Crônica com ruído de porteira |
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Em maioria,
quem escreve tem alvo, o leitor. E hoje resolvi escrever crônica para mim.
Reminiscências. Por que esta inversão? Não é que me bateu lembranças de ruído
da porteira fechando. Tentando imitar ruído e ficando longe, era um “coiiiin”,
pelo menos a porteira que rangia no sítio, que não era o do Picapau Amarelo,
parecia falar assim. Era em Pedro do Rio e o sítio desembocava na Estrada
União Indústria. Nos tempos de Washington Luiz, esse presidente dizia, governar
o Brasil é construir estradas. Outro julgou que dirigir o Brasil era mudar
capital e acabar com ferrovias. Volto à porteira e à crônica para mim. Bom
ruído eram também os ruídos dos carros de boi. “Reda” de banda Malhado!
´Quenta” Estrela! Cabiúna! Esse era o carreiro, que aboiava. Quieto Tupi. E as
rodas do carro de boi com ruído próprio e apaziguante avisam, 'tou chegando'.
Não pense na guiada ou vara do ferrão que o carreiro usava para dirigir o
carro e conduzir os bois. Ia trepado em pé no carro. As mãos, que adestrava a
guiada, não queriam ferir bois e sim ser obedecidas. Sabiam que machucar
animais das parelhas, era diminuir força de trabalho. Estes bois eram bem
alimentados e cuidados. Não eram de receber combustível e sim capim, sal e
ração, para dar tração ao carro de boi. Havia carros que tinham um candeeiro,
menino que ia a frente dos bois e que menino de cidade não quis ser candeeiro,
ainda que os próprios não mostrassem muita alegria na função. Música afirma
que carro de boi, que não geme, não é bom (do cancioneiro popular). Carro de
boi, bom é o gemedor. Era de ver vaca prenhe, buscando capim no cocho; animal
pacífico, bonacheirão e compenetrado, tipo 'tamos ai e na paz'. Aleluia. E
tinha a Folia de Reis, que batia em portas fechadas e avisando “Abre a porta,
gente pobre”. E Tim Maia cantou a “Festa dos Santos Reis” de Ivan Vasconcelos,
que vale ouvir. Eles comiam tudo e levavam até os bodes. Olhe, se cavalos me
encantaram e como, idem cachorros da roça, muito gostei de passarinhos
(canários da terra e coleirinhos e até os prendia em gaiolas, confesso).
Lindos e cantantes! Já bodes, cabras, cabritos e até cordeiros nunca me
disseram nada. Preferia até os bagres, que pescava no Piabanha e colocava no
tanque dos cavalos. Moçada, peguei bicho de pé na cocheira, que mamãe tirava
com agulha flambada e nunca infeccionou; E comi muita cana de arrebentar
dentes. Andava com foicinha e até tive filhote de siriema e metia carne pelo
bico. Ficava de noite em cercadinho e me roubaram. Coisas ainda do sítio de
Pedro do Rio, onde tive um misto de cavalo percheron, aquele das patas grandes
e peludas com égua da roça, Meu cavalo matou até bezerro e tive que pagar.
Dei-lhe o nome de Valdemar, tipo que fazia sucesso nas rádios. Eu tirava leite
de vaca e quentinho o bebia em grandes copos. Faz mal, hoje sei, não sabia e
muito bebi leite assim. Gostoso! Saudades sim. As lembranças vieram por causa
do ruído da porteira, barulho ameno, que poucos ouvem, ou ouviram. Do Ipiranga
às margens plácidas se ouve nos campos de futebol. Acredito que não mais
cantem nos pátios das escolas. Por falar em escola, era aluno da Escola Duque
de Caxias no Grajaú. Dona Iracema Campos, querida professora. E fui conhecer a
escola de Pedro do Rio e de visita. Estávamos por volta de 1944, eu com nove
anos. E espantado vi que a Escola de Pedro do Rio, ao lado da igreja e tendo
no fundo o sujo Piabanha, tinha uma professora, só o turno da manhã, uma sala
e com as cinco séries aprendendo ao mesmo tempo. Pode? Podia. Pobre
professora, pobres alunos! As amargas não, que o canto do carro de boi e o
aboio do carreiro podem ser ruídos antigos, sons amenos e encantavam crianças.
Uma vez peguei carona num deles, pés pendurado para fora no fundo da carroça
sem toldo, Depois tomei café adoçado com caldo de cana.
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pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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