1º/12/2016
Ano 20 - Número 1.008
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Bibliotecas, um erro e um acerto
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Não desconheço a importância das bibliotecas virtuais, ou dos e.books, só
que há pessoas e me incluo entre elas, que preferem o livro objeto e
muitas vezes namoram lombadas, rememorando o que contam as páginas
relacionadas aos referidos títulos. Alguns livros ficam sendo companheiros
por toda a vida e habitam bibliotecas particulares. Por incrível que possa
parecer, alguns livros viram amigos e inspiram sempre. E, ainda pensando
em progressos, não tenho certeza que esta comunicação via dedinhos,
cultuada principalmente por jovens, seja mais produtiva para a humanidade,
que o contato visual e com vozes trocando ideias. Vou me fixar nas
bibliotecas não virtuais, ainda que reconheça que poucos têm o hábito de
ir a bibliotecas no País. Valorizando e julgando que ler sempre é útil,
criei uma, que acabou por falta de usuários. Tinha até nome, de parenta
que muito me ajudou, Biblioteca Profa. Neusa Feital Woehrle. A idéia era
que cada cliente, que gostasse de ler, apanhasse um livro na biblioteca do
consultório, lesse e devolvesse na consulta seguinte. Pasmem, que me
lembre, apenas um livro não foi devolvido. Então não foi por desonestidade
que a biblioteca morreu. Foi por inanição, desinteresse. Meu consultório
tem uma vantagem, que no caso pode ter sido desvantagem para a biblioteca
e vai parecer exagero nos dias de hoje, quem me aguardar por dez minutos,
além da hora marcada para a consulta, pegou dia diferente da rotina. A
contrapartida é que, quem se atrasa por mais de dez minutos, tem que
remarcar a consulta. Para haver ordem, se recorre ao draconiano, pois
vivemos em país onde horários são desrespeitados de forma contumaz. Que é
respeitado? Já revistas, principalmente as mais tolas, são bem manuseadas
nos minutos de espera. Talvez, se as esperas fossem maiores, pacientes
recorressem aos livros. Aceito, não deu certo, apesar das minhas melhores
intenções. Voltemos às leituras e vem o problema, que colocar nas jovens
mãos. Vou à história pessoal. Muito devo a Monteiro Lobato, leia-se
principalmente Emília, Pedrinho e Narizinho, sem desprezar Visconde de
Sabugosa, Tia Anastácia e Dona Benta. Iniciaram-me na vontade de ler e
contaram com o incentivo de minha mãe. Quando menino de escola pública era
ajudante da Professora bibliotecária na Escola Duque de Caxias no Grajaú e
quis doar “Caçadas de Pedrinho”, “Reinações de Narizinho” e “A chave do
tamanho”, livros de Monteiro Lobato, à biblioteca da escola, onde bem
convivam alunos remediados e pobres. E, pesarosa, a bibliotecária me
avisou que o DIP, órgão de repressão getulista, não deixava que
bibliotecas governamentais tivessem livros de Monteiro Lobato, que era
comunista. Ditaduras são sempre ditaduras. De fato é complicado por livros
em mãos infantis, até porque determinadas doutrinas pregam proselitismo
político desde o primário nas escolas públicas, o que chega a ser maldade
e escorrega para lavagem cerebral. De toda a forma é tolice argumentar que
Lobato, Emília, Pedrinho e Narizinho compunham célula comunista! Então aos
10 anos já me deparei com censura e sempre defendi Monteiro Lobato, alvo
predileto de tolices. E eis que conheço há cerca de pelo menos oito anos
biblioteca particular funcionando e a pleno vapor. Tive casa em
Petrópolis, onde muito convivemos com filhos, netos e amigos. Filhos
casados, netos crescidos e mares mais atrativos para jovens que serras e
ficaram avôs sós e parentes com medo de que os idosos fossem assaltados.
Vende-se a casa e se vai há dez anos para Itaipava, para a mesma pousada.
Saudades da casa da rua Monte Castelo, Petrópolis? Enormes. Troquei também
a casa no Grajaú, onde morava há mais de 60 anos, por apartamento em
frente à mesma. Assim, quando perguntado se sinto muito a transformação,
motivada pelas modificações de idades, respondo que chego à janela do
apartamento e mato saudades da casa. Volto aos livros. E lá na pousada há
biblioteca. Hóspede está lendo, acabam seus dias de descanso e leva livro
para casa. Lido, volta via Correios para a pousada. Incrível, funciona.
Conto ou não conto? Homenagem nunca esperada, a biblioteca da paradisíaca
Pousada Altenhaus tem o nome de quem assina a crônica, ainda que fosse
mais justo que a homenagem recaísse no pai do proprietário da Pousada, Dr.
Homero Goyatá Filho, saudoso médico e excelente escritor. A vida em cada
esquina pode trazer desencontro, ou alegria nunca esperada.
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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
(1º de dezembro, 2016)
CooJornal nº 1.008
Pedro Franco é médico cardiologista, Professor Consultor da Clínica Médica C da Escola de Medicina e Cirurgia
da UNI-RIO. Remido da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Professor
Emérito da UNI-RIO. Emérito da ABRAMES e da SOBRAMES-RJ.
contista, cronista, autor teatral
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