MPB e um sem jeito
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Aconselha a vida que de fato se tenha aptidões
para as inclinações. E exemplo pessoal. Fui jogador de basquete e,
antes de trabalhar e estudar, cheguei à seleção carioca juvenil de
basquetebol (1952). Meu esporte predileto era o basquete? Nunca, era o
futebol. Por que tirei a bola da grama e fui às cestas? Era um
dedicado perna de pau. Volto à MPB e com duas notícias. Pergunta, que
já me fizeram, se não fosse médico, o que gostaria ser? “Crooner” de
orquestra dançante. A moçada dançando e eu mandando ver no gogó. Outra
notícia, que é mais impressão. Se tivesse aprendido a tocar violão,
provavelmente minha vida seria outra, resumindo, seria apenas destes
que cantam e se acompanham, tomando umas e outras nos botequins da
vida dos antigamentes. Grandes aptidões então para a música? Voz
aceitável, ritmo ruim, afinação ocasional. Fatos notórios da carreira
de cantor. No Tijuca Tênis Clube, lá pela casa dos 1980/8, fui a
jantar dançante, que teria também música com Ellen de Lima. Veio de
“Sonho meu” (Delcio Carvalho/Dona Ivone Lara). Pede coro. Tem. Manda
parar o coro. Eu e você. Canto e ela vem com estribilho, sonho meu,
sonho meu. Na mesa, o “cantor”, minha mulher e casal de alunos,
noivos. Isto no sábado. Na segunda-feira ao caminhar pelo Hospital
Gaffrée e Guinle, onde entrei aluno e saí avô e até professor de filho
e neta, ouvia, onde fosse, um aluno (a) cantando Sonho meu. Sempre me
dei bem com os alunos (as) e nas sextas-feiras, entrando pelo sábado,
muitas vezes se reuniam em minha casa para cantoria. Uma noite um
aluno, hoje neurologista de renome, trouxe Hélio Delmiro. Cantei com
Hélio Delmiro. Há testemunhas, ainda que não gravações. No Tijuca
também cantei música com Waleska. Que música, fazendo coro? Não me
lembro. E desde quando gosto de música? Com 5 anos assassinava “Lábios
que eu beijei” (J. Cascata/Leonel Azevedo), continuando na letra da
música cantada por Orlando Silva em seu áureos tempos, lábios que eu
beijei, mãos que afazei (copy desk, deixe afazei, pois, eu não sabia
dizer afaguei). Imagine-se quando chegava no ponto em que “o mar na
solidão bramia”... Logo adiante incluí no repertório “Moonlight and
shadows” (Mike Oldfield), sucesso na voz de Bing Crosby e dizem que eu
berrava bem. Lá pelos dez anos meu repertório incluía Granada (Agustin
Lara) e Babalu (Margarita Lecuona). Tia Ita gostava que de noite, no
sítio em Pedro do Rio, eu a capela berrasse e eu berrava “Granada
tierra soñada por mi...” Esta vão pensar eu sou o Barão de Munchausen,
o maior mentiroso da Literatura. Já chegara aos cinquenta anos. Lugar
Petrópolis. Meu primo Fred, com casa ao lado da minha, na rua Monte
Castelo, tinha amigo em outro bairro. No sábado a noite fomos
convidados para a festa na casa desta amigo. Mansão legal e com um
cachorro, que se alguém, que não fosse da família, estivesse na
piscina, o cão caia na água para salvar o coitado. Só falta dizer que
o cachorro cantava. Cantar não cantava, mas latia e bem, como veremos
a seguir. De tarde fomos à casa deste amigo do Fred, onde haveria
festa, puxar um som. Havia um pianista, que tirara quarto lugar no
festival da canção com música própria e tocava muito bem. Outro amigo
fazia o ritmo. Canta isto, canta aquilo e cantei um bolero. Ficou
legal e parece que, talvez por sorte, entrei direito. O dono da casa
gostou e gravou. E durante a festa colocou várias vezes a gravação.
Quem está cantando? Legal! O Pedro. Só que todos me conheciam de
outros carnavais e ninguém acreditava. De fato ficou bem gravado.
Festa que corre e no dia seguinte o Fred tem ideia de ir lá, para
resgatar a fita. Pedro ficou muito legal, vamos lá. Fomos. Sempre bem
recebidos. Só que chegamos tarde. A dona da casa era louca pelo cão e
resolveu gravar, pouco antes de chegarmos, os latidos dele. Conseguiu
e até mostrou. Na fita e em cima do bolero que eu cantara. Que bolero?
Nem sei e talvez Freud explique o esquecimento. Ainda canta? No
banheiro. Só que há acontecimento tipo epitáfio. O Banco Real, que foi
mais tarde absorvido, fazia concurso literário (Talentos da
Maturidade) e incluiu concurso em que os acima de 60 anos podiam
cantar, anda que fossem acompanhados por músicos mais novos. `To
nessa! O filho, cardiologista como o pai, toca guitarra e é dos
fundadores da “Trupe Limousine”, que completou 21 anos de sucessos, na
base do rock, sem ser pauleira. Muito Beatles e Rolling e afins, com
ênfase na vocalização. De farra já tínhamos cantado “Ouça”, da Maísa
em casa. Sugeri. Ele topou me acompanhar, mas para espanto meu, disse
que gostava de música da autoria do pai, chamadas “As flores”.
Surpresa, nem sabia que ele conhecia este imorredouro sucesso, que
nunca saiu da gaveta. Disse o músico, dou uma ajeitada na sua música e
você canta. Até ali tudo bem. E continuou. Você tem que treinar,
porque é afobado e entra adiantado. Vou passar uns exercícios. Tentei,
tentei. Foi chegando o prazo fatal, para mandar o CD pelos correios.
Nós dois compenetrados. Tentamos. _ Mamãe, ele está entrando errado.
Você sabe entrar certo. Pega na bochecha dele e avisa. Os três com boa
vontade. Só que o cantor era ruim de entrar mesmo. Rimos muito.
Fizemos o que conseguimos e ficou uma droga, que mandei. Tenho
gravação comprobatória. Logicamente não ganhei nada. Foi o epitáfio.
As flores murcharam na caixa/ perderam a vida/ as flores que eu dei/
etc/ etc. FIM.
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Comentários sobre os textos podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
(1º de setembro 2017)
CooJornal nº 1.043
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco
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