16/07/2018
Ano 21- Número 1.085


 

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PEDRO FRANCO

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Vadiar

Pedro Franco - CooJornal


“Um velho calção de banho/ um dia pra vadiar”, “Tarde em Itapoã”, de Vinicius de Moraes e Toquinho,
autores, que também a gravaram.


Certas palavras podem ter raízes semelhantes e de acordo com a intenção e também até com entonação podem ganhar conotações diferentes. E lá está na música um dia pra vadiar. Tiremos a conotação sexual do vadiar, ainda que nada tenha contra o ato em si, só que no caso presente julgo vadiar mais genérico e também desejável. Ficar fazendo tudo e ao mesmo tempo nada. Ao léu. Vendo a vida passar e de modo terno e só com agrados. Enquanto chamar de vadio é ofensa e se a palavra chegar ao feminino e em tom de zanga, vadia é agressão e das perfurantes. Aquela é uma vadia! Alguém se ferrou. E tendo cuidados irei propor vadiar, levando em conta o que prega Vinicius em Itapoã, ele que se dizia o branco mais preto do Brasil. Parêntese, o politicamente correto está mais para censura e me parece muito desagradável. Com seriam encarados os tipos históricos do gênio Chico Anysio, ou as nossas anedotas, por esta patota que quer ditar regras restritivas, principalmente à alegria. Noel Rosa poderia escrever “Gago apaixonado”? E Monteiro Lobato com sua Tia Anastácia, ou Lamartine Babo com o como a sua cor não pega? Voltemos a vadiar. Vadiar pode? Então nestes tempos bicudos e cibernéticos, vou a conselhos, avisando logo que me dano se alguém diz que se conselho fosse bom, não se dava, se vendia. É levar a alma humana ao cúmulo do mercantilismo. Principalmente sugiro aos mais jovens, que, para se abstrair um pouco do clima desenganado que vivemos em terras tupiniquins, larguem um pouco as maquininhas mexidas por dedinhos e aprendam a tirar tempos para vadiar. Lembre-se que acima tirei a conotação carioca e sexual do verbo, ainda que tenha frisado com um nada contra. Também nada contra o ficar sem fazer nada a dois. Não precisa ter mar, ou arco íris, pode ser no campo, na mata, ou na “fazenda, ou numa casinha de sapê” (obrigado Hyldon). Pode ter, ou não ter música, ou literatura, ou sol, ou chuva, frio, ou calor, só que vadiar mesmo requer temperatura amena para o “dolce far niente”. Vadiar em ofurô morninho deve ser ótimo! Há que aprender a tirar horas para ficar de papo pro ar. É um tempo para expurgo das notícias de malfeitos, corrupções, jogadas visando votos e o escambau. Ficar vendo a banda passar e sem mesmo prestar muita atenção na passagem da banda, que a mesma poderia levar a elucubrações filosóficas, o que atrapalharia a vadiação. Deixar de pensar no futuro da pátria, ou no próprio futuro, com as incertezas que lhes são peculiares, ainda que por pouco tempo. Será que se consegue este necessário alheamento, ao menos por um dia, vá lá, três horas em um fim de semana maneiro? Olhe, nem aconselho bebida, nem a desaconselho, apenas evite empanar o vadiar com qualquer excesso. Excessos de qualquer coisa atrapalham o vadiar. Vadiar é uma viagem pelo tudo nada, nem é cultuar o pensar, ou ir à meditação. Não fazer nada, nadinha, a não ser o que se gosta e sem esmeros. Nada de jogar, representar, ir à academia, malhar, ou mexer em engenhocas cibernéticas naquele sagrado momento de folga! Nada de e.mails, ou “whatchatos” e semelhantes. Vadiar é pessoal, intrínseco, absolutamente ao bel prazer, mesmo se com parceria. Que se aceite dois, se houver sintonia. E depois? Vamos voltar à vida, ao dia a dia, só que o cotidiano sentirá os eflúvios da passada vadiação. Eflúvios foi sacado do fundo do baú, em vossa homenagem. Só que, após a profilática e saudável comemoração, vadiar, não se pode virar vadio, que aí se entorna o caldo. E como pregava a pilantragem, não vem de garfo, que hoje é dia de sopa. Sopa, para quem gosta, bate bem com vadiar e nem necessita mastigação.


Obs. Para não parecer que estou plagiando, aviso que esta crônica saiu neste 2018 na Antologia “A voz da palavra” da Editora Folheando, de Belém do Pará, em nome de Pedro Diniz. Sou Pedro Diniz de Araujo Franco e só assino Pedro Franco, então também sou Pedro Diniz, que por equívoco apareceu nesta crônica. Equívoco de quem? Meu não foi. Deixa para lá!



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Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com 



Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia da UNI-RIO.
Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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