01/11/2024
Ano 27
Número 1.389




 

ARQUIVO

PEDRO FRANCO


 


 

 


Jornais velhos em crônica velha e com dolorosa novidade


Viver em sociedade não é fácil, pois há que dialogar, quando quase todos preferem o monólogo, ainda que não admitam. Já pensaram como políticos honestos, ainda tenho esperança que existam, devem engolir sapos para alcançar vitórias, às vezes pífias. E como tem que aceitar e permitir, mesmo se não estiver totalmente de acordo, para manter um aliado e isto em prol de benefícios maiores adiante. Nada de bolivarianismos no que escrevo! Toda esta história de dificuldades de conviver em sociedade, já foi vasculhada pelo Conselheiro Acácio (personagem hilário de Mestre Eça de Queiroz) e seus seguidores e como os há. Vou fechar mais a lente e chego à casa. Ao lar, doce lar. Não creiam que vá fazer “streaptease” da minha convivência familiar. Falo em geral e com olhos e ouvidos atentos, ao que se passa alhures. É bom ter uma casa bem bagunçada e todos viverem na bagunça? Pode parecer bom, só que depois de algum tempo de bagunça geral ela se complica e vira guerrilha e mesmo guerra, por este ou aquele fato, entre os personagens. Então é bom viver em casa com ordens draconianas, todos batalhando em defesa da ordem e do progresso. Esta locução está na bandeira e não é comum bandeiras exibirem determinações. Viram no que deu! Não houve ordem, o progresso sucumbiu e ficamos sem educação e saúde. Voltemos ao lar perfeitamente organizado, com matriarca, ou patriarca, pagando ordem geral. Talvez possa apontar que o lar bagunça seja de melhor convivência que o draconiano. Organizados em excesso tem ditadores, que determinam procedimentos físicos, morais, gustativos, religiosos, horários e inclinações políticas e até sexuais. Pode não haver chicotes, porém há um conjunto de regras imutáveis e sob todos os aspectos. E tão logo filhotes possam, vão bater asas e, ou, vão organizar casas bagunças, ou pasmem, vão tutorar casa imperativa, ainda que sob novas regras compulsivas. Raramente vão ao lar equilibrado, tipo uma no cravo e outra na ferradura. Estes me parecem os mais democráticos, ainda que alguém de bom senso o presida. Autoridade nada tem com autoritarismo e não faço torpe jogo de palavras. Em situações raras e extremas alguma voz há que prevalecer, muitas vezes por sapiência, que nada tem com a idade dos conviventes. Vamos ao lar do amigo, que frequento e acompanho de perto. Escrevo no dia das mães e nesta santa casa existe matriarca bondosa, acolhedora e terna, que pode comemorar o dia das mães de forma plena. E havia um problema a ser resolvido. O meu amigo, pseudo dono da casa, tende um pouco à bagunça, já que é destes inquietos, que faz mil coisas e no geral se sai bem. Diga-se que não tem o tropismo pela besteira, que vejo muito nos em volta. Faz mil coisas inclusive escrever e, se seu dia tivesse quarenta e oito horas, ainda ficava devendo. Provê financeiramente a casa e só tem vagares no domingo e neste dia quer ler. o que lhe escapou nos jornais passados. Problema, pois, já foram todos ao lixo e, os que não foram, são utilizados em outras funções e estão emprestáveis para ler. Se a matriarca deixar, seu escritório fica que nem se pode entrar, tal a bagunça. O casal se dá bem, são mais de 55 anos de bem casados, filhos e netos. Então foi combinado que dentro de certos e aceitáveis limites o escritório dele não precisa ter a ordem natural, não draconiana, do apartamento. E ele tem um caderno grosso, onde cola o interessante do ano e no Natal dá a um filho. O caderno teve uma finalidade momentânea e por querências se eternizou. Tem artigos, colírios, trechos de livros, coisas que ele escreve. E se zanga porque na confusão dos seus afazeres não pode cortar no dia algo interessante. E eis que reclama. Que droga, perdi uma linda foto da Sabatella, porque não cortei, idem uma charge do Chico, um artigo do Ubaldo (muita pena quando se acabaram as dominicais crônicas e sem substituto à altura). E aquelas preciosidades foram perdidas. Reuniu-se o conselho supremo daquele lar e veio à baila o que ocorre na casa de outro amigo, também organizada. A mulher, que também pode comemorar com todo o merecimento o dia das mães, tão logo o jornal é lido, mesmo no dia da tiragem, vai ao lixo. Tem pavor de jornais lidos, que viram sujeira! Então voltemos ao tal conselho superior de dois. E chegaram à brilhante solução. Os jornais, tirante os anúncios, serão guardados no escritório em lugar próprio, não jogados de qualquer jeito, todos os da semana, com a promessa formal de que no domingo, os mesmos serão revisados e então lixo. Este dia das mães caiu no domingo. A casa é matriz e receberá filhos e netos. E mesmo neste dia de festa, meu amigo retirou o que julgou necessário dos jornais e lá se foi o resto para a lixeira. Problema resolvido e tudo como dantes naquele organizado quartel de Abrantes, onde todos conversam, procuram soluções e não ficam o dia inteiro isolados e com dedinhos digitando e sem vozes, ou olhos nos olhos. E todos têm engenhocas, só que não mudam os hábitos familiares de conversar e encontrar harmonias. Crônica antiga e com dolorosa novidade. Agora só ele manda, ficou só depois de 72 anos de convivência! Está fazendo um complicado inventário e com burocracia onerosa nele (não aguento e coloco burrocracia rapinante); Adamo disse e bem. C´est la vie. Continua e em francês. Não é um paraíso, não é um inferno, diz que é vida dele. Na minha gostaria de entender certas e complicadas coisas sobre a vida e, quem sabe, principalmente sobre a morte. E não me refiro a cremar, ou enterrar. As dúvidas são de outras origens e muito já se escreveu sobre as mesmas. Acredito que sejam mais conjecturas.

Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email pdaf35@gmail.com 



Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral

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