Dancings e cercanias
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Corrida de terno e gravata nas
cercanias, isto é, na Lapa. A turma do basquete da Atlética do Grajaú ia tomar
chope na Lapa. E paquerar, ainda que não me lembre de nenhum sucesso de alguém
do grupo, que podia ter de quatro a sete incautos e de acordo com o poder
aquisitivo momentâneo de cada um. Ônibus Grajaú cidade. Um de nós bebia mal,
era metido a brigão e no fundo não era de nada. E grita no meio do boteco. _
Está me olhando por que, negão? Negão se levanta. Alguém de juízo grita. _ É
Madame Satã. Corria que já batera ali mesmo na rua em oito policiais, que
queriam prendê-lo por desordem. Por sorte já pagáramos a conta e não me lembro
de ter corrido tanto de terno e gravata. E os corredores combinaram que o
Paulinho não andaria mais com eles nas incursões sabatinas. Quem não sabe
beber, que beba mijo. E sem recorrer à Lapa, descobrimos os dancings da
Avenida Rio Branco. Explique-se como funcionavam. Salão bom, cercado de mesas,
onde se consumia. Músicas dançantes, amorosas, tipo boleros e sambas, choros
também. Moças esperavam cavalheiros e eram tiradas. Ângela Maria e Elis Regina
entre outras cantaram “Vida de Bailarina,” (Américo Seixas/Chocolate), onde se
descrevia muito propriamente a vida das dançarinas. Só mudaria o título para
Vida de Dançarina. Como se pagava cada dança? Havia um picotador, de terno,
gravata, tipo malandrinho Coca-Cola. Tive professor de Anatomia, que se vestia
como picotador e quem sabe fora. Como decorria o enredo dos dancings? Amélia
não era grande coisa como mulher, ainda que dançasse bem, Alfredo dançava com
ela cinco músicas e ela avisava ao picotador, por exemplo, três e o picotador
dava três furos no cartão do freguês que, ao sair do dancing, pagava por
música dançada. Dançou cinco e picotou três, querendo agradar o cliente. Já
Maria, aí vai de nome, tipo homenagem, que a moça era bonita, dançava bem e
sabia seu valor expresso nos picotes. Dançou três, avisava ao picotador cinco
e lá iam cinco furos no cartão. E o esbulhado não reclamava? Nunca. As bonitas
e muito concorridas faziam isto, era da regra não escrita e ninguém ousava
reclamar, para cobrarem da forma certa. Normalmente com as boazudas se pagava
mais e ainda se queria bis. Havia excelentes casais, conhecidos dos habituais
frequentadores, que, dançando, davam exibição e eram aplaudidos nos momentos
mais empolgantes da música. Brigas não ocorriam, que os dancings tinham
funcionários que intimidavam confusões, hoje denominados leões de chácara. E
eis que lá fui dançar com Maria. Dancei comedidamente três e ao acabar ouvi
espantado três. Dancei três e paguei três. Dançava bem, era bonita, corpos
colados e ainda não disse que a música era muito boa, com orquestra e cantor
de primeira. A lenda diz que Elizeth Cardoso começou lá. Com a mesma Maria
arrisquei cinco músicas e ao final ouvi três. Os de fora contavam músicas e
conferiam picotes. Duas vezes, oito músicas seis picotes. E os do grupo
tiraram a dançarina. Três danças seis picotes. O picotador não contava, apenas
obedecia às ordens das soberanas moças. O fato de dançar três e picotar mais
aconteceu com todos em relação à Maria. E então dancei seis músicas. Dois
picotes. E chegou o fim da noite. Nesta me pagaram o chope final, eu era um
herói. Logicamente no próximo sábado todos no Dancing Avenida. E de saída
dancei seis músicas com Maria e recebi dois picotes. Com os demais do grupo, o
de sempre, três músicas e seis picotes. No terceiro sábado eu, herói, com meu
sem jeito de conquistador, perguntei-lhe no ouvido, posso esperar você, para
levar em casa? Obrigado, mas tenho quem faça isto todas as noites. Agora ela
me arrebenta de picotes. Eram seis músicas, dois picotes. E então aconteceu o
infortúnio. E se aconteceu o infortúnio, passamos a frequentar o Dancing
Brasil, ainda na Avenida Rio Branco, em frente à Cinelândia, perto do Avenida.
Não era tão aconchegante como o anterior. E escolhi morena bonita, tipo dona
do lugar e a tirei a dançar. Tipo como dançava no Avenida. E ouvi e com voz
zangada. _ Pensa que sou prostituta? Afastei-me, dancei comportado e parei na
segunda música. Cinco picotes e a galera vibrou. Esqueci dancings e minha vida
tomou outros rumos e dos dancings só saudades da aurora da minha vida. E o
infortúnio no Avenida. Festa a rigor em clube militar na cidade. Eu e um dos
colegas tínhamos convites e atacamos de smokings alugados. Gostávamos de
dançar. Festa tipo uma mulher para vinte homens. Assim não dá. Vamos ao
Avenida. Lá haveria Maria E saímos, outros tempos pela madrugada da cidade de
smoking e adentramos no Dancing Avenida. Ela lá. A dança não foi tão colada
como sempre. E, fora minha ousadia, dançávamos sempre calados. E assim foi por
seis músicas. Dez picotes e nenhum sorriso. Nem tentei mais. Pus a culpa no
smoking e então no sábado seguinte fui ao Dancing Brasil, antes de encerrar
minha carreira de dançarino nos dancings da vida. E a dançarina Maria? Quem
sabe?
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pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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