01/05/2017
Ano 20 - Número 1.027
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Analisar acontecimentos
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Sei que a Psiquiatria não é favorável a se averiguar culpas. Julgam mesmo
que o peso delas com o tempo traz apenas dissabores e complicações
psicológicas. Não há culpados! Haveria apenas contingências vivenciais, ou
que desculpas existam. Não sendo psiquiatra, ainda que muito os valorize e
cada vez mais, depois de mais de cinquenta anos de Medicina, posso falar
em culpas e até mesmo em desculpas. Só que não todas. E já ouvi de
familiar querido que sempre tento descobrir culpas. Principalmente nos
atos triviais de cada dia. E por quê? Para sobrecarregar o culpado com sua
culpa? Nunca, apenas tento evitar reincidências. Vamos a toscos exemplos.
Dirigia e ocorreu batida dos carros. Peço que me esmiúce a batida. Vinha
na própria mão, sinal verde aberto, o outro veículo fura o sinal e o
abalroa. Sem culpa. Se o fato ocorrer ao contrário e quem me conta refere
que o sinal estava fechado para ele e, com a pressa, fura o sinal vermelho
e bate no automóvel que vinha sendo dirigido de forma correta. Culpa.
Estava no celular. Culpa dois. Qual a vantagem de imputar culpas. Se os
fatos já ocorreram e as consequências existiram? Para que sobrecarregar a
vítima conhecida com seu julgamento? Apenas por um motivo, evitar que de
outra feita não ultrapasse o sinal vermelho (e com cuidado no amarelo),
nem dirija falando no celular, que é infração pelo código de trânsito,
sendo oportuna esta legislação. Já não estava na cara que era o errado?
Muitas vezes o errado se apega a desculpas. Eu estava com pressa, com dor
de barriga, ou tinha que bater o ponto e com estas evasivas ficaria tudo
com dantes no quartel de Abrantes. Um parêntese se impõe. Busco minhas
culpas e com a mesma rigorosidade. Acredito que os que comigo convivem
podem atestar esta pretensa isenção. E estabelecer culpas tem aspecto
profilático. Vamos aprofundar o monólogo, que pode redundar em diálogo,
ainda que vá caminhar por gelo fino, sei. Em afetos, que estão dando
errado, ou já deram, analisar deslizes podem ser produtivos. Errou,
reconhece e vai evitar cometê-los de novo, parece conduta obrigatória.
Quanto amor, oh tristeza, vira desamor, porque houve culpa não perdoada.
Às vezes havia motivo para perdoar, dependendo do estofo do outro. E ficam
dois tristes, chupando dedos, quando o futuro seria radioso, se não
tivesse ocorrido aquela traição. Traição é culpa? É. Quantos casamentos,
empregos, relacionamentos, amizades, soçobram por erros, culpas e estas
podem até ocorrer, para hipótese, por não regar uma amizade de modo
próprio. Dizia a primeira música de Carnaval, de que me lembro, põe tempo
nisto, “atire a primeira pedra, quem nunca sofreu por amor”. No amor
sofrimentos há e por tudo e por nada; traições, mentiras, são culpas e não
devem ocorrer. E se acabou um amor por sua culpa, quando outro surgir,
muitas vezes surge, tome tenência e se empenhe para não cometer outro
pecado capital amoroso, tendo como base o infortúnio anterior. Se não
checar se houve culpa e com isenção, novos infortúnios podem chegar ao
culpado, que evita se analisar, ou briga com quem de fato quer ajudar. Da
maneira que o cronista escreve, dá ares de não ter culpas. Errado. Muitas
culpas, só que pretendo reconhecê-las e, isto sim, evitá-las, dentro das
minhas próprias limitações, que são muitas.
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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
(1º de maio 2017)
CooJornal nº 1.027
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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