16/02/2020
Ano 23 - Número 1.161




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RONALDO WERNECK



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Ronaldo Werneck


Aquele abraço, RIO

(mas também posso chorar)

Ronaldo Werneck - CooJornal


chove no rio
     no rio de janeiro
          & em outros campos
          & rios de ocasião

chove no rio
     mas faz sol
          sol por inteiro
               sol largo & amplo
                      nos rios de meu coração


Este poema foi publicado em 1999 em meu livro minas em mim e o mar esse trem azul. Como se vê, sou um poeta do século passado. Mas que procura estar antenado no presente, cuíca no futuro. Afinal, como já dizia Ezra Pound, “os poetas são antena a raça”, né mesmo? Era março de um ano qualquer do século 20 e chovia as chuvas do Tom, aquelas de março fechando o verão. Mas eu devia estar alegre, quem sabe um novo amor, quem sabe o eterno amor pelo Rio de Janeiro. Assim o porquê desse poema que volta aqui e agora inundando de amor o Rio, aquele de janeiro, fevereiro e março (evoé, Gil!).

E é assim também que revém aqui este texto que aí vai, exatamente neste momento (re)encontrado. Fala da “Baía do Rio”, e foi publicado em novembro de 1994 pelo jornal “Baía Viva”, do Governo do Estado do Rio de Janeiro – Programa de Despoluição da Baía de Guanabara. É como se o tivesse escrito hoje, tanto o Rio anda precisando de um choque de “segostol”, de uma injeção de auto-estima. O texto foi realizado a pedido da editora do jornal, minha querida e carioquíssima amiga Lúcia Martins, e saiu publicado em página onde apareciam também depoimentos de Ferreira Gullar, Mário Lago e dos compositores Dicró e Moreira da Silva.

Então, vamos lá: onde se lê “Rosinha” & quejandos, pode-se ler Crivella, Witzel, Cedae & Co., que é tudo a mesma “coisa”, ou a mesma... (queria na verdade dizer uma palavra de cor semelhante à água que sai hoje pelas torneiras cariocas, mas deixa pra lá). O texto, “novelhíssimo”, começava e se estendia assim como se vê nos parágrafos que se seguem.

Todo mundo carioca da gema. Ou antes, da clara. Da clara manhã primeira de não mais se acabar, como eu-mineiro e o maranhense-Gullar. Dá para perceber meu amor pelo Rio, pelo meu riozinho de janeiro tão conturbadinho pelas rosinhas (perdão, rocinhas) deste fevereiro. Indoutro dia-noite na TV, o cineasta Fernando-Cidade-(sem)-Deus-Meirelles, com todo aquele seu paulistês, dizia que uma das saídas era “incluir”, era a inclusão social dos drop-outs, dos que vivem/morrem à margem.

Hoje (ou ainda ontem, dia 12 deste fevereiro), o arrogante ministro Guedes diz que “o aumento do dólar é bom porque tem muita empregada doméstica indo pra Disney”. Vê se pode, logo ele que passou ainda há pouco férias por lá. Mas ele pode, né mesmo?
“Basta estar vivo/ pra ser subversivo/ isto é: subservivo” – dizia o também paulista Cassiano Ricardo, um poeta que cito no texto a seguir. Incluir ou despoluir? Há controvérsias. Mas é manhã de carnaval. Que de melhor senão falar de um Rio de muito antigamente – e muito, muito despoluído nesta manhã-tão-bonita-manhã do Luís Bonfá e do meu carioca-recifense Antônio Maria? Do Rio que mora no mar do meu coração – e que faz aniversário já-já em primeiro de março. Aquele abraço.

Cabeças na nuvens, pés nas águas

Franjas de montanhas se debruçam sobre o mar, o mesmo mar que vê lá em cima recortes de verde no horizonte que se adensa florestal, em festa – fresta entreposta em relevo num fundo de sólido azul. Do alto ou de baixo, nunca tanto mar tanta montanha tanta paisagem tamanha.

“Pensou-se que era um rio/ em janeiro/ mas não/ era a Guanabara/ na manhã já bem clara” – dizia o poeta paulista Cassiano Ricardo décadas atrás, exatos quatro séculos da fundação da cidade. Uma cidade que não se diz mas se vê, plasticidade maior que qualquer símbolo, maior que a palavra, qualquer palavra, maior, muito maior que a imagem fechada de um postcard, amplitude que não cabe sequer na velocidade encadeada por sucessivos fotogramas. Paisagem que explode o close e a panorâmica.

Parodiando Oswald de Andrade, outro paulista, digo que é de todos os janeiros a cidade deste mineiro que aqui está, a claricidade por todos nós aceita, eleita, mulher onde se deita, amante, namorada: “Rio do Sul/Rio do Sol/ Rio do Sal”. Um ícone tropical maior que tudo que a vista alcança, maior mesmo que a brisa do baiano Castro Alves, aquela do Brasil, a própria, que beija e balança.

Em 1663, o assombro estampado nas palavras do Padre Simão de Vasconcelos: “Consta de hua bahia & de hum reconcavo grandioso, na forma que logo diremos, & tem por nome Rio de Janeiro... Assombro he das armadas mais fortes chegando de mar em fora a ter vista de terra, em vez de praias que alegrem, começam a ver apparencias disformes de rochedos tão altos que sobem às nuvens & espantam os homens... Quando já vem chegando à barra se vêem levantados de hum & outro lado, quaes dous gigantes fortes, dous monstruosos corpos de solido penedo, a que chamam Pães de assucar, que dando com as cabeças nas nuvens, lavam os pés nas agoas”.

Assombro não maior que o do inglês J. C. Fletcher, cujas palavras, de 1851, dizem mais que qualquer imagem criada ao acaso por este poeta mineiro, este aqui, cada vez mais, e para sempre, enamorado da cidade eleita como mulher amada: “Vi marinheiros russos dos mais rudes e ignorantes, um aventureiro australiano imoral, incapaz de qualquer reflexão, juntamente com europeus refinados e cultos, ficarem mudos, estáticos, no passadiço, acordes na admiração da colossal avenida de montanhas e ilhas cobertas de palmeiras que, como pilastras de granito na frente do templo de Luxor, formam a digna colunata para o pórtico da mais bela baía do mundo”.

É isso. Ou quase. Como se à noite, passado o derradeiro folião, voltássemos a cantar, a cantar qualquer coisa, voltasse eu a cantar assim como se “desta janela/ sozinho/ olhar a cidade/me acalma./Rio/mas também posso chorar”. A cantar aquele Hotel das Estrelas de Macalé & Duda Machado, imortalizado na voz de Gal Costa. Rio sim, mas também posso chorar.


Ronaldo Werneck/13.02.20
(como se fosse ontem, melhor:
século passado/presente)



 

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Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/



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