Da Medicina ao tango
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(In memorian ao Mestre Tito Abreu Fialho)
"Pneumotórax Manuel Bandeira. Febre, hemoptise, dispneias
e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e não foi. Tosse,
tosse, tosse. Mandou chamar o médico.
– Diga trinta e três. –Trinta e
três...trinta e três...trinta e três... – Respire fundo.
............................................................ – O senhor
tem escavação no pulmão esquerdo e o direito infiltrado. – Então, doutor,
não é possível o pneumotórax? – Não. A única coisa a fazer é tocar um
tango argentino."
Se fosse poeta, gostaria de ter escrito a frase "a
vida inteira etc". Genial e Bandeira falava em verso de Orestes Barbosa, em
"Chão de Estrelas". Cantaram-na demais e qualquer “soi disant” seresteiro
atacava o "minha vida era um palco iluminado etc " e fez cansar a música.
Imitavam Sylvio Caldas, que foi parceiro de Orestes no Chão. "A lua furando
nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão", foi a frase citada por
Bandeira, quando contou que se fosse chamado a votar no melhor verso da poesia
brasileira, talvez escolhesse o citado de Orestes Barbosa. Gosto mais da
citada no Pneumotórax, “a vida inteira que podia ter sido e não foi”. Muito em
poucas palavras. Voltemos à poesia, trinta e três foi uma furada tupiniquim.
Para o frêmito tóraco-vocal se precisa de palavras fortes, vibrantes. E
traduziram apenas. O “trinte trois” tinha o erre francês, vibrante. Já o
trinta e três... Quarenta e quatro soa forte, vibrante e é mais semiológico.
E, ao pedir aos pacientes que digam quarenta e quatro, perguntam-me se é por
inflação! Pormenores de quem já ensinou Semiologia, matéria que poucos
valorizam hoje em dia. Pede-se exames... E por fim Bandeira, que foi doente do
pulmão, cita o tango argentino. Notável. Há algo mais trágico que um tango
argentino? Dá-lhe Carlos Gardel. Luiz Rigoni, já falecido, um espetacular
jóquei brasileiro, apelidado "o homem do violino", pela forma que tocava os
cavalos, tinha tango argentino, em castelhano, com seu nome e era de total
louvação. Sobre tangos prefiro os tangos clássicos, com especial destaque para
“Nostalgias”, aos de Piazzolla e semelhantes, com perdão do amigo e ótimo
poeta Luiz Gondim, defensor ferrenho do novo tango de Asto!
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pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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