HINOS, MUITOS HINOS
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“Amo tanto e estremeço esta terra, quero tanto ao meu vasto país, que
se algum dia eu partir para a guerra, eu irei bem contente, feliz”.
Canção do soldado. Diga-se que o “Ouviram do Ipiranga às margens
plácidas”, nosso hino nacional, é vibrante, com termos algo rebuscados
para nós da patuleia e também cai na classe dos cantos guerreiros. Em
beleza talvez perca para a Marselhesa, ainda que esta seja mais
belicosa por certo, mais contagiante e considerada por maioria o mais
belo dos hinos, o francês. Vale dizer que o Brasil gosta de hinos e
cada estado tem o seu, ainda que de gosto musical duvidoso. E no
Brasileirão como se ouve hino chocho. Os estados deveriam ter chamado
Lamartine Babo, que fez os dos clubes cariocas, para compor os
estatais e assim teríamos hinos mais palatáveis e interessantes. Basta
citar o “Sou tricolor de coração” e destaco trecho, agora algo
esquecido, que reza, “fascina pela sua disciplina”. Há hinos nacionais
e estaduais tão chatos que tentam levá-los a capela, por cantores
populares de renome e nem sempre o coitado (a) se salva. Já o Rio de
Janeiro, fazendo de uma marchinha seu hino, escrita em 1934 e por
decreto transformada em hino em 1960, fez gol de placa. “Cidade
Maravilhosa, cheia de encantos mil” e minha pranteada e muito querida
mãe sempre se emocionava ao ouvir a marcha, que virou hino. Ótima
virada. E no meio de muito hino calhorda aparece o “Cisne branco”, o
da Marinha Brasileira, para nos encantar, hino que nos fala até em
saudade. Mais canção e é elogio, que hino. E volto ao hino que dá
início à crônica. Seria sua letra tentativa de lavagem cerebral, ainda
que não inventada de fato naquela época? Se algum dia eu partir para a
guerra, eu irei bem contente, feliz. Deixar o amor de sua vida,
familiares e amigos, ir para matar, ou morrer, ou voltar estropiado,
se não no físico, ao menos na alma e vai alegre? Seu adorado país
precisa tudo bem, vai, mas ir feliz? Muitas coisas o adorado país
precisa, vide agora a injusta e absolutamente necessária reforma
previdenciária, que assola também nações mais bem estruturadas
financeiramente que nós. Quando uma medida atinge o bolso de cada um,
vira grande estrupício e cadê patriotas? Quando dói no bolso fica
ruim, que dirá quando pode atingir a carne na guerra? E o cara canta
que vai feliz? E muitas vezes, talvez em maioria, as guerras têm
conotações econômicas, mais até do que ideológicas, ou defensivas. A
História conta que Getúlio ficou entre os dois lados e o coração dele
balançava. Será? Balançou para os vitoriosos ao menos, se é que em
guerras há vitoriosos. Parece que no hodierno há botões que podem
desencadear guerras e até atômicas. Que estupidez! Ao menos o cara nem
vai para a guerra, a guerra é que chega a ele. E há bombardeios
cirúrgicos e às vezes com efeitos colaterais, isto é, morrem
inocentes. E a grande maioria dos hinos incita às guerras e pelo mundo
todo. Provavelmente os hinos podiam ser mais abrandados, mais
pacíficos e, se fosse possível mudar, abrandar a letra do Hino
Nacional. E que tal também mexer na bandeira. Ficaria igual em cores,
só que se alteraria o dístico. Ao invés de Ordem e Progresso, que tal
Honestidade é Progresso. Passaria no Legislativo, se assim labutassem
os marqueteiros. Conto maldade carioca, houve época em que, em vez de
Cidade Maravilhosa, (André Filho, para o Carnaval de 1935), se ouvia,
“Rio de Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite
falta luz.” E então nos veio a Cidade Maravilhosa, “coração do meu
país”. Viva o Rio, o espirito ameno e antigo do Rio, já que hoje
chovem balas perdidas e seus políticos proliferam nas cadeias.
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pdaf35@gmail.com
(15 de janeiro 2018)
CooJornal nº 1.061
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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