Idas a cemitérios |
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Tenho amigo que encontra paz nos cemitérios. Quando
vou, vou por obrigação social e sem prazer algum, goste, ou não do falecido.
Há idas sociais para alguns. Talvez vá contrafeito, porque não vejo paz na
morte. De fato não sei o que é. E se há motivo para elucubrações, julgo que
morte é o principal, já que a vida é vivida, bem ou mal, com culpas ou sem.
Quem julgar que traça todos os planos de sua vida e com sucesso em todos eles,
é devotado a enganos. Se fosse de inveja, terrível defeito, teria dos que
creem e com absoluta certeza. Oremos por eles. Vivem em aleluia. E fui a
cemitério, sorumbático como sempre. Volto e troco roupa e sem colocar o terno
de casamentos e enterros a lavar. Uma das cuidadoras e em rodízio vivem três
conosco, estranha que não ponha a roupa, com que fui ao cemitério, para lavar.
Não coloquei e de forma delicada estranhou. Então percebo que há crença e
talvez com razão, para colocar estas roupas a lavar. E quanto há de crenças
sobre a morte! Tivemos cozinheira, salve Maria, da ala das baianas do Império
da Tijuca, que ensinou minha filha a sambar. Três fatos marcantes dessa figura
impar em nossas vidas. Era casada com um português, que tinha a alcunha de
Quincas das Sete Maminhas. O porquê das maminhas e logo sete, não sei. E os
dois tiveram filhos brancos, pretos e mulatos e que conviviam muito bem. Se
conheci o Quincas? Infelizmente não, ainda que tenha, com mulher e filhos,
subido o Morro da Formiga para almoçar na casa da Maria. E muitos do morro
vieram nos conhecer. Não acredita que subimos o morro da Formiga? Tem bem o
fato cinquenta anos e fomos sem qualquer preocupação, exceto cair na subida,
ou na descida. Foi tarde muito agradável e como Maria cozinhava bem. Maria
deve ter morrido, pois de repente não mais nos procurou, pois, aposentada
pelos filhos, pelos fins de ano nos telefonava. E Maria nos contava como eram
os velórios no morro. Havia comes e bebes tradicionais e histórias do
falecido, ou falecida. Vou catar crônica, escrita sobre estes velórios no
morro. Acredito que hoje não mais ocorrem, ainda que a morte ronde o morro
mais que antes. De cemitérios fui a velórios e de fato não pus roupa a lavar
ao voltar do cemitério, para espanto de uma das cuidadoras. Contrariar
costumes e em relação à morte, costumam marcar transgressores, no caso eu. E
se falei em morro, confesso que muito uso frase de “Chão e Estrelas” (Orestes
Barbosa e Sílvio Caldas e não foi a frase decantada por Manuel Bandeira).
Destaco “a lua, furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão”.
Magnífico poeta Mestre Orestes. Só que tenho pensado nos morros cariocas
infelizmente de outra forma. “As balas, furando nosso zinco, salpicavam de
sangue nosso chão”. Eta transformação hedionda! Para fechar com amenidade e
ainda indo ao fim de cada um. Se falei de Orestes, vou a Billy Blanco. E de
propósito não vou citar frase completa da “A banca do distinto”, genial letra,
ainda não havia cremação e é hino tão importante contra a soberba, que devia
ser cantada no pátio das escolas e perante a Ordem e Progresso. Há se muitos a
esquecessem e pensassem nos necessitados e que morrem antes do que deviam. E
se falei em morte, como não escolher se vou ao fogo, ou deixo bichinhos se
banquetearem? Se for por cremação, que se deixe por escrito e até já li que
parente tem que estar de acordo. Escolha complicada e tudo, que se reporta a
morte, é.
Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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