Ronaldo Werneck
Aquele abraço, RIO
(mas também
posso chorar) |
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chove no rio no rio de janeiro
& em outros campos &
rios de ocasião
chove no rio mas faz sol
sol por inteiro
sol largo & amplo
nos rios de meu coração
Este poema foi publicado em 1999 em
meu livro minas em mim e o mar esse trem azul. Como se vê, sou um
poeta do século passado. Mas que procura estar antenado no presente, cuíca no
futuro. Afinal, como já dizia Ezra Pound, “os poetas são antena a raça”, né
mesmo? Era março de um ano qualquer do século 20 e chovia as chuvas do Tom,
aquelas de março fechando o verão. Mas eu devia estar alegre, quem sabe um
novo amor, quem sabe o eterno amor pelo Rio de Janeiro. Assim o porquê desse
poema que volta aqui e agora inundando de amor o Rio, aquele de janeiro,
fevereiro e março (evoé, Gil!).
E é assim também que revém aqui este
texto que aí vai, exatamente neste momento (re)encontrado. Fala da “Baía do
Rio”, e foi publicado em novembro de 1994 pelo jornal “Baía Viva”, do Governo
do Estado do Rio de Janeiro – Programa de Despoluição da Baía de Guanabara. É
como se o tivesse escrito hoje, tanto o Rio anda precisando de um choque de
“segostol”, de uma injeção de auto-estima. O texto foi realizado a pedido da
editora do jornal, minha querida e carioquíssima amiga Lúcia Martins, e saiu
publicado em página onde apareciam também depoimentos de Ferreira Gullar,
Mário Lago e dos compositores Dicró e Moreira da Silva.
Então, vamos
lá: onde se lê “Rosinha” & quejandos, pode-se ler Crivella, Witzel, Cedae &
Co., que é tudo a mesma “coisa”, ou a mesma... (queria na verdade dizer uma
palavra de cor semelhante à água que sai hoje pelas torneiras cariocas, mas
deixa pra lá). O texto, “novelhíssimo”, começava e se estendia assim como se
vê nos parágrafos que se seguem.
Todo mundo carioca da gema. Ou antes,
da clara. Da clara manhã primeira de não mais se acabar, como eu-mineiro e o
maranhense-Gullar. Dá para perceber meu amor pelo Rio, pelo meu riozinho de
janeiro tão conturbadinho pelas rosinhas (perdão, rocinhas) deste fevereiro.
Indoutro dia-noite na TV, o cineasta Fernando-Cidade-(sem)-Deus-Meirelles, com
todo aquele seu paulistês, dizia que uma das saídas era “incluir”, era a
inclusão social dos drop-outs, dos que vivem/morrem à margem.
Hoje (ou
ainda ontem, dia 12 deste fevereiro), o arrogante ministro Guedes diz que “o
aumento do dólar é bom porque tem muita empregada doméstica indo pra Disney”.
Vê se pode, logo ele que passou ainda há pouco férias por lá. Mas ele pode, né
mesmo? “Basta estar vivo/ pra ser subversivo/ isto é: subservivo” – dizia o
também paulista Cassiano Ricardo, um poeta que cito no texto a seguir. Incluir
ou despoluir? Há controvérsias. Mas é manhã de carnaval. Que de melhor senão
falar de um Rio de muito antigamente – e muito, muito despoluído nesta
manhã-tão-bonita-manhã do Luís Bonfá e do meu carioca-recifense Antônio Maria?
Do Rio que mora no mar do meu coração – e que faz aniversário já-já em
primeiro de março. Aquele abraço.
Cabeças na nuvens, pés nas
águas
Franjas de montanhas se debruçam sobre o mar, o mesmo
mar que vê lá em cima recortes de verde no horizonte que se adensa florestal,
em festa – fresta entreposta em relevo num fundo de sólido azul. Do alto ou de
baixo, nunca tanto mar tanta montanha tanta paisagem tamanha.
“Pensou-se que era um rio/ em janeiro/ mas não/ era a Guanabara/ na manhã já
bem clara” – dizia o poeta paulista Cassiano Ricardo décadas atrás, exatos
quatro séculos da fundação da cidade. Uma cidade que não se diz mas se vê,
plasticidade maior que qualquer símbolo, maior que a palavra, qualquer
palavra, maior, muito maior que a imagem fechada de um postcard, amplitude que
não cabe sequer na velocidade encadeada por sucessivos fotogramas. Paisagem
que explode o close e a panorâmica.
Parodiando Oswald de Andrade, outro
paulista, digo que é de todos os janeiros a cidade deste mineiro que aqui
está, a claricidade por todos nós aceita, eleita, mulher onde se deita,
amante, namorada: “Rio do Sul/Rio do Sol/ Rio do Sal”. Um ícone tropical maior
que tudo que a vista alcança, maior mesmo que a brisa do baiano Castro Alves,
aquela do Brasil, a própria, que beija e balança.
Em 1663, o assombro
estampado nas palavras do Padre Simão de Vasconcelos: “Consta de hua bahia &
de hum reconcavo grandioso, na forma que logo diremos, & tem por nome Rio de
Janeiro... Assombro he das armadas mais fortes chegando de mar em fora a ter
vista de terra, em vez de praias que alegrem, começam a ver apparencias
disformes de rochedos tão altos que sobem às nuvens & espantam os homens...
Quando já vem chegando à barra se vêem levantados de hum & outro lado, quaes
dous gigantes fortes, dous monstruosos corpos de solido penedo, a que chamam
Pães de assucar, que dando com as cabeças nas nuvens, lavam os pés nas agoas”.
Assombro não maior que o do inglês J. C. Fletcher, cujas palavras, de
1851, dizem mais que qualquer imagem criada ao acaso por este poeta mineiro,
este aqui, cada vez mais, e para sempre, enamorado da cidade eleita como
mulher amada: “Vi marinheiros russos dos mais rudes e ignorantes, um
aventureiro australiano imoral, incapaz de qualquer reflexão, juntamente com
europeus refinados e cultos, ficarem mudos, estáticos, no passadiço, acordes
na admiração da colossal avenida de montanhas e ilhas cobertas de palmeiras
que, como pilastras de granito na frente do templo de Luxor, formam a digna
colunata para o pórtico da mais bela baía do mundo”.
É isso. Ou quase.
Como se à noite, passado o derradeiro folião, voltássemos a cantar, a cantar
qualquer coisa, voltasse eu a cantar assim como se “desta janela/ sozinho/
olhar a cidade/me acalma./Rio/mas também posso chorar”. A cantar aquele
Hotel das Estrelas de Macalé & Duda Machado, imortalizado na voz de Gal
Costa. Rio sim, mas também posso chorar.
Ronaldo Werneck/13.02.20 (como se fosse
ontem, melhor: século passado/presente)
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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