A crônica tem que sair
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Tenho lido que certos cronistas
arrepiaram carreira por não terem crônica pronta nas datas aprazadas. Vão
passando os dias e ideias aceitáveis não chegam. E editores ficam indóceis e
os cronistas se afligem. Mestre Drummond de Andrade, diante deste impasse para
escrito e com data marcada, escreveu o poema da pedra no caminho. Tantas
interpretações teve a referida pedra, algumas metafísicas e esdrúxulas, que o
poeta veio a público e irritado avisou que a pedra no caminho, a dele, era a
falta de assunto para determinado escrito, cujo mote não lhe vinha. Do
cachoeirense e príncipe da crônica brasileira, para mim rei, Rubem Braga,
diziam os críticos que suas melhores crônicas nasciam de uma ocasional falta
de assunto. E de crônicas viravam obras, vejam “Ai de ti Copacabana”. E sobre
o ótimo Fernando Sabinoocorriam reclamações que com tanto gênio só escrevia
biscoitos e Sabino aduzia biscoitos finos. De quem escreveu “O instante
perdido” se pode reclamar algo em Literatura? É manjar para quem gosta de um
bom romance. Sabino fez romance além de biscoitos finos, suas crônicas.
Acredito que crônicas podem ser obras e perpétuas e dei e darei exemplos. Que
tal recordar o que Eça de Queiroz escreveu em 1871, sobre o Portugal daquele
tempo.Vide. “O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes
estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A
prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que
não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se
respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na
honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe
média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na
miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado
é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A
certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a
parte: o país está perdido!”Copydesk, por favor, mantenha o Português dos
tempos de Eça. A crônica saiu no primeiro número de “As Farpas”, publicação
que teve com seu amigo Ramalho Ortigão. Não parece que foi escrita hoje e no
Brasil? E não me posso furtar ao prazer de relembrar o mundo Itaparica de João
Ubaldo de Oliveira, publicado em O Globo dos domingos. Lembram-se de
Zecamunista e seus conviventes? Que pena ires, oh Mestre Ubaldo. Ou vale
lembrar as crônicas de Álvaro Moreyra, que também escreveu “As amargas não”. A
Joaquim Ferreira dos Santos, ainda na ativa e bem, devo favor. Ensinou-me a
cortar centenas de mas dos meus textos, mas não todos. E volto ao perrengue do
início da crônica. Ter que escrevê-la, o prazo definitivo vai chegando e cadê
a ideia? Consciente, subconsciente, ego e alterego nada ajudam na pescaria do
enredo. Alguns premidos e imprensados pelos prazos largam a crônica e de modo
perene. Não terá o cronista, que nos escapa, um baú, se não de crônicas pelo
menos de ideias em dia de avalanche de temas? Crie e vá então ao baú no
momento aziago. Boa sorte e continue cronista e com conversas com leitores
interessados. Sempre vale!
Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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