Rio, histórias, mamãe e eu
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João do Rio nos contou o Rio Antigo. Muitos cronistas vieram na
mesma trilha. Eis Rubem Braga (Ai de ti, Copacabana) e Fernando Sabino
pontificando. E Vinicius explicou porque prefere o Rio a São Paulo, nesta
ele anda, anda e não chega a Ipanema. De Itaparica chegou João Ubaldo
Ribeiro com verve e marcou a cidade, feitos acompanhados por muitos outros
cronistas. Conta a lenda que Dom Pedro I, nos tempos em que ainda não
andava com o Chalaça, apanhou o Leonardo Pataca do “Memórias de um
sargento de milícias” e os dois meninos cometerem estripulias em São
Cristóvão. Andavam nas Laranjeiras o Barão do Rio Branco e Coelho Neto,
quando uns garotos começaram a gritar para o Barão, careca, careca,
careca. Eram os próprios filhos do escritor, que vendo a zanga do Barão,
explicou, não ligue, são uns moleques muito mal-educados, filhos da
lavadeira. Nas Laranjeiras está o Fluminense Futebol Clube, Flu, Nelson
Rodrigues e Chico Buarque, que em “Samba de Orly” pede beijo para seu Rio
de Janeiro e em “Pivete” o pivete depois de muita estripulia sobe o morro
do Borel na Tijuca.
Lembrei-me de muitos anos atrás e com terna
saudade, quando ia às compras no Centro com mamãe. O Rio era outro.
No apartamento de Nara Leão, Copacabana, teria nascido a bossa nova,
alguns teimam em dizer que ainda nas noites de Copacabana, do violão de
João Gilberto, vieram as harmonias da bossa. E em Copa houve o histórico
Quatorze do Forte, onde vamos encontrar o não político, que tentou fazer
política mais tarde, o Brigadeiro Eduardo Gomes. Santa Tereza representa
um pouquinho cada bairro do Rio, com seu jeito especial. Nascimento Silva
as ruas, pois no 107 Vinicius ouviu “você ensinando pra Elizeth as canções
de “canção do amor demais”. E os subúrbios da cidade ficam por conta de
“Professora”, onde havia um “louco de amor no teu rastro, vagalume atrás
de um astro, atrás dela em tomo o trem”. E o poeta maior de Vila Isabel
avisava que “a Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba
também”. De Noel a Orestes Barbosa e mostrando que “ a lua furava nosso
zinco e salpicava de estrelas nosso chão...” “tu pisavas os astros
distraída...”. Morros são diferentes, infelizmente menos poéticos, mais
vida verdade talvez.
Pegávamos o ônibus do Grajaú, depois do
almoço e usualmente eu dormia. Ao chegar ao centro da cidade, era
acordado, estava estremunhado e percorria de início as casas comerciais
meio dormindo. As senhoras, quando iam às compras, andavam de cansar
qualquer criança, apesar dos saltos altos e chapéus. A cidade no caso era
o centro do Rio de Janeiro. Ruas do Ouvidor, Gonçalves Dias, Uruguaiana,
Largo da Carioca e adjacências. Havia os bairros da zona Norte, da zona
Sul, os subúrbios, a da zona Rural e as ilhas. Nem se falava na Barra da
Tijuca e muito menos no Recreio dos Bandeirantes. Pasmem os mais novos,
não havia shoppings!
Paquetá sediou “A Moreninha” e era cantada
como “jardim de afetos, pombal de amores, humilde tetos de pescadores”. E
o Cristo Redentor virou Maravilha do Mundo. Só que antes do laurel já, de
braços abertos, abençoava todos. E a “Lapa vadia ´teve sua glória, botou
seu nome na História”. Volto à Copacabana, com seus 31 de dezembro e
réveillons. Da praia, da princesinha do mar, vou ao Maracanã de glórias
mil e que se livrou do fatídico 7 a 1. Falei de Ipanema, que tem sua
garota mundo à fora cantada e “em doce balanço a caminho do mar”, ainda
que do bairro ao lado outra música afirme que “o inverno no Leblon é quase
glacial”. E não vai falar do Carnaval do Rio, das escolas de samba, do
aplaudido por do sol em Ipanema? O Rio é tão cheio de belezas, que não dá
para contar tudo e nem vou chegar, oh pena, a Petrópolis, cidade imperial,
quase, não fiquem zangados petropolitanos, bairro importante do Rio, tão
bonito e perto é. Idem Búzios. Novidade boa, de três anos para cá, voltou
o carnaval de rua no Rio e com seus alegres blocos. Na apoteose, ainda que
espetáculo magnífico, fica um pouco para inglês ver.
