Mulata, nova e gorda
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Queriam que fosse branca, loura e curvilínea? Não era. Quero contar uma
história alegre e digitando quatro palavras talvez esteja incidindo no
politicamente não correto, pois disse que era gorda e não pode e também a
classifiquei como mulata e talvez não deva. E apenas estaria descrevendo e com
gratidão o que vi. E vinha dirigindo chateado até pelas notícias de
Brumadinho, rememorando as tristezas de Mariana. Irritava-me também que há por
parte de autoridade da Educação a intenção dos pais não serem obrigados a pôr
filhos nas escolas. E são exemplos apenas, além dos achaques da velhice, custo
da vida etc, etc. E eis que surge, quando paro no sinal, a mulata, nova e
gorda. E sabe o que ela faz? Chupa um picolé! Vou fazer o anúncio do picolé,
vou gritar-lhe que procure Nutricionista, vou reclamar da bermuda curta, de
bordas franjadas? Nada, nadinha disto. Roubar-lhe o picolé, que se me afigura
delicioso? Foi bom o sinal abrir, que buzinaram logo, porque, quem sabe,
largasse o volante, abrisse a porta e fosse ternamente abraçá-la e agradecer
penhoradamente a imagem. Se julgarem que o penhoradamente caiu mal, foi
mofado, excessivo, explico-me depois. Seria abraço fraternal, ingênuo, apenas
de ser vivo para ser vivo e de devedor de imagem para fornecedor. Sou-lhe
devedor, visto que estava sobrecarregado de imagens negativas, preocupações e
pensamentos catastróficos, julgando que estamos em fase tão difícil, que quase
recorri ao palavrão. Contive-me porque vi moçoila abusando do peso, tendo
linda cor de pele e chupando um picolé. De quê? Não sei e nem posso saber, que
já estou longe dela, atolado no trânsito e neste maçarico
janeiro-rio-de-janeiro-2019. Que tinha de graças a moça, mulata, gorda e seu
picolé? A satisfação de chupá-lo. Poucas vezes vi alguém tão alegre por estar
desfrutando de comestível, ou de fato. Era a criança vendo Papai Noel, a mãe
abraçando o filho que volta de longa viagem, ou cão festejando o dono, que
chega. Era a beleza da cabeça do bico de lacre, vibração de alazão crinas ao
vente em galope sem cavaleiro. Era o bebê depois de mamar, satisfeito,
acariciando a mãe; era a visão de mulher linda, que o recebe saudosa; era pai
vendo filho (a) querido (a) em formatura. Pera aí! Não está botando força na
visão, não esta tentando enganar leitores, tirando água de pedra? Fique com
sua dúvida, que entendo e me deixe com a imagem da felicidade da mulata gorda,
chupando um picolé. Não lhe vi nem os dentes, que a boca estava de picolé. A
face toda, o corpo todo, cantava o momento e a alegria daquele picolé. O que
lhe ia na alma de fato não sei, como nada conheço de sua vida, ou mesmo seu
nome. Menina, muito obrigado pelo que me passou de alegria, ingenuidade,
prazer, neste mundo tão zoneado. Enfim a mulatinha gorda me deu esperanças. E,
sendo assim, não tive intenção de ofendê-la, já que sou seu, confesso e por
muito tempo, devedor. Se a encontrar de novo, estaciono o carro, compro dois
picolés e vou tentar acompanhá-la em alegria.
* Prêmio em crônica no
Concurso Literário da Academia Feminina Mineira de Letras - 2019
Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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