Ronaldo Werneck
Leila Livre?
Leila Vive? Viva La Diniz |
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“Meteoro de curso breve, estrela de
rápida cintilação, ela voou veloz nessa vida, estopim de amor, verbo solto e
alegria. Um nome – o que diz? Leila. Leila Diniz. Plena de plumas & palavrões
ela incendiou com sua coragem os incendiários anos 60. Foram muitas as leilas
sem medo forjadas por essa Leila múltipla que explodiu em pleno voo. A vida
que se partiu, estilhaços que se espalham e nos chegam até hoje, os dentes de
coelha num cicio que se solta, a boca, o riso aberto. Leila. Leila Diniz.”
Assim começava um texto que fiz a pedido do “Bigode”, o meu amigo e cineasta
Luiz Carlos Lacerda, para apresentar um evento que ele iria coordenar no
Centro Cultural Banco do Brasil. “Leila Diniz 50 Anos” era uma homenagem à
eterna musa de Ipanema, que estaria fazendo 50 anos naquele 25 de março de
1995. Se viva fosse. Mas viva ela era e ainda é. Leila morreu? Há
controvérsias.
Por que me lembro disso agora? Acho que por ter falado
da Leila inda outra dia com sua filha Janaína – que esteve aqui em Cataguases,
trabalhando na produção do novo filme de seu pai, Ruy Guerra – e me deu uma
saudade dos diabos! Porque em março agora aquele voo às avessas completou 47
anos. “Morre Leila Diniz na explosão de um jato sobre a Índia”: a manchete de
primeira página do Jornal do Brasil de 14 de junho de 1972 nos pegou no
contrapé, assim totalmente de surpresa – e deixou todos os brasileiros
chocados. Não era só a “Musa de Ipanema”, mas agora era a do Brasil, musa que
emudecia.
Chocado mesmo ficou o Bigode, que só soube da notícia um mês
depois, em Londres, ao chegar de Katmandu. Mais terrível ainda para ele, o
último brasileiro a ver Leila viva, no aeroporto de Bangcoc, antes dela
embarcar para Roma e para a morte sobre a Índia. Bigode faria mais tarde, em
1987, um filme definitivo sobre a nossa musa, o longa-metragem Leila Diniz,
com a Louise Cardoso fazendo o papel de Leila, igualzinha, impressionantemente
igualzinha.
Leila livre, Leila vive. Pois é, foi só eu me encontrar
com a Janaína aqui em Cataguases e Leila entrou de novo porta adentro, plena
de vida, palavrões e rebeldia. Ainda em janeiro daquele 1972, meses antes de
sua morte, estivemos juntos algumas vezes, eu ainda meio traumatizado,
recém-saído dos porões do DOI-Codi. Ver Leila era uma forma de aliviar a
tensão, de ir ao encontro da alegria, um desbunde geral. Eu estava de férias –
merecidíssimas, após a prisão – e aparecia sempre nos ensaios do espetáculo
que ela iria fazer, o rebolado Vem de ré que eu estou de primeira.
Sua
filha havia nascido há pouco e, nos intervalos dos ensaios, eu andei levando
algumas vezes a Leila para dar de mamar a Janaína, que ficava com a babá no
apartamento emprestado pelo Tarso de Castro, na Lagoa, entrada do Túnel
Rebouças. Era sempre uma festa. Um curto trajeto, do Leblon ao Túnel, o
suficiente para que todos os motoristas buzinassem assim que a reconheciam,
brincando com sua musa. Leila devolvia as brincadeiras sempre bem-humorada,
sacana que nem ela.
Lembro que o porteiro do prédio do Tarso era
flamenguista, e o nosso time já naquela época andava mal: Leila sempre caía de
gozação em cima dele, como se fosse ela própria um outro porteiro. Carioca
autêntica: simples, simpática, moleca safa & safada. Até hoje, sempre que
entro no Rebouças pela Lagoa, tiro a cartola e... bate outra vez com esperança
o meu coração. Mas Leila não mais aparece. Nunca mais o seu riso claro. Nunca
mais o charme daquelas covinhas realçando seu rosto. Nunquinha. Engraçado
como são as coisas: foi exatamente naquela área do Rio, ali ao lado da Lagoa,
na Igreja de Santa Margarida Maria, que a vi pela primeira vez, num casamento
de algum amigo(a?) comum, anos antes daquele 1972. Leila acabara de filmar
Todas as Mulheres do Mundo e estava com um minivestido rosa e simples, nada
de estrela, apenas mais uma entre as muitas meninas daquele casamento. Qual o
quê! Ela era uma estrela de luz intensa – e brilhava mesmo sem querer. Da
noiva, não me lembro, nem mesmo seu nome. Dela, Leila, não mais me esqueci:
está aqui ainda agora, o minivestido e o maxirriso, rosa e claro e para
sempre. A partir daquela época, passei a denominar aquele lado do Túnel
Rebouças de “Entrada Leila Diniz". E até hoje é assim que falo, com saudade da
Leila para sempre Diniz, como a chamou um dia o Carlos. Qual Carlos? O Carlos,
ora, o nosso poeta maior, o Carlos Drummond de Andrade. Mas vocês também,
hein?!! Puxa, não conhecem ninguém, sô!
Por mais estranho que isso
possa parecer, Leila me lembra igreja – Deus a tenha. Pois foram em igrejas os
nossos dois primeiros encontros. Aquele do casamento na Lagoa e, dois anos
depois o outro, em 1968, quando nós nos trombamos na Igreja de Congonhas do
Campo. Eu voltava para o Rio, vindo de um Festival de Poesia em Divinópolis, e
parei para visitar pela primeira vez os profetas do Aleijadinho.
Para
minha surpresa, dou de cara com a Leila, sozinha, vendo os ex-votos no Largo
da Igreja, como qualquer turista. Que diabos fazia Leila Diniz em frente ao
meu nariz? Leila perdida em Minas, entre Daniel, Habacuc e demais profetas de
menor fama e porte? – Madona de Cedro! – disse a musa sorrindo, os dentinhos
de coelho à mostra, como sempre. Pois é, para meu espanto Leila estava
filmando a Madona de Antônio Callado. E no papel da própria, of course.
A história da mulher brasileira deveria ser dividida em antes e depois de
Leila Diniz. Melhor, antes e depois da explosiva entrevista que Leila deu ao
Pasquim no início dos anos 70. Foi a partir dali que Leila mostrou-se
absolutamente revolucionária, corajosa, desbravadora. Um divisor de águas,
vulcão jorrando seu magma de vida e lições de vida. Com Leila, não havia nunca
controvérsias. Ela era solar e saudavelmente sincera. Solar, aliás, era como
eu a chamava no texto do CCBB, que agora me serve de despedida. À bênção,
Leila.
Um mito o que diz? Leila. Leila Diniz Nunca ninguém tão
garota de Ipanema, mulher-oceano, solar: “Brigam Espanha e Holanda/ Pelos
direitos do mar/ Brigam Espanha e Holanda/ Porque não sabem que o mar/ É de
quem o sabe amar”. Nunca ninguém tão Leila Diniz: “Acho que eu sou um ponto
fixo dentro de mim e um círculo ao redor. Esse ponto fixo é muito sério e as
pessoas não manjam muito. Tem um negócio dentro de mim que é muito importante:
a minha força, a minha verdade, a minha autopreservação”.
Leila de
todos os verbos e verdades, Leila que diz: “Acho que cada um deve fazer o que
lhe faz bem. O importante é amar as pessoas e sentir uma certa felicidade,
apesar da zona ao redor. Não tá vendo que eu sou desafinada, de canela fina, e
sou vedete? É só querer, ter coragem. Acho o palavrão gostoso e é uma coisa
normal. O palavrão virou verdade em mim, e quando as coisas são verdade, as
pessoas aceitam. Só me arrependo do que deixei de fazer por preconceito,
problema e neurose. No fundo, sou uma mulher meiga: queria mesmo é fazer amor
sem parar”.
Para Bigode, seu maior amigo, Leila era uma festa do
interior: andava descalça todos os dias, nadava, bebia, parecia que nunca ia
parar de comemorar a vida. Um mito, o que diz? Leila. Leila Diniz. Leila que
tudo transou sem pecado. O riso claro, cristalino, o biquíni, o mar, a barriga
ao sol. Janaína dentro e já liberta, como se pronta para a vida, no palco.
Janaína já mamando, mamãe-vedete que amamenta sua cria em meio aos spots &
paetês.
Leila é uma e são todas, todas as mulheres do mundo que nela se
encontram e com ela aprenderam a lutar contra todos os preconceitos, como na
frase que ela registrou no verso de uma foto, sua cara marota, moleca,
amarelada pelo tempo: ‘Como eu gostaria de poder andar descalça sempre’. A
Leila cinquentona, o que diz? Talvez o que escreveu para Janaína, em seu
último cartão-postal enviado da Austrália, com direito a canguru com filhote
na bolsa e tudo o mais: ‘Amor, volto logo, e acho que mais bonita e feliz’.
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autor: Ronaldo Werneck
Ronaldo Werneck,
poeta e escritor
MG
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