Em defesa de Chico Buarque
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Inicio com Millôr Fernandes e depois continuo. “Desconfio de todo
idealista que lucra com seu ideal” . O pensador referia-se ao poeta em
entrevista. A agressão a Chico Buarque de Hollanda merece total repúdio,
pois, por incrível que pareça, estamos em estado democrático. O incrível
fica por conta dos inúmeros malfeitos, para usar terno oficial para a
corrupção, velhacarias, mentiras e deslavadas, um rol de atitudes de fazer
corar um frade de pedra. E vale lembrar e aplaudir nesta hora de profundo
desassossego, os homens de bem, que trabalham, trabalharam e não se
locupletaram com os dinheiros do povo. Dinheiro público não existe, existe
o dinheiro pago pelo povo em escorchantes impostos. E querem agora e de
novo cobrar a CPMF, que talvez de fato seja a única solução, ainda que a
ser usada por mãos ineptas e eleitoreiras em cima de populacho
despreparado. E quando se reclama do Executivo, Legislativo e Judiciário e
o imbróglio Delcídio mostrou a contaminação entre os poderes, vale lembrar
e mesmo divulgar para os mais jovens o conceito democrático do mais
atuante político do século XX, que depois de ganhar guerra como premier,
perdeu as eleições inglesas, Winston Churchill. “Ninguém pretende que a
Democracia seja perfeita, ou sem defeito. Tem-se dito que a Democracia é a
pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido
experimentadas de tempos em tempos”. Portanto estamos em Democracia e o
melhor poeta da atualidade, vide, apenas para exemplo, citar as músicas
“Até pensei”, “Atrás da porta” (show de Elis Regina), “Dueto”, (idem com
Nara Leão), “Olha Maria”, que juntou Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Chico
(linda interpretação de Milton Anjo Barroco Nascimento), “Trocando em
miúdos” e poderia citar mais umas dez músicas de elevada poesia, tem o
direito de pensar como queira e ter ideias até contestáveis. E Chico foi
ao livro e vou destacar apenas dois “Budapeste” e “O Irmão Alemão”. O
autor foi ao teatro, virou Julinho da Adelaide para fugir da censura da
“Redentora”, enfim merece respeito. Andou arisco na segunda campanha do
Lula e sua mãe, lulista, foi chamada pelo candidato para pôr o poeta na,
digamos, linha PT. Crônica tem a primazia de saltar de galho em galho,
ainda que feito macaco gordo, possa quebrá-lo. Arrisco-me à queda para
transcrever trecho de Jorge Amado, em um de seus melhores livros,
“Navegação de Cabotagem”, que por contar verdades, nem sempre agradou aos
de sua ex linha política. “Navegação de Cabotagem” foi livro publicado em
1992, pela Editora Record e estamos em 2016. Na página 10, assim comenta o
autor: “Atento, acompanho nos vídeos a trajetória de Lula, candidato do
poderoso Partido dos Trabalhadores, cuja fundação durante o regime militar
tanto me alvoroçou. Não conheço Lula pessoalmente, dele falam-me bem e
acredito. Parece-me homem direito, hoje coisa rara, sua atuação de
dirigente sindical nas greves dos metalúrgicos, durante a ditadura, foi
exemplar. O alarmante sectarismo de seu discurso eleitoral, ao que tudo
indica, não é inerente à sua personalidade, decorre da própria campanha,
influência talvez dos ideólogos do PCdoB que a dirigem e orientam.
Discurso de um atraso pasmoso, como é possível imaginá-lo diante dos
acontecimentos do leste europeu, ao fim de uma época, quando ruem teorias
e estados, se desmorona o socialismo real, se assiste ao funeral da
ditadura do proletariado? Discurso classista, aponta exatamente para a
ditadura do proletariado: tão antigo e superado, dá pena. Chamo a atenção
de Zélia para o fato de que jamais, no decorrer dos dois programas diários
de propaganda eleitoral, em nenhum do momento o candidato do PT pronunciou
a palavra povo, nem ao povo se dirigiu. Fala em nome da classe operária e
a ela se dirige, amanhã no poder será a ditadura em nome dos
trabalhadores, em nome do socialismo. Zélia não se altera, mantém íntegro
seu entusiasmo cívico, trauteia, em reposta, o belo jingle de Chico
Buarque: Lula – lá. Eu lhe digo, para atazaná-la: _ O discurso de Lula
parece escrito em Tirana pela viúva de Enver Hodja. Dou-me conta que estou
dizendo a pura verdade”. Nota na página: “Enver Hodja (1898/1985), ditador
albanês de 1945 a 1985”. O que pensaria Jorge Amado de Lula nos dias
atuais? É pergunta que ficará sem resposta. Então, volto ao fio da meada,
defender Chico Buarque, que tem o direito de pensar como quiser, ainda que
termine a crônica perguntando e todos têm o direito de perguntar. Como
alguém de tantas virtudes intelectuais, tricolor de coração, exímio
jogador de botões e ex craque de bola, pode defender o indefensável? E tão
bem está e a sorte financeira lhe prestou homenagens merecidas, que não
deve ter preocupações monetárias, que aconselhassem bater cabeça de
aquiescência a atos governamentais, que poderiam comprar facilidades.
Enfatizo, como alguém de tantas virtudes, inclusíveis de inteligência,
pode cultuar o que não deu, ou dará, certo? Talvez venha resposta também
complicada e esperta. Pela impossibilidade de ir à oposição. Também
esta..., deixa para lá.
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(15 de janeiro, 2016)
CooJornal nº 968
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco
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