Ronaldo Werneck
FRUTAS, FACAS, ALFAVACAS
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Na feira livre do Estácio, preso numa roda de bamba, o malandro deu de cara
com três turistas trêbados trauteando tartamudos Città meravigliosa!
cheia de milencantos em meio a frutas, facas, alfavacas, frufru de feirantes e
tutti quanti aliterantes. E súbito acontece uma mulata daquelas, uma que se
dizia Florisbela. Era dia de Carnaval e o malandro fingiu que nem viu sua
cabrocha de fé e moradia a lhe puxar pela camisa em meio a toda aquela
algaravia. Sua velha cabrocha que no compasso do samba de lá dizia: Encontrei
o meu pedaço na avenida de camisa amarela, cantando a Florisbela. Não estava
nada bom o meu pedaço, trauteava a mulatantã. Na verdade estava bem mamado,
bem chumbado, atravessado e foi por aí cambaleando, se acabando num cordão com
o reco-reco na mão.
Era dia de Carnaval quando alguém não se sabe de
onde anunciou Portela! Portela! E o samba trazendo alvorada seu coração
conquistou. Mais ainda: quando nem bem uma esquina dobrou, as portelas pernas
ainda bambas, ele deu com um cara a cantar eu sou o samba, um mulato maneiro a
dizer sou natural aqui do Rio de Janeiro e metendo bronca: em qualquer esquina
eu paro em qualquer botequim eu bebo. E se houver motivo é mais um samba que
eu faço. E podem me prender que eu não mudo de opinião.
Pelo que dizia,
o mulato muitos amigos teria, e era pra lá de popular. Como aqueloutro,
comandando o bloco que lá vinha. O que será que andam combinando no breu das
tocas, que anda nas cabeças anda nas bocas? O que será que estão falando alto
pelos botecos? E vinha de lá um magrelo sem queixo, cigarro caindo da boca:
agora vou mudar minha conduta, vou tratar você com força bruta. O cinema
falado é o grande culpado da transformação dessa gente. Que não tem governo
nem nunca terá. Que não tem vergonha nem nunca terá.
Fecha a cortina
do passado
O que será, eu sei, que o meu peito é lona armada. Circo
vive é de ilusão. Chorei com saudades da Guanabara refulgindo de estrelas
claras longe dessa devastação. Passei pelas praias da Ilha do Governador e
subi São Conrado até o Redentor. Lá no morro Encantado eu pedi Piedade.
Plantei Ramos de Laranjeiras, foi meu Juramento. No Flamengo, Catete, na Lapa
e no Centro. Pois é, pra gente respirar, Brasil, Brasil, tira as flechas do
peito do meu Padroeiro, que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se
salvar.
Eu poderia ficar sempre assim como uma casa sombria. Percorrer
correndo os corredores em silêncio. Mas quero as janelas abrir para que o sol
possa vir iluminar. Muita calma pra pensar e ter tempo pra sonhar. Sim, eu
poderia procurar por dentro a casa, cruzar uma por uma as sete portas, as sete
moradas. Mas eu prefiro abrir as janelas pra que entrem todos os insetos. Da
janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo.
Agora, falando sério,
eu queria não cantar. Meu Rio que não dorme porque não se cansa. Dou um chute
no lirismo, um pega no cachorro e um tiro no sabiá. Não me leve a mal. Me leve
à toa pela última vez ao quiosque, ao Planetário, ao Cais do Porto, ao Paço.
Agora, falando sério, eu queria não mentir. Meu Rio que balança, sorrio, só
Rio. Da janela vê-se o Corcovado. Estrela vulgar a vagar.
Passou este
verão, outros passarão. Eu passo. Mas tenho os olhos tranquilos. Sobre um
pátio abandonado, profetas nos corredores, mortos embaixo da escada. Mas isso
faz muito tempo. E outras palavras já queriam se cantar. De ordem e desordem,
de loucura. O filme quis dizer "Eu sou o samba". A voz do morro rasgou a tela
do cinema. Fecha a cortina do passado. Dessa janela, sozinho, olhar a cidade
me acalma. Rio, e também posso chorar.
Fragmentos do texto “Rio e
também posso chorar”, publicado na Revista RECine, do Festival
Internacional de Cinema de Arquivo (Rio, 2010).
Rio Total, CooJornal 01/04/2019
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