Drummond, Daniele Camões e o telefonema matinal |
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Há
poesia de Drummond que fala em pedra no caminho. Muito bem saudada por todos e
mais ainda pela esquerda. Muitas interpretações sobre a pedra ocorreram e
tantas que o Mestre em poesia veio explicar a pedra. Tinha crônica a entregar.
Assunto não vinha. Era a pedra no caminho. Logicamente CD de A não ia escrever
uma crônica qualquer, daí suas dificuldades. Para cronista comum assuntos é
que não faltam. E, enfrentado até os do politicamente correto, vou a assunto
lido nos jornais de hoje e vai versar sobre tatuagens. Se gosto de tatuagens,
ou as fiz, não. Já vi raras e pequenas de bom gosto. Já olhei e espantado, por
exemplo, braços onde não divisei pele. A primeira que vi de perto foi em 1957,
dissecando cadáver na Cadeira de Anatomia Descritiva da Escola de Medicina e
Cirurgia, hoje da UNI-RIO. Disseram-me que devia pela tatuagem ser de
marinheiro. No tórax tatuado e com seta “Amor de mãe”. Meus respeitosos
agradecimentos ao dono do cadáver, que canhestramente dissequei. Então de
regra não gosto de tatuagens, ainda que nada tenha contra quem as faz. Querido
neto fez e com questão de mostrar. O que fiz? Ri. Sempre julguei que cada um,
se não lesa outro, pode viver e fazer o de sua vontade. E quem é Daniele
Camões? Fez tatuagem que aplaudo e com nomes. Por falar em nomes. Maria vivia
com Paulo. Tatuou Paulo no braço esquerdo. Tirar tatuagem é complicado. Largou
Paulo e casou com João. Que coisa desagradável. Tatuou João no braço direito,
pensando em amor eterno. Gostava de Vinicius de Morais em relação à eternidade
do amor, enquanto dura. E se divorciou de João e conheceu um Emiliano. E
resolveu tatuar Vinicius de Moraes e com flor a cores. Não sei lhe dizer, o
que Emiliano julgou. Tive cliente que tinha no tornozelo uma delicada
tatuagem. Duas patinhas. Ela, a mãe e a avó perderam cão muito querido e
combinaram em homenagem as três irem às patinhas tatuadas. Não é que goste.i
Escrevo, escrevo e não chego às tatuagens de Daniele, que O Globo de hoje
destacou, 06 de novembro de 2022. Daniele caiu, podia morrer, passou por
várias operações, sofreu muito e a equipe médica conseguiu salvá-la. Em
agradecimento tatuou o nome dos médicos na perna salva. Como não agradecer em
nome de todos os aprendizes de serra ossos a tatuagem? Era assim que Mestre
Charles Dickens chamava jocosamente os da classe médica. Conto que anteontem,
já acordado e me preparando para ir ao consultório, ato que tem 59 anos,
quando recebo telefonema, às 6h45. Ligação ruim. Interlocutora portuguesa
com certeza. O Doutor está vivo? Estou. Graças a Deus. Hoje pela manhã ia
tomar o remédio, que o Doutor me receitou há muitos e muitos anos atrás. Me
lembrei do Doutor e fico muito feliz em saber vivo. Muito obrigado, pareceu-me
chorosa e a ligação caiu. Não deu para saber quem era, não houve tatuagem, só
que Dona Maria Rosa, ou Maria Therezinha, ou Adélia Maria, muito obrigado pela
ligação. Valeu e da mesma forma como registrei a tatuagem de Daniele. O
telefonema não é imaginação de cronista, para terminar crônica de forma
diferente. Ocorreu e o dia estava ganho, 04/11/2022.
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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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