16/07/2022
Ano 25
Número 1.280





 

ARQUIVO

PEDRO FRANCO


 


 

 


Tempos dos avós

Deploro quem infelizmente não tem histórias de avós para contar. Tenho e não preciso espremer a cachola para contar algo. E teria tanta coisa a contar, que ultrapassaria o limite de crônica. Vamos a notas apenas. Convivi com três dos meus avós e muito com meus três netos. Do avô paterno não tenho lembranças, ainda que tivesse morrido depois de eu nascer. Tenho medo que o fato se repita com meu bisneto... Só que Vovô Pedro tem histórias. Calor danado e um vendedor, com fisionomia cansada e muito suado, apregoava melancias. Vovô Pedro pergunta. Quanto custa? E vendedor dá preço de uma melancia. Está muito quente e você está muito cansado. Dê preço de todas as melancias. E vovô saiu distribuindo as verdes por fora e vermelhas por dentro para os amigos. Sou Pedro Diniz, pois um avô se chamava Pedro Affonso de Araujo Franco e o outro Diniz Affonso Rodrigues da Silva Junior e me parece que escapei de ser Affonso e de saída minhas escusas aos Afonsos pelo comentário e também me desculpe o politicamente correto. Meu avô Diniz por tudo e por seus exemplos é meu paradigma de vida e tomara ter conseguido algo, feito ele. Sobre ele não entro em pormenores, pois já lhe dediquei opúsculo e conto apenas que velho jogava comigo pela, um “squash” de tempos antigos. Sempre me ganhava. Vovó Neném era surda e assim os filhos sempre recorriam ao pai. Ela era Flamengo e fazia pequenas músicas. Minha mãe, sua filha, cantava algumas e entre elas. Fla Fla Fla Fla Flu, é joguinho de compadres e no fim dá sururu p´rá chuchu. Do Vovô Diniz guardo o gosto pelos sorvetes e minha nora Eugenie faz um de tapioca, que lamento Vovó não ter provado. Voltando ao lado paterno, quando perguntaram ao Vovô Pedro, onde estava sua mulher, de apelido Santa, avisava. Santa está no oratório, não mais tendo quem aperrear, está aperreando os santos. Tive tio que ficou noivo por 25 anos e foi dar notícia do casamento à mãe, que ira se casar. Resposta de Vovó Santa. Meu filho p´ra que tanta pressa? Vovó Santa tinha um jeito peculiar de atravessar ruas. Entregava-se à Nossa Senhora e avançava. E nunca foi atropelada. Estava sempre de preto e usava pó se arroz. Chamava-me de meu mimoso. Imagine o medo que tinha, que algum dos colegas de rua ouvisse. Imagine Pedro Karabina virar Mimoso! Quando estava doente, gripado, ou com alguma DCI, era alegria ouvir o toque toque dos saltos altos da Vovó Neném, no cimento que dava entrada à casa. Era tarde de histórias e amenidades. Com meus netos, agora crescidos, acredito que tenha lhes deixado histórias para contar, ainda que os tempos tenham mudado muito e nas correrias do progresso não sobrará muito tempo para contar triviais casos de avós. Minha neta Mariana, que foi minha aluna de Medicina, quanto tinha lá seus oito anos, definiu-me. Vovô Pedro é zangado, mas é bonzinho. Será que o Guilherme, lembrará do seu bisavô Pedro? Duvido que com ele vá ser zangado.


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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral

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