Ronaldo Werneck
C DE CATAWOOD |
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C
de Cinema, de Cataguases. No início era a imagem que do verbo se fazia. No
Brasil dos anos 1920 o cinema surgia mudo nas telas do Cine-Theatro Recreio:
fronteira-limite do mundo-Cataguases, pequena cidade do estado de Minas
Gerais. A língua era projeção, cenas que surgiam e se apagavam, e se fixavam
na retina – encadeamento, gramática visual, linguagem. Glauber Rocha, o grande
cineasta do Cinema Novo brasileiro afirmou um dia: “Em Cataguases – quando o
cinema era mudo e o Brasil era ainda mais selvagem – Humberto Mauro realizou
um ciclo cinematográfico, revelando a existência de uma das mais sólidas
tradições específicas de nossa cultura. Seu mundo é a paisagem mineira, e
Mauro seria o único cineasta capaz de filmar Guimarães Rosa e dar no cinema a
mesma dimensão do grande romancista. Humberto Mauro é um cineasta de ontem e
de hoje: é o mais novo dos cineastas do Brasil”.
C do Ciclo de Cinema
de Cataguases naqueles anos 20, que projetou o pioneirismo de Humberto Mauro
(1897-1983). Na aurora do cinema brasileiro, o cineasta realizou na Zona da
Mata de Minas a façanha de rodar cinco filmes em sequência, um a cada ano: o
curta-metragem Valadião, o Cratera (1925), filmado com uma Pathé-Baby 9,5mm; e
quatro longas, já com uma câmera Enerman 35mm – Na Primavera da Vida (1926),
Thesouro Perdido (1927), Braza Dormida (1928) e Sangue Mineiro (1929).
Autodidata, um curioso por excelência, dotado de grande talento, Humberto
Mauro foi um “faz-tudo” nessas fitas e nas demais de sua carreira: roteirista,
fotógrafo, iluminador, ator, montador, diretor. C de Catawood, como Adhemar
Gonzaga, o criador da produtora carioca Cinédia, denominou um dia Cataguases
em carta para Mauro. Na época, com cerca de 16.000 habitantes, a petulante
cidadezinha do interior possuía nada menos que duas “fábricas” de cinema: a
Phebo Brasil Film, comandada por Mauro, e a Atlas-Film, do fotógrafo Pedro
Comello. A aventura do cinematógrafo em Cataguases começara com Mauro e
Comello, mas um desentendimento os separou logo após a estreia de Thesouro
Perdido, levando Comello a fundar a outra produtora.
C de Carmen
Santos, a atriz e produtora portuguesa, que trabalhou com Mauro em Sangue
Mineiro, o último longa do Ciclo de Cataguases – e que teve grande importância
em sua trajetória no Rio de Janeiro. Ao chegar ao Rio no início dos anos 1930,
para trabalhar na Cinédia a convite de Gonzaga, Humberto Mauro – com pouco
mais de 30 anos – era a pessoa que mais entendia de cinema no Brasil: ator,
autor, arauto da sétima arte. No Rio, ele realizou várias fitas para a
Cinédia, outras tantas para a Brazil Vita Film, de Carmen Santos, e inúmeros
documentários para o Instituto Nacional do Cinema Educativo, onde trabalhou
por mais de 30 anos.
C de contra-plongée e contraluz, como Humberto
Mauro gostava de posicionar sua câmera. C de Cantos do Trabalho (1955), um dos
grandes curtas-metragens entre os mais de 300 por ele realizados. C também de
Canto da Saudade (1952), seu último longa-metragem, minha fita preferida do
cineasta, sobre quem já escrevi um longo ensaio-biográfico, publicado em 2009.
C de “Cinema é cachoeira”, como disse um dia Humberto Mauro em frase-emblema
que lhe deu fama. Cinema é cachoeira: plasticidade e movimento, imagem colada
para sempre à figura de Humberto Mauro. C de Cineport, o Festival de Cinema
dos Países de Língua Portuguesa, que teve sua primeira edição em Cataguases,
2005: verbimagem na mesma língua-pátrias. A cidade novamente em tempo de
cinema. Em 2006, o Cineport partiu para Lagos, no Algarve, onde foi realizada
com grande sucesso sua segunda edição. Hoje o Cineport acontece em João
Pessoa, no estado da Paraíba e já são várias as edições realizadas. O Festival
congrega os oito países falantes do português que formam a CPLP-Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa : Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
C de cinema,
ainda e sempre, vocação dessa Cataguases hoje cidade-locação, set de filmagens
onde vêm sendo realizadas nos anos recentes inúmeras produções do moderno
cinema brasileiro: não por acaso, Cataguases é agora sede do Polo Audiovisual
da Zona da Mata. Centro de Cultura, tendo hoje o cinema como bandeira,
Cataguases é carisma, criação. Catarte: Cataguarte.
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
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