Ronaldo Werneck
FELLINI & CCBB
100 ANOS AGORA |
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Federico Fellini (Rimini,
20 janeiro 1920 – Roma, 31 de outubro de 1993), “meu cineasta de cabeceira”,
faria 100 anos no próximo dia 20 de janeiro e o CCBB/Rio apresenta desde o dia
8 deste mês uma grande mostra de seus filmes (a partir do próximo dia 8), em
homenagem a “Il Maestro”. O que me remete a outra mostra sobre o cineasta
realizada pelo CCBB nos anos 1990, onde fui um dos organizadores.
“Alegria que dança/ tutto tutto que em mim/ Rimini-relembrança.// Minas não
mais oprime/ tudo que em mim menino/Rota-rito-Fellini”, escrevia eu há cerca
de dez anos no poema “Rota: Fellini”. Impossível a gente lembrar de um filme
de Fellini sem a música de Nino Rota, essa “dolce & lontana” melodia que surge
de cds que ainda hoje costumam rodar em meu carro pelas noites de Cataguases,
essas ruas de repente transformadas em “minha Rimini”.
Em maio de 1994,
programamos para o Centro Cultural Banco do Brasil/Rio uma retrospectiva em
vídeo, homenageando Federico Fellini e Giulietta Masina ((San Giorgio de
Piano, 22 de fevereiro 1921 – Roma, 23 de março de 1994). Fizemos um folder
com uma montagem fotográfica na capa. Era dali, com uma pequena margarida nas
mãos e aquele olhar patético, chapliniano, que Giulietta saltava de dentro do
imenso chapéu de Federico, como num passe de mágica.
Fiz também um
texto de apresentação, que ilustrei com um jogo espelhado de fotos de
Giulietta dialogando com o vazio em Noites de Cabiria. A cena final de
Cabiria, com o close daquele olhar pungente de Masina, que se transforma num
semi-sorriso, é um dos momentos mais tocantes de toda a história do cinema.
Federico Fellini morreu em Roma, em 31 de outubro de 1993, ao 73 anos, de
ataque cardíaco, um dia depois da celebração dos 50 anos de casamento com
Giulietta Masina. O funeral, no Estúdio 5 de Cinecittà, seu favorito, atraiu
70 mil pessoas. Cinco meses depois, Giulietta faleceu de câncer no pulmão. Na
Roma de 2006, eu tive a oportunidade de visitar Cinecittà, o Istituto Luce e,
confesso que emocionado, também o Estúdio 5, aquele onde Il Maestro Federico
Fellini criava a magia de seu cinema.
Ao começar um filme, Fellini
prendia com percevejos, num painel verde, as fotos dos atores que estariam em
cena. Terminado o filme, arrancava tudo e escrevia no painel: “E agora?”. Pois
é, e agora?
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Íntegra do texto de 1994 sobre Fellini/Masina
CCBB/Rio, 1994 –
Giulietta & Federico: e agora?
Com esta mostra em vídeo o
Centro Cultural Banco do Brasil recupera na memória do público as imagens
oníricas de um dos magos do cinema, talvez o maior deles. Simultaneamente, a
tela estará imantada pela figura ao mesmo tempo frágil e magnética da
atriz-ícone de sua obra. Fellini & Gelsomina & Cabiria & Ginger. Fellini &
Masina. Criador & criatura. Federico & Giulietta. Em entrevista publicada
em Paris (Le Monde, 09.02.90), Federico Fellini dizia evitar cuidadosamente de
ser fazer perguntas, pois era incapaz de encontrar respostas. No início de
cada um de seus filmes, ele prendia com percevejos, num grande painel de
feltro verde, as fotos de todos aqueles que em um dado momento poderiam ter um
papel, mesmo que pequeno, a representar no projeto. Pouco a pouco, essas fotos
invadiam o espaço, se acotovelavam, ficavam sobrepostas, conquistando seu
direito de participação.
Sua vida então era condicionada por essa
grande tapeçaria de rostos, completando um entrelaçamento de figuras,
bilhetes, telegramas, croquis, fragmentos de cenários, notas diversas. No
último dia de trabalho, ele arrancava tudo do painel, machucando os dedos,
esfolando-se com os percevejos. Por um momento, Fellini olhava para o feltro
verde vazio. Depois, como sempre, pegava uma folha em branco e escrevia: “E
agora?”. Sem jamais esquecer a interrogação. Seus filmes não eram
construídos de imagens, mas construção a partir de imagens, dessas imagens que
povoavam seus sonhos, cristalizadas no painel de feltro. A maior delas estava
sem dúvida em sua própria casa, representada pela figura patética e clownesca
de sua mulher, Giulietta Masina. Foi ela quem melhor encarou a persona clown
de Fellini. A imagem franzina e pungente de Giulietta. Seus olhos, os
trejeitos, o andar gauche, a aparência de quem foi colocada ao acaso no mundo.
Giulietta estava ali e nos seus filmes como se estivesse sempre sobrando, à
margem, como num sonho.
Um ano antes da entrevista ao Le Monde, Fellini
havia declarado ao La Repubblica (Roma 02.02.89) o seu fascínio pela atmosfera
cigana, nômade, apesar de ter renegado sua verdadeira vocação — a de diretor
de teatro de comédias de uma trupe mambembe, farsesca. Ele dizia que a única
ambição de seus filmes era a de fazer rir: “Jamais me importei com atores do
tipo Greta Garbo ou Gary Cooper ou Marlene Dietrich, com sua exaltação da
sensualidade. As deusas e os deuses nunca me levaram ao cinema. Os
comediantes, sim. O herói, a paixão amorosa, me são estranhos”. Fellini
confessava que ria e se comovia às lagrimas com os atores cômicos. Com aquela
condição clownesca, circense, do ator que leva um tombo e permanece dentro da
tradição do cômico, para o qual a realidade é totalmente inimiga e lhe causa
constantes e concretas dificuldades. E concluía: “Fazer pensar? Ah, não cabe a
mim. Meu cinema não lhes parece uma arte de fazer rir?”.
“O cinema é
sonho”, afirmava Fellini. “A linguagem do sonho é a do cinema: aparições,
desaparecimentos, elipses de tempo, dilatação do espaço. Por isso, gosto de
Buñuel. Ele é o único cineasta que oferece um cinema que sonha por você”.
Federico Fellini morreu em Roma em outubro do ano passado. Giulietta Masina
não suportou sua ausência. Após 50 anos de casamento, também desapareceu do
set e da vida em março último. “E agora?”. Esta parece ser a eterna pergunta
de um fazedor de sonhos, melhor ainda que Buñuel. Nas mãos, o papel em branco
e um atônito percevejo. Giulietta representava na verdade a soma de todas as
imagens que povoavam o painel verde de Federico. Figuras que se desvanecem no
fim de um fade.
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
https://ronaldowerneck.blogspot.com/
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