16/07/2023
Ano 25
Número 1.326




 

ARQUIVO

PEDRO FRANCO


 


 

 


Crônica com ruído de porteira

Em maioria, quem escreve tem alvo, o leitor. E hoje resolvi escrever crônica para mim. Reminiscências. Por que esta inversão? Não é que me bateu lembranças de ruído da porteira fechando. Tentando imitar ruído e ficando longe, era um “coiiiin”, pelo menos a porteira que rangia no sítio, que não era o do Picapau Amarelo, parecia falar assim. Era em Pedro do Rio e o sítio desembocava na Estrada União Indústria. Nos tempos de Washington Luiz, esse presidente dizia, governar o Brasil é construir estradas. Outro julgou que dirigir o Brasil era mudar capital e acabar com ferrovias. Volto à porteira e à crônica para mim. Bom ruído eram também os ruídos dos carros de boi. “Reda” de banda Malhado! ´Quenta” Estrela! Cabiúna! Esse era o carreiro, que aboiava. Quieto Tupi. E as rodas do carro de boi com ruído próprio e apaziguante avisam, 'tou chegando'. Não pense na guiada ou vara do ferrão que o carreiro usava para dirigir o carro e conduzir os bois. Ia trepado em pé no carro. As mãos, que adestrava a guiada, não queriam ferir bois e sim ser obedecidas. Sabiam que machucar animais das parelhas, era diminuir força de trabalho. Estes bois eram bem alimentados e cuidados. Não eram de receber combustível e sim capim, sal e ração, para dar tração ao carro de boi. Havia carros que tinham um candeeiro, menino que ia a frente dos bois e que menino de cidade não quis ser candeeiro, ainda que os próprios não mostrassem muita alegria na função. Música afirma que carro de boi, que não geme, não é bom (do cancioneiro popular). Carro de boi, bom é o gemedor. Era de ver vaca prenhe, buscando capim no cocho; animal pacífico, bonacheirão e compenetrado, tipo 'tamos ai e na paz'. Aleluia. E tinha a Folia de Reis, que batia em portas fechadas e avisando “Abre a porta, gente pobre”. E Tim Maia cantou a “Festa dos Santos Reis” de Ivan Vasconcelos, que vale ouvir. Eles comiam tudo e levavam até os bodes. Olhe, se cavalos me encantaram e como, idem cachorros da roça, muito gostei de passarinhos (canários da terra e coleirinhos e até os prendia em gaiolas, confesso). Lindos e cantantes! Já bodes, cabras, cabritos e até cordeiros nunca me disseram nada. Preferia até os bagres, que pescava no Piabanha e colocava no tanque dos cavalos. Moçada, peguei bicho de pé na cocheira, que mamãe tirava com agulha flambada e nunca infeccionou; E comi muita cana de arrebentar dentes. Andava com foicinha e até tive filhote de siriema e metia carne pelo bico. Ficava de noite em cercadinho e me roubaram. Coisas ainda do sítio de Pedro do Rio, onde tive um misto de cavalo percheron, aquele das patas grandes e peludas com égua da roça, Meu cavalo matou até bezerro e tive que pagar. Dei-lhe o nome de Valdemar, tipo que fazia sucesso nas rádios. Eu tirava leite de vaca e quentinho o bebia em grandes copos. Faz mal, hoje sei, não sabia e muito bebi leite assim. Gostoso! Saudades sim. As lembranças vieram por causa do ruído da porteira, barulho ameno, que poucos ouvem, ou ouviram. Do Ipiranga às margens plácidas se ouve nos campos de futebol. Acredito que não mais cantem nos pátios das escolas. Por falar em escola, era aluno da Escola Duque de Caxias no Grajaú. Dona Iracema Campos, querida professora. E fui conhecer a escola de Pedro do Rio e de visita. Estávamos por volta de 1944, eu com nove anos. E espantado vi que a Escola de Pedro do Rio, ao lado da igreja e tendo no fundo o sujo Piabanha, tinha uma professora, só o turno da manhã, uma sala e com as cinco séries aprendendo ao mesmo tempo. Pode? Podia. Pobre professora, pobres alunos! As amargas não, que o canto do carro de boi e o aboio do carreiro podem ser ruídos antigos, sons amenos e encantavam crianças. Uma vez peguei carona num deles, pés pendurado para fora no fundo da carroça sem toldo, Depois tomei café adoçado com caldo de cana.


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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral

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