Realejos
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Realejo. Dicionário. Palavra que designa diversos instrumentos musicais
movidos por uma manivela. O tipo mais comum é o barril, ou piano, órgão
portátil usado pelo músico de rua. Esse instrumento consiste em uma caixa que
contém foles, tubos ou palhetas de metal e um rolo ou cilindro no qual estão
adaptados alguns registros. Quando o tocador aciona o cilindro por meio da
manivela, os registros abrem as válvulas de determinados tubos, o ar penetra
neles e produz música. Antes que tudo Mário Quintana, que sempre é ótimo
para começar.
Canção de outono
O outono toca realejo No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma, Sob a vidraça descida…
Tristeza?
Encanto? Desejo? Como é possível sabê-lo? Um gozo incerto e dorido de
carícia a contrapelo…
Partir, ó alma, que dizes? Colher as horas, em
suma… mas os caminhos do Outono Vão dar em parte alguma.
Tenho
nostálgica preferência por músicas dos realejos. Se ouvi muitos realejos, nem
sei. A malvada da velhice deixa dúvidas. Vivi, ou quis viver realejos e então
vivi. Minha memória afetiva vai mais em função de “Velho realejo”, música de
Custódio Mesquita e Sadi Cabral, do que propriamente ouvir o terno e
rudimentar instrumento. Os dois autores foram fundo e incrivelmente mais, sob
o ângulo estritamente poético, que a ótima “Realejo” de Chico Buarque. A dupla
Mesquita/Cabral para mim foi a ponto que me marcou em relação ao instrumento e
à sua melancolia. “No velho bairro afastado, em que crianças vivias, a remoer
melodia, numa ternura sem par. Passava todas as tarde..” Do Chico temos .
“Estou vendendo um realejo” e três vezes “Que vai comprar.” A poesia vinha a
seguir no resto da letra. E realejos não ficaram só em ternuras e “O
macaquinho do realejo”, composição de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, foi
ao Carnaval na voz de Linda Batista e fez sucesso. “O macaquinho do realejo só
tira sorte pr'a quem ele quer, fica danado quando vê barbado e assanhado
quando vê mulher”. Então viva o macaquinho, mostrando extremo bom gosto, ainda
que nem sei se o politicamente correto aceitasse as preferências do trêfego
animal. Será que chamar o macaquinho de trêfego é “bullying”? E por enquanto
deixemos a terna música dos realejos e caiamos na poesia Realejo, poesia de
Mário Machado. O autor começa com doze macaquinhos e sua filha. Depois fica um
no realejo, animando a filha. Tenta dourar a pílula e com sabedoria poética,
ainda que de forma crítica, bem encoberta, mostras as dificuldades da vida do
macaquinho, a fome e tem que trabalhar, enfim existência difícil e vai até a
morte por maus tratos. Mentiu o autor? Creio que não. Contudo na vida, se não
podemos excluir malfeitos e como os há, podemos escolher os lances mais amenos
e, por exemplo, fixarmo-nos na poesia de Custódio Mesquita/Sadi Cabral, ou na
do Chico Buarque, ou ir carnavalescamente às sortes do macaquinho. Se não
pudermos influir naquele momento, que se deixe a poesia florir e encantar. A
letra do “O velho realejo” era, é, tão bem feita, que letra e acordes se
completam e parece que na minha tarde pandêmica neste pseudo inverno carioca,
vou ser chamado à janela e entre as altas figueiras do Grajaú, na calçada,
passa um tocador de realejo. E o que ouço é Orlando Silva (nos bons
tempos).cantando. “Naquele bairro afastado, em que crianças vivias..“ E quem
vivia longe e ouvia realejo está comigo na janela e, embevecidos, ouvimos “a
remoer melodias de uma ternura sem par...”Estaríamos entretidos com nossos
sonhos e nem ouviríamos o “depois tu partistes, ficou triste a rua deserta”.
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pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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