, o dia/ dependura a lua”.
Vejam no meu
blog, link a seguir, o primeiro dos textos em homenagem à Lina e um vídeo,
“Cataguases-Ascânio”, com a releitura do poema “Cataguases”, de Ascânio Lopes
(1906-1929), o grande poeta da Revista Verde, pelos poetas Francisco Marcelo
Cabral, Lina Tâmega Peixoto, Joaquim Branco e Ronaldo Werneck. A locação foi
no Rio de Janeiro, em 2013, no apartamento do hoje também saudoso Francisco
Marcelo Cabral.
Semana que vem tem mais Lina, que Lina não sai mais
daqui.
Link para o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=3kGFn_ZRq_o
- Comentários sobre o texto podem ser enviados, diretamente, ao
autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
Direitos Reservados É proibida
a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação eletrônico ou
impresso sem autorização do autor.
|