Pirandello acertou em cheio
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“Assim é, se lhe parece”. Luigi Pirandello conseguiu em
título dizer muito, o que raramente se consegue. E todos os dias vemos
pessoas que percebem como lhes interessa, independentemente da cultura
que tenham amealhado durante a vida, ou a inteligência com que foram
distinguidas. Nas relações de amor, ou de família, então as ações são
deturpadas e cada participante julga da forma que lhe apraz na maioria
das ocasiões. Vi várias vezes o mesmo fato ocorrer e de forma
semelhante, já que igualdades totais são difíceis, ou impossíveis,
como preferia Voltaire e a forma de ver, interpretar, ficava
absolutamente diferente. Vou, com os riscos inerentes à conduta,
exemplificar. Quando algo acontece com o filho, o entendimento é um,
quando ocorre com o genro, é completamente diferente. E a situação de
vida era semelhante em gênero, número e grau. E o julgamento não era
feito por tolos, ou primitivos. Como era desencadeado por pessoa de
nível de cogitações elevado e estou usando uma daquelas locuções da
moda, havia argumentos, fracos, sofismas, perante os verdadeiros
acontecimentos da vida. E estes argumentos pueris, que serviam de base
ao julgamento esdrúxulo, vinham recobertos por razões inconsistentes,
repetidas até a náusea, para ver se a repetição daria respaldo às
distorcidas interpretações. Será que assim era, se lhe parecia, ou não
lhes parecia e queriam que aos outros parecesse? A vontade era chamar
o julgador perante à realidade, mostrando ações semelhantes, sendo
julgadas por critérios díspares e injustos. Mudemos de sexo. Se a
filha é gastadeira, não há comentários desfavoráveis, ou conselhos. Se
a nora gasta até um pouco menos que a filha, o fato é anotado e
pequenos abalos nas relações familiares podem ocorrer. Em
contrapartida se a mãe faz um comentário, se aceita, pois, de fato foi
pertinente, educado, oportuno, só que se a sogra, uma boa sogra por
hipótese, bem educada, gentil, aborda o mesmo assunto com maestria e
oportunidade, a deixa não é bem recebida e o filho da sogra, o marido,
ouve poucas e boas. Minha dúvida sempre é pirandeliana; se julgaram as
ocorrências, errando intencionalmente, ou se viu o que gostaria de ter
visto. E se ao menos as pessoas, nas relações mais íntimas, amorosas,
ou familiares, procurassem ver com absoluto sentido de justiça e
bondade, muitos desacertos seriam evitados e os imprescindíveis
relacionamentos, no amor e na família e mesmo no trabalho e na
sociedade, correriam em caminhos mais ensombrados e calmos. Assim é,
se me parece, acredito. E na vida se deve julgar, ou não, é pergunta
que muito se faz, ainda que a resposta esteja diante de cada um. De
maneira certa, ou errada, negligente, ou interessada, querendo ou não,
na vida não fazemos outra coisa se não julgar, na maioria das vezes
sem mesmo perceber. De novo, assim me parece.
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Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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