16/08/2023
Ano 26
Número 1.330




 

ARQUIVO

PEDRO FRANCO


 


 

 


Idas a cemitérios

Tenho amigo que encontra paz nos cemitérios. Quando vou, vou por obrigação social e sem prazer algum, goste, ou não do falecido. Há idas sociais para alguns. Talvez vá contrafeito, porque não vejo paz na morte. De fato não sei o que é. E se há motivo para elucubrações, julgo que morte é o principal, já que a vida é vivida, bem ou mal, com culpas ou sem. Quem julgar que traça todos os planos de sua vida e com sucesso em todos eles, é devotado a enganos. Se fosse de inveja, terrível defeito, teria dos que creem e com absoluta certeza. Oremos por eles. Vivem em aleluia. E fui a cemitério, sorumbático como sempre. Volto e troco roupa e sem colocar o terno de casamentos e enterros a lavar. Uma das cuidadoras e em rodízio vivem três conosco, estranha que não ponha a roupa, com que fui ao cemitério, para lavar. Não coloquei e de forma delicada estranhou. Então percebo que há crença e talvez com razão, para colocar estas roupas a lavar. E quanto há de crenças sobre a morte! Tivemos cozinheira, salve Maria, da ala das baianas do Império da Tijuca, que ensinou minha filha a sambar. Três fatos marcantes dessa figura impar em nossas vidas. Era casada com um português, que tinha a alcunha de Quincas das Sete Maminhas. O porquê das maminhas e logo sete, não sei. E os dois tiveram filhos brancos, pretos e mulatos e que conviviam muito bem. Se conheci o Quincas? Infelizmente não, ainda que tenha, com mulher e filhos, subido o Morro da Formiga para almoçar na casa da Maria. E muitos do morro vieram nos conhecer. Não acredita que subimos o morro da Formiga? Tem bem o fato cinquenta anos e fomos sem qualquer preocupação, exceto cair na subida, ou na descida. Foi tarde muito agradável e como Maria cozinhava bem. Maria deve ter morrido, pois de repente não mais nos procurou, pois, aposentada pelos filhos, pelos fins de ano nos telefonava. E Maria nos contava como eram os velórios no morro. Havia comes e bebes tradicionais e histórias do falecido, ou falecida. Vou catar crônica, escrita sobre estes velórios no morro. Acredito que hoje não mais ocorrem, ainda que a morte ronde o morro mais que antes. De cemitérios fui a velórios e de fato não pus roupa a lavar ao voltar do cemitério, para espanto de uma das cuidadoras. Contrariar costumes e em relação à morte, costumam marcar transgressores, no caso eu. E se falei em morro, confesso que muito uso frase de “Chão e Estrelas” (Orestes Barbosa e Sílvio Caldas e não foi a frase decantada por Manuel Bandeira). Destaco “a lua, furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão”. Magnífico poeta Mestre Orestes. Só que tenho pensado nos morros cariocas infelizmente de outra forma. “As balas, furando nosso zinco, salpicavam de sangue nosso chão”. Eta transformação hedionda! Para fechar com amenidade e ainda indo ao fim de cada um. Se falei de Orestes, vou a Billy Blanco. E de propósito não vou citar frase completa da “A banca do distinto”, genial letra, ainda não havia cremação e é hino tão importante contra a soberba, que devia ser cantada no pátio das escolas e perante a Ordem e Progresso. Há se muitos a esquecessem e pensassem nos necessitados e que morrem antes do que deviam. E se falei em morte, como não escolher se vou ao fogo, ou deixo bichinhos se banquetearem? Se for por cremação, que se deixe por escrito e até já li que parente tem que estar de acordo. Escolha complicada e tudo, que se reporta a morte, é. 


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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral

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