15/02/2015
Ano 18 - Número 924
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Certas palavras ficaram especiais, muito especiais para mim. Algumas nunca
as usei, outras usei em excesso e abandonei-as. Por exemplo, minhas montanhas
nunca foram alcatifadas, até porque nunca soube bem o que era uma montanha
alcatifada, elogio muito encontrado em traduções. Talvez só em outros países
existam montanhas alcatifadas. Outro vocábulo tenebroso, alapardado.
Alapardado não é palavra, deve ser mesmo vocábulo. Amigo sempre colocava
alapardado em seus escritos. Uma vez fui ver, soube o significado e por pouco
tempo. Assim nunca achei ninguém alapardado, que deve ser meio apalermado. E
fui ao Google para ter a ideia do significado. Um deles, além de ocultar-se, é
esconder-se, agachando-se. Então o ser alapardado além de esconder-se,
agacha-se? Como o amigo era dado a soltar o verbo contra atitudes estultas,
devia empregá-lo com esta conotação. Usei outras palavras e depois, aos poucos
e talvez felizmente, fui apartando-me delas. Era servidor público, que muito
escreveu em processos. Doze anos. Outrossim, todavia, via de regra (certa vez
disse-me um advogado que quando lia via de regra, relacionava a locução a
menstruações!), assessoria (como tem esses e fico tentado até a explicar o que
é um assessor “aspone”, cargo muito exercido no País). Alguns “latinórios”
eram usