Acordar
|
|
Acordar pode trazer logo uma sensação boa, ou ruim. Droga, mais um dia, ou
que bom, mais um dia. E a vida de todos é cheia de alternativas, ainda que em
certas épocas a sensação do mais um dia a ser difícil predomine. Vide
pandemia. Acresce que se o dia tiver um bom prognóstico, usualmente não é
valorizado. O dia com aspecto de dificuldades é logo vislumbrado. A
infelicidade costuma falar mais alto que a felicidade. A feiura se sobrepõe à
beleza, a maldade à bondade, a demagogia à democracia e assim por diante.
Aceitemos que há fases difíceis na vida. Ser Poliana não é de todo
recomendável e demonstra certo grau de alienação, ainda que possa ser
confortável. Portanto aceitemos que há dias em que acordar é ato que traz
conotações desagradáveis e até os jornais e a televisão com suas informações
não animam muito. Atentados, crimes, assaltos, roubos de toda a espécie,
despreparo, burrice, demagogia, aparecem em quase todas as notícias. Até por
religião se mata, rouba-se, engana-se. Portanto as notícias do bairro,
município, estado, país, mundo, não mostram nuvens rosas nas manchetes das
manhãs. Talvez seja hábito salutar trocar notícias por músicas, desde que se
saiba escolher o repertório, pois se cair no funk, fica tudo dominado e você
acaba dizendo meurmão e perdeu. Música no café da manhã, jornais e televisão
para depois, quando o dia já tiver engrenado com bons propósitos. Café, algo
com fibras, música, ou quem sabe um bom livro policial e livros policiais, ao
contrário do que podem parecer, costumam ser menos agressivos que os jornais.
São assépticos e saudavelmente nos alienam dos males cotidianos. PD James é
ótima pedida, ou a coleção Inspetor Maigret Simenon. Ian Fleming nunca saberá
como me ajudou a vencer fase complicada da vida, com graves doenças e etcs na
família. Percebo que há momentos na vida de cada um que o prognóstico
pessoal, ou familiar, ou nas amizades, ao acordar, não é ruim, muito pelo
contrário, mas eu, você, ela, ele, acordam enfastiados e não pensam em gozar o
dia, concebem apenas que há que ultrapassá-lo, com se fosse um fardo. E
bastava chegar à janela, ouvir o canto de um pássaro, ver moça bonita passar,
ou um cão labrador, ou mesmo automóvel Mini-Cooper, ou a passagem de bando de
bicos de lacre, ou a fugaz flor da munguba, ou, e de acordo com o gosto de
cada um, as citações encheriam linhas e linhas, pois o mundo de Deus é vasto
em beleza e possibilidades. Se estamos em fase de borrasca, devemos pensar que
depois dela vem a bonança. Paciência, rezas e denodo. Se estamos em fase de
bonança, não vamos pensar que depois vem a borrasca, pois ela lamentavelmente
vem, com mais ou menos intensidade, aparece. Logo é apreciar os dias amenos e
curti-los, para usar um verbo em voga. Intensamente usufruí-los com toda a
ganância, com todo élan de corpo e alma. Tanto faz se há sol, ou chove, se
está quente, ou frio, pois o tempo da alma, a temperatura do coração,
independem do clima externo. Gaste seu amor nela, nele, nos próximos, em você
e se entregue ao bom dia. “Carpe diem - Horacio”. Muito “carpe diem”. Você
merece, creia.
Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
Direitos reservados. É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação
eletrônico ou impresso sem autorização do autor.
|