Eletrocardiogramas e emoção
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Em si o invento de Willem Einthoven não é poético, ainda que, o
eletrocardiógrafo inventado em 1901, deu-lhe o Prêmio Nobel de Medicina em
1924 e continue como invento sem substituto e contribuindo para salvar milhões
de vida. Exagero? Pense no tratamento das arritmias cardíacas, dependente do
resultados dos eletrocardiogramas. Sempre brincava em aulas que os
cardiologistas deviam nas refeições agradecer ao javanês Einthoven o pão nosso
de cada dia. E os eletrocardiogramas me fizeram mudar de rumo na vida. Estava
em vestibular para Engenharia e eis que meu pai, julgando-se enfermo e grave,
empregou-me. Larguei vestibular para me preparar para o concurso na CEF, onde
entrara, para aprender datilografia, cálculos financeiros e trabalhar seis
horas por dia. O concurso só foi aberto dois anos depois e eis de novo, agora
já com emprego fixo na CEF, a cata de vestibular. Foram dois anos de números
na Contadoria Geral da CEF e estava meio cheio deles. Parente, sabendo agora
das minhas incertezas profissionais, explica no chão de Barão de Javary o que
é a Eletrocardiografia. Com varinha, meu primo e muito mais velho, risca na
areia o que é Eletrocardiograma e seus vetores. E comecei o Vestibular para a
Escola de Medicina e Cirurgia, hoje da UNI-RIO pela mão deste primo Professor
Jayme Graça. Foi escolhida a escola de Medicina e Cirurgia, que era perto da
CEF e assim foram seis anos de trabalho e estudo, com casamento no início do
terceiro ano. Muita ajuda da mulher, de minha mãe e meu pai. E eis o mancebo
lendo o discurso de formatura no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, fevereiro
de 1963. E apesar disto tudo não foram estas as razões para vir digitar. Se o
eletrocardiograma me levou à Medicina, da escola de Medicina saí, em relação à
Eletrocardiografia, tão ignorante quando entrara. Não se aprendia
eletrocardiografia nos seis anos de curso. E, para aprender o
eletrocardiograma, paguei, oh dificuldade de ainda pagar curso, já formado, de
Eletrocardiografia. Antes deste curso aulas com meu primo Carlos Alberto
Graça, durante a lua de mel dele, para não perder o emprego no serviço médico
da CEF, pois já estava no Serviço Medico e havia que dar laudos
eletrocardiográficos. Escolhi o curso da PUC, com o Professor Armando Ney
Toledo de mestre. E entro como auxiliar de ensino na escola onde fora aluno, e
sendo professor na Clínica Médica C ministrei por alto uns cinquenta cursos de
Eletrocardiografia. E vários trabalhos publicados em revistas técnicas, ou
apresentados em congressos, sobre o tema médico relacionado ao
eletrocardiograma. Ainda não cheguei à emoção. Centenas de acadêmicos de
Medicina e até filho e neta foram meus alunos de Cardiologia e
Eletrocardiografia. Estreei meu parelho de eletrocardiograma em 1963, fazendo
exame em meu avô, que tinha me emprestado o dinheiro para comprar o aparelho e
não aceitou receber todo o montante do empréstimo. Meu avô foi de meus ídolos
na vida. Também com os estes dois ex alunos, já citados, publiquei trabalho
sobre o EKG nos Anais da Academia Nacional de Medicina, em 2017. Já fiz em
consultório 59.585 eletrocardiogramas, fora os realizados na CEF e no Hospital
Gaffrée e Guinle. Neste atuei no magistério, fui Diretor e professor até me
aposentar como Professor Emérito em 1994. Continuei dando cursos de
Eletrocardiografia por mais 12 anos no Gaffrée, como dizem, a leite de pato. E
se não cheguei à emoção, atinjo agora. Ontem, 30/11/2019, foi dia de levar ao
lixo minha coleção de slides, cerca de 800, com os quais dava os cursos de
Eletrocardiografia. Filho, também professor, também usou alguns slides. Por
que não doar esta coleção? Ninguém mais usa slides em aulas. Vão aos
eletrocardiogramas por “data-show”, ou que nome tenha e mostrar slides seria,
perante a tecnologia cibernética, risível. E também não dou mais aulas e as
caixas metálicas, onde ficavam ordenados os slides, ocupam lugares...
Lembrei-me que comprei traquitana, onde acoplava máquina fotográfica especial,
para ter slides melhores e cada eletrocardiograma diferente e didático virava
slide. Guardei 4 slides de eletrocardiogramas de amigo falecido e a primeira
data era de 1964. Agora pegar os slides, encher saco plástico negro e jogar no
lixo. Talvez só para mim tenha havido motivo de lembranças e lembranças.
Também para o filho. Incrivelmente slides me deram ternas recordações e até
poéticas, creia.
Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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