Voltemos
às senhoras, acompanhadas de outra, ou de filho, pois uma senhora não
andava só e maridos não faziam compras. Especulavam preços e muitas vezes
voltavam à primeira loja visitada. Eu era vestido no “Príncipe”, “o que
veste hoje o homem de amanhã”. Quando as pernas começavam a doer e os
sorrisos minguavam, mamãe olhava-me e vinha a frase salvadora, _ Vamos
lanchar? Bol, Palmira ou Colombo. Esta, segundo música de Carnaval, tinha
velhos que “sassaricavam” em sua porta. Lanche era festa para os pés e
farra para a barriga.
Barra da Tijuca e Recreio dos
Bandeirantes precisam de trovadores próprios. E em situação impar está o
Grajaú e a história anexa de um garoto fala nele.
Depois
continuávamos as andanças. Íamos ver papai na Tesouraria da Caixa
Econômica Federal. Ouvi muito como está crescido! E muitas senhoras tinham
o mau hábito de apertar-me as bochechas. Andávamos principalmente nas ruas
do Ouvidor e Gonçalves Dias. Crianças da classe média ganhavam menos
presentes do que as de agora, não tinham computadores e arrisco-me a dizer
que eram mais crianças e mais felizes!
2016, amanhã, Olimpíadas
no Rio. Concordar, ou não, com o acerto da candidatura, já perdeu
relevância. Agora é bola para frente, de preferência acertando o gol e
onde o goleiro não estiver. Se a bola não entrar, ficam as meninas do José
Roberto e os meninos do Bernadinho encarregados de vitórias. O Brasil, no
Rio Olímpico, será a pátria em metafóricas chuteiras. Apesar de tudo.
De há muito não lancho na cidade. Já não volto de ônibus
cochilando, às vezes incomodando algum estranho, quando não havia lugar ao
lado da mamãe. Sou e agradeço ser no hoje avô de três ótimos netos. Com
estas lembranças dos “milk shakes” com sanduiches de presunto da infância,
bateu uma saudade danada da mamãe. Tudo vai passando e persistem as
teimosas esperanças, doces lembranças, de um tempo bom que ficou para
trás. Fui Pedrinho no Sítio do Picapau Amarelo. É, Pedrinho, Narizinho e
Emília nunca foram lanchar no centro do Rio. Mamãe e eu fomos. E muitas
vezes. Saudades eternas com esperanças semelhantes.
Créditos especiais: Manuel Antônio de Almeida; Ruy Castro; Mário Filho;
Vinicius de Moraes e Toquinho; Benedito Lacerda e J. Farad; Noel Rosa;
Orestes Barbosa e Silvio Caldas; Joaquim Manuel de Macedo; Hermes Fontes e
Freire Júnior; Wilson Batista; Braguinha e Alberto Ribeiro; Tom Jobim e
Vinicius de Moraes; Adriana Calcanhoto; Luiz Antônio, Jota Júnior e
Oldemar Magalhães; Monteiro Lobato.
Prêmio João do Rio, da Academia Carioca de Letras, dezembro/2015,
quando foi finalista com outras 4 crônicas. A crônica “Viajantes
indesejados”, de Mônica Chaves de Melo tirou o prêmio e as demais,
inclusive esta, de minha autoria, menções honrosas.
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Comentários sobre o texto podem ser enviados ao autor, no email
pdaf35@gmail.com
(15 de dezembro, 2015)
CooJornal nº 964
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
Conheça um pouco mais de Pedro Franco
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