Ronaldo Werneck
CHILE EM CHAMAS |
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Outubro de 2019: primavera no Chile. Dias de céu
azul, sol ameno, friozinho agradável e tranquilidade quando lá chegamos, ao
lado de vários poetas, para participar do encontro “Navegando Cielos del
Mundo”. Itinerância por algumas cidades, lançamento de livros, falação de
poemas e palestras. Mas o final do evento marcou também o início das
manifestaciones que iriam reunir mais de um milhão de pessoas em protesto
contra o governo de Sebastián Piñera, que despejou os carabineros e sua
truculência sobre a multidão. Balas de borracha, gás lacrimogêneo. O céu se
enfumaçou: 25 mortos e mais de 200 mutilados. Primavera Chilena ou Árabe?
No início, poemas e paz
Em Santiago do Chile, no dia 15 de outubro
último, nós (minha mulher Patrícia Barbosa e eu) almoçamos no Espacio Cultural
Taller Siglo XX Yolanda Hurtado, no Barrio Bellavista, com seu coordenador, o
poeta e artista visual Leo Lobos: “Saímos daí disparados a seguir rodando/
pelo lado escuro da cidade/ um grupo de rastas fumam pelas beiras/ de um lugar
noturno onde esta noite toca um demônio.// Queimamos as antigas imagens que
tínhamos deles e em pouco/as nossas se fazem cinzas/ que o vento/ leva”. Leo
Lobos já morou no Brasil e é um expert em Hilda Hilst, tendo vertido para o
espanhol várias de suas obras: “As barcas afundadas. Cintilantes./ Sob o rio.
E é assim o poema. Cintilante/ E obscura barca ardendo sob as águas”.
No
almoço, estava também o poeta e crítico literário de El Mercurio de
Valparaiso, Francisco Véjar. No cardápio, política e poesia: os dois chilenos
absolutamente atônitos com o que está acontecendo no Brasil. As bolsonárias
bravatas e barbaridades são agora nosso principal produto de exportação. No
Chile, como logo depois em Lisboa e em Paris, era o que ouvíamos quando se
falava em Brasil. Nos dias seguintes, poemas-entrevista no Programa
Creadores, comandado pelo poeta PaViTo na TV de Rancagua; poemas-palestra na
Casa de la Cultura de Santo Domingo; leitura de um dos poemas de Neruda para
sua amada Matilde, La Chascona, à beira da sepultura dos dois, na Isla Negra;
Encuentro Poético con la Comunidad Escolar de La Escuela Las Canteras de
Huechuraba. O Chile parecia aparentemente calmo durante o 5to. Encuentro
Internacional de Arte y Poesia Navegando Cielos del Mundo, organizado pela
poeta Irem Toal. O encerramento seria na noite de 18 de outubro, no Museo
Histórico Nacional, na Plaza de Armas. É ali que se localiza também o Palácio
de La Moneda, sede do governo chileno.
Manifestaciones
Mas naquela
noite a Plaza de Armas já estava cercada devido aos protestos. De início,
coordenados por estudantes para evitar pagar o metrô, em resposta aos recentes
aumentos de preços. Logo depois os protestos, agora multidão (mais de um
milhão de pessoas, numa cidade cuja população não chega a cinco milhões), se
estenderam pelas ruas de Santiago contra o governo de Sebastián Piñera. O
encerramento do nosso Encuentro acabou transferido para o segundo andar de um
restaurante japonês no Barrio Lastarria. Foi dali, da sacada, que pudemos
registrar o início das“manifestaciones que tomariam todo o Chile até hoje,
apesar da truculência dos carabineros (resquícios dos tempos da ditadura de
Pinochet) despejados pelo presidente Piñera ruas adentro e afora. No dia
seguinte, almoçamos nas proximidades de nosso hotel, no Centro de Santiago, e
vimos a continuidade das manifestaciones, que recrudesciam. Nossa volta foi
uma correria só em busca do hotel, enquanto os carabineros lançavam gás
lacrimogêneo e tiros de borracha, às tontas e indiscriminadamente. Não mais
saímos: Piñera havia decretado um toque de recolher, pela primeira vez desde
1987, no final da ditadura Pinochet.
O que nos impediu de assistir a uma
peça de García Lorca, que seria encenada no Espacio coordenado por meu amigo
Leo Lobos, cancelada por razões óbvias: “Teatro La Memoria suspende su función
hoy em apoyo a las justas demandas sociales y el rechazo a la declaración de
Estado de Emergencia y la presencia de militares em las calles. TAMBIÉN LA
CULTURA ESTÁ EM PELIGRO!”.
No domingo, 20 de outubro, voamos para Lisboa,
onde lancei meu novo livro. Enquanto nosso transfer rodava pelas ruas de
Santiago rumo ao aeroporto, vimos num lento e longo travelling as ruas
castigadas da capital e a população fazendo uma limpeza na medida do possível.
Já em Lisboa, recebo mensagem de Leo Lobos sobre os protestos: “Muy válidos,
amigo. Absolutamente justificados”. Foi só pela TV portuguesa que tivemos
maiores informações sobre as brutalidades cometidas pelo exército chileno.
Parecia que Pinochet estava de volta.
Jânio & Conti
No domingo,
17 de novembro, Jânio de Freitas – com argutas palavras, como sempre –
registrava os acontecimentos no Chile em sua coluna da Folha de S.Paulo: “Fora
as classes altas, os chilenos estão nas ruas, manifestando-se ou combatendo,
por redução das usurpações e das opressões econômicas a que são submetidos. Já
são mais de 25 mortos e mais de 200 com lesões nos olhos, e mesmo cegueira.
Inerte, o que o governo Sebastián Piñera – um dos mais opulentos empresários
do país – tem a propor para a pacificação é um plebiscito em abril, daqui a
cinco meses, sobre uma nova Constituinte. É claro que pensa no esmorecimento
da rebelião, para voltar ao que Paulo Guedes definiu como ´paraíso chileno´.
Explosivo, porém”.
No sábado, 23 de novembro, em sua coluna da mesma Folha
de S.Paulo, Mario Sergio Conti, de uma só vez, remete às fanfarronices do
inacreditável governador Witzel e de cambulhada ao não menos Bolçonário,
aquele cara fora de qualquer dicionário: “A polícia chilena atirou na
cabecinha e cegou dezenas de insatisfeitos, As multidões cantam seus mutilados
e mártires. E os bens de vida zelam para que os pés rapados não se aposentem
nunca, os desempregados sejam taxados e o agronegócio queime a Amazônia: é
cultural, tá oquei?”. No dia seguinte Jânio de Freitas (sempre ele)
acrescentava em sua coluna: “Uma das características mais persistentes em Jair
Bolsonaro, que nem as tem muitas, é a de servir sempre e só a segmentos do seu
pequeno mundo mental. A população, o país como riqueza e futuro, os princípios
gerais e seu sentido na nacionalidade têm, um a um, dimensão excessiva para a
compreensão, e mesmo para a simples percepção de Bolsonaro”. ] Então, fica
assim, tá oquei? Enquanto isso, convido vocês a verem no link a seguir um
vídeo com alguns registros do Encuentro de Poesía Y Arte e do início das
manifestaciones em Santiago do Chile.
https://ronaldowerneck.blogspot.com/2019/11/blog-post_29.html
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
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