TOE 01/2045
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2045. Talvez a vida fosse julgada tediosa pelas gerações anteriores. O índice
de suicídios era maior que em 2015. O Asteroide Zeta 4317 destruído
atomicamente e sem maiores abalos para o planeta. Marte e Lua sendo utilizados
como campos de pouso para naves. Ordem Única. Mundo capital Brasília.
Evitou-se disputa política com esta escolha, já que estados Unidos, França,
Alemanha, Rússia, China e Japão indicaram suas capitais para capital mundial.
A possível catástrofe, queda do asteroide Zeta, foi mais poderosa que qualquer
filosofia setorial. Já bastavam os pregressos anteriores não terem cuidado da
água e da camada de ozônio. Agora todos lutavam por salvar o planeta e depois
de enormes tolices. O medo fez mais pela união dos povos que a inteligência
humana. Fala-se inglês e mandarim oficialmente e o controle da natalidade, o
combate efetivo aos novos vírus, inclusive o da AIDS e a cura das doenças
degenerativas foram progressos médicos significativos. O ponto fraco continuou
sendo a fragilidade dos ossos. E os robôs proliferavam. Em média se trabalha
seis meses por ano e duas horas por dia. O salário médio atingiu mil
dólares/mês para os pobres e a inflação ficou sendo assunto do passado. O
tempo médio de alguém em frente a um computador é de oito horas por dia e se
dorme cinco horas por noite. Muitas fábricas trabalham apenas com robôs. Ainda
em média se toma vinte comprimidos por dia. Atingiu-se o futuro, pensavam os
grandes. Não há mais recordes esportivos, pois se atingiu o tempo limite
principalmente nas provas de curta duração. Exceção é a maratona, só porque
foi passada para cem km. Então ocorreu o Acidente TOE 01/2045. O Toldo Orbe
Envolvente (TOE), que há dez anos recobre a Terra com duas finalidades
especiais: a) escondê-la e defendê-la dos ataques de naves alienígenas, agora
identificadas; b) principalmente captar energia solar, que passou a iluminar
toda a Terra. E incrivelmente o TOE apresentou uma rotura. Com o
aproveitamento das ondas do mar e do toldo orbe envolvente o problema energia
foi resolvido e dias e noites terminaram, pelo menos em relação à luz. A Terra
fica em permanente claridade, isto é, iluminada, ainda que possam ocorrer
noites artificiais. O TOE a cento e cinquenta quilômetros da Terra tem arcadas
de saída, que rapidamente abrem e fecham, para deixar passar as naves quando
necessário. Com o conhecimento da química dos afetos humanos se planeja melhor
os casamentos e diminuem separações. Diga-se que os relacionamentos são menos
impetuosos do que os descritos na literatura antiga. Sexo racional sem paixões
maiores, ou traumas. Amor, quem sabe? E ocorreu o acidente TOE 01/2045. Um
rasgo no TOE, inesperado e inexplicável. Fez-se noite em Brasília. Logo em
Brasília! Há equipes de prontidão para consertá-lo, é sabido. Por sorte, ou
azar, pela tal rotura se pode ver Vênus, resplandecente. Uma nova maneira de
ver, sem ser pelos fabulosos telescópios. Algum fenômeno se abateu sobre os
que deviam dar o alarme e não deram. Pasmos ficaram com vias repletas, todos
olhando para o alto, para a beleza de Vênus. Alguns inexplicavelmente
choraram, outros desmaiaram, terceiros se beijaram e o absurdo aconteceu
quando um senhor de cento e sete anos, Engenheiro-Chefe, nascido em Londres,
morando em Brasília, que era o principal encarregado de acionar a equipe de
consertos terráqueos com suas poderosas naves/foguetes, para recompor o toldo,
nada fez oficialmente. Ele é meu avô e estava com ele. Sentou-se no meio fio,
abriu o minitop, escreveu um poema em homenagem à Vênus, que chamou de Estrela
D’Alva. Versejar ao invés de tomar as providências necessárias! O
Engenheiro-Chefe, meu avô, Arthur Laurence Keats, não foi punido, pois não
houve dano maior e porque também tem currículo inigualável. Além destes fatos
é seu próprio chefe e remanescente poeta. O Posto 107-Lua percebeu a rotura e
de fora para dentro consertou o TOE e todos, com a luz artificial, saíram
daquele verdadeiro transe. O Ministério da Psicologia foi acionado, como
também o Ministério do Espaço. O primeiro para estudar a reação esdrúxula dos
que viram Vênus e nada fizeram. Se o fato tivesse ocorrido em Salvador, ou em
Sevilha, até que dava para aceitar, disse o relatório de um técnico da
Biblioteca dos Tempos. O segundo Ministério, encarregado de estudar as causas
do rombo, também foi de pouca valia. Nenhum dos dois minudentes relatórios
ministeriais chegou a conclusões aceitáveis, ainda que deles jorrassem
centenas de teorias. Hipóteses em profusão significam distanciamento da
verdade, sempre se soube. O Dr. Keats, que continuou fazendo poemas, teve
teoria que só me contou. Só poderei de fato revelar em pormenores no seu
enterro. Antigos estudos pensavam que poetas continuariam morrendo cedo, o que
não correspondeu à realidade. Posso adiantar que para Sir Arthur Laurence
Keats a beleza de Vênus perfurou o toldo orbe envolvente. Lendo o calhamaço na
Hiper Nuvem Genesis173/45, vê-se que Keats incrivelmente acreditava
cientificamente na força destruidora da beleza e do amor.
(Crônica classificada em 10 Lugar no Concurso
Literário da Academia Feminina de Letras de Minas Gerais – AFEMIL – 2016).
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pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco.
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