Ronaldo Werneck
O Haver & A Hora Íntima:
as namoradas de Vinicius |
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Passa rápido: no próximo dia 9 de julho, há 40 anos, perdemos o
poetinha maior Vinicius de Moraes. O poeta namorou a morte em vários momentos,
em vários poemas de sua vida. Como neste “A Hora Íntima”:
Quem pagará o
enterro e as flores se eu me morrer de amores?/ Quem, dentre amigos, tão
amigo para estar no caixão comigo? Quem, em meio ao funeral, dirá de
mim: – Nunca fez mal... Quem, bêbado, chorará em voz alta de não ter me
trazido nada? Quem virá despetalar pétalas no meu túmulo de poeta?”
Namoro esse que se configura melhor em O Haver, um terrível, mas ao mesmo
tempo compassivo, balanço “contábil” no livro de deves e haveres de sua vida –
face à morte-namorada. Foi um de seus últimos e também um de seus melhores
poemas – o meu preferido entre todos que escreveu. A seguir alguns
fragmentos de O Haver, esse pungente encontro com a morte, falsa passionária:
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura Essa intimidade
perfeita com o silêncio Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido... ... Resta
essa comunhão com os sons, esse sentimento Da matéria em repouso, essa
angústia da simultaneidade Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius. ... Resta esse
coração queimando como um círio Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria Ao ouvir passos na noite que
se perdem sem história...
Resta essa vontade de chorar diante da
beleza Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido Essa imensa
piedade de si mesmo, essa imensa Piedade de si mesmo e de sua força
inútil. ... Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser E ao mesmo tempo
essa vontade de servir, essa Contemporaneidade com o amanhã dos que não
tiveram ontem nem hoje. ... Resta esse diálogo cotidiano com a morte,
esse fascínio Pelo momento a vir, quando emocionada Ela virá me abrir a
porta como uma velha amante Sem saber que é a minha mais nova namorada.
Muito antes, naquela célebre canção com o Carlinhos Lyra, inícios da Bossa
Nova, Vinicius já parecia antever a morte-namorada, aquela que virá abrir a
porta como velha amante sem saber que é a nova namorada: “Se você quer ser
minha namorada/ Ah, que linda namorada/ Você poderia ser/ Se quiser ser
somente minha/ Exatamente essa coisinha/ Essa coisa toda minha/ Que ninguém
mais pode ser/ Você tem que me fazer um juramento/ De só ter um pensamento/
Ser só minha até morrer.” Mas o poetinha parecia não morrer nunca. Seu
tempo é quando: ontem, hoje, amanhã. Como no poema escrito em Nova York, 1950
– 30 anos antes de sua morte. É verdade: Vinicius parece imune até ao
coronavírus – morre ontem, nasce amanhã:
De manhã escureço De dia
tardo De tarde anoiteço De noite ardo.
A oeste a morte Contra
quem vivo Do sul cativo O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo: Eu morro ontem
Nasço amanhã Ando onde há espaço:
— Meu tempo é quando.
Ronaldo Werneck Direto do Shangri-lá:
Cataguases, 13 de maio 56 dias de quarentena O branco”.
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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