Tempos românticos e até serenata
|
|
Queiram ou não o
romantismo murchou. E vão dizer que o romantismo encobria muita hipocrisia.
Até que concordo, só que, se não houvesse falsidade, era muito bom ser
romântico e encontrar parceira romântica. E atos, hoje ditos cafonas, foram
muito usados e aplaudidos. Segui a cartilha romântica ao pé da letra? Não,
pois se seguisse cartilha, perderia espontaneidade. Cito logo ação que nunca
fiz, que achava forçada. Sair correndo da direção do automóvel e abrir porta
para ela. Mandar flores, mandei, fiz poesia, modesta como arte poética, só que
carregada de sentimento. Não íamos ao tango, que era exibição, só que dançar
um bolero, ou determinados sambas dolentes... E tínhamos músicas. E a primeira
que dançamos foi Que saudades da Amélia (de Ataulfo Alves). Orquestra de
Oswaldo Borba, Clube Ginásio Português. E Amélia não era música romântica,
Tínhamos dezessete anos e queríamos danças logo e se tocasse Mamãe eu quero,
teríamos dançado também. Tudo conosco acontecia em setembro e nossa música
ficou “September Song” (Kurt Weill e Maxwell Anderson). Tenho primos que a
deles era “Only you” com The Platters. Amigo tem “Viola enluarada” para o
casal. E todos tinham música? Eram raros. Os românticos, quando os romances se
rompiam, qual tatuagens de nomes, músicas ficavam dolorosas. Por sorte nossa,
à época, tatuagem era coisa de marinheiro ou mariposa. Por favor,
politicamente correto não veja preconceito, já que conto conceito de sessenta
anos atrás. O primeiro cadáver que dissequei e os corpos eram de indigentes,
tinha tatuado, no peito, amor de mãe. Marilene tatuou Paulinho, brigaram e o
Paulinho, tatuagem, ficou nas costas dela, para raiva do marido, que se
chamava Euzébio. E na praia, ela de biquíni, perguntavam à Rosa, quem é
Paulinho. Euzébio gritou ao vendedor ambulante. Salta um espetinho de camarão
com uma ceva gelada, seguidos de mergulho, para esfriar a cabeça. E muito
romântico amou não românticas e vice-versa e lhes ficou um romantismo capenga.
Tenho conhecido do meu time de românticos, que nada tem com os Românticos de
Cuba, que conta que após deixar a namorada e namoros não passavam das dez
horas da noite e sempre sob marcação cerrada da família visitada, voltava para
casa, inebriado e cheirando as mãos, que as delas eram perfumadas, Ah, o
primeiro pegar na mão ficou marcado. Nem me falem no primeiro beijo. E havia
brigas, tolas brigas e românticos costumam ser mais ciumentos! E havia os
retornos e novas juras, novos encantamentos e chegavam às luas de mel, tão
acalentadas e queridas. Ficavam esses dias guardados nas memórias em
escaninhos de brilhantes. E velhos, de quando em quando, se as memórias
permitem, vão ao escaninho e lá está a glória, ainda que ela possa se chamar
Maria, usando Fleur de Rocaille e bela, mais que isto, única e pelos séculos
dos dois. Amem. E como a nossa bossa nova foi romântica e sem os exageros da
boa música popular brasileira de antes, ainda que essa tenha deixado joias e
só preciso de dois exemplos magníficos, “A deusa da minha rua” (J- Faraj e
Newton Teixeira) e a emblemática “Chão de estrelas” (Orestes Barbosa e Sylvio
Caldas), Enfim chega de saudade, ou até pensei que fosse minha e houve época
que os românticos Roberto e Erasmo Carlos foram apodados de bregas, ainda que
o cachorro tenha sorrido, latindo em letra primorosa dos dois Carlos. E ainda
que tenha composto serenata, não a cantei para ela. Explico-me, estávamos
brigados, tínhamos dezessete anos e fecho a crônica com a serenata. Ela na
sacada do apartamento, que de implicância não tinha sacada, e eu me esgoelando
embaixo, que a homenageada morava no sétimo andar. Este ato, por sorte, ficou
só na vontade.
Serenata, Parte I. Meu travesseiro está molhado/ como o
chão todo orvalhado./ Porque no céu há também/um astro desesperado/ que passa
as noites magoado/ chorando por um alguém. Parte II. Meus dias são de
agonia, as noites de vigia/ cansado de tanto sofrer/ Peço a Deus ajoelhado/
que me faça ser amado/ ou que eu consiga esquecer.
Eta amorzão!
Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
Direitos reservados. É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação
eletrônico ou impresso sem autorização do autor.
|