16/05/2019
Ano 22- Número 1.125


 

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PEDRO FRANCO

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TOE 01/2045

Pedro Franco - CooJornal

2045. Talvez a vida fosse julgada tediosa pelas gerações anteriores. O índice de suicídios era maior que em 2015. O Asteroide Zeta 4317 destruído atomicamente e sem maiores abalos para o planeta. Marte e Lua sendo utilizados como campos de pouso para naves. Ordem Única. Mundo capital Brasília. Evitou-se disputa política com esta escolha, já que estados Unidos, França, Alemanha, Rússia, China e Japão indicaram suas capitais para capital mundial. A possível catástrofe, queda do asteroide Zeta, foi mais poderosa que qualquer filosofia setorial. Já bastavam os pregressos anteriores não terem cuidado da água e da camada de ozônio. Agora todos lutavam por salvar o planeta e depois de enormes tolices. O medo fez mais pela união dos povos que a inteligência humana. Fala-se inglês e mandarim oficialmente e o controle da natalidade, o combate efetivo aos novos vírus, inclusive o da AIDS e a cura das doenças degenerativas foram progressos médicos significativos. O ponto fraco continuou sendo a fragilidade dos ossos. E os robôs proliferavam. Em média se trabalha seis meses por ano e duas horas por dia. O salário médio atingiu mil dólares/mês para os pobres e a inflação ficou sendo assunto do passado. O tempo médio de alguém em frente a um computador é de oito horas por dia e se dorme cinco horas por noite. Muitas fábricas trabalham apenas com robôs. Ainda em média se toma vinte comprimidos por dia. Atingiu-se o futuro, pensavam os grandes. Não há mais recordes esportivos, pois se atingiu o tempo limite principalmente nas provas de curta duração. Exceção é a maratona, só porque foi passada para cem km. Então ocorreu o Acidente TOE 01/2045. O Toldo Orbe Envolvente (TOE), que há dez anos recobre a Terra com duas finalidades especiais: a) escondê-la e defendê-la dos ataques de naves alienígenas, agora identificadas; b) principalmente captar energia solar, que passou a iluminar toda a Terra. E incrivelmente o TOE apresentou uma rotura. Com o aproveitamento das ondas do mar e do toldo orbe envolvente o problema energia foi resolvido e dias e noites terminaram, pelo menos em relação à luz. A Terra fica em permanente claridade, isto é, iluminada, ainda que possam ocorrer noites artificiais. O TOE a cento e cinquenta quilômetros da Terra tem arcadas de saída, que rapidamente abrem e fecham, para deixar passar as naves quando necessário. Com o conhecimento da química dos afetos humanos se planeja melhor os casamentos e diminuem separações. Diga-se que os relacionamentos são menos impetuosos do que os descritos na literatura antiga. Sexo racional sem paixões maiores, ou traumas. Amor, quem sabe? E ocorreu o acidente TOE 01/2045. Um rasgo no TOE, inesperado e inexplicável. Fez-se noite em Brasília. Logo em Brasília! Há equipes de prontidão para consertá-lo, é sabido. Por sorte, ou azar, pela tal rotura se pode ver Vênus, resplandecente. Uma nova maneira de ver, sem ser pelos fabulosos telescópios. Algum fenômeno se abateu sobre os que deviam dar o alarme e não deram. Pasmos ficaram com vias repletas, todos olhando para o alto, para a beleza de Vênus. Alguns inexplicavelmente choraram, outros desmaiaram, terceiros se beijaram e o absurdo aconteceu quando um senhor de cento e sete anos, Engenheiro-Chefe, nascido em Londres, morando em Brasília, que era o principal encarregado de acionar a equipe de consertos terráqueos com suas poderosas naves/foguetes, para recompor o toldo, nada fez oficialmente. Ele é meu avô e estava com ele. Sentou-se no meio fio, abriu o minitop, escreveu um poema em homenagem à Vênus, que chamou de Estrela D’Alva. Versejar ao invés de tomar as providências necessárias! O Engenheiro-Chefe, meu avô, Arthur Laurence Keats, não foi punido, pois não houve dano maior e porque também tem currículo inigualável. Além destes fatos é seu próprio chefe e remanescente poeta. O Posto 107-Lua percebeu a rotura e de fora para dentro consertou o TOE e todos, com a luz artificial, saíram daquele verdadeiro transe. O Ministério da Psicologia foi acionado, como também o Ministério do Espaço. O primeiro para estudar a reação esdrúxula dos que viram Vênus e nada fizeram. Se o fato tivesse ocorrido em Salvador, ou em Sevilha, até que dava para aceitar, disse o relatório de um técnico da Biblioteca dos Tempos. O segundo Ministério, encarregado de estudar as causas do rombo, também foi de pouca valia. Nenhum dos dois minudentes relatórios ministeriais chegou a conclusões aceitáveis, ainda que deles jorrassem centenas de teorias. Hipóteses em profusão significam distanciamento da verdade, sempre se soube. O Dr. Keats, que continuou fazendo poemas, teve teoria que só me contou. Só poderei de fato revelar em pormenores no seu enterro. Antigos estudos pensavam que poetas continuariam morrendo cedo, o que não correspondeu à realidade. Posso adiantar que para Sir Arthur Laurence Keats a beleza de Vênus perfurou o toldo orbe envolvente. Lendo o calhamaço na Hiper Nuvem Genesis173/45, vê-se que Keats incrivelmente acreditava cientificamente na força destruidora da beleza e do amor.

(Crônica classificada em 10 Lugar no Concurso Literário da Academia Feminina de Letras de Minas Gerais – AFEMIL – 2016).

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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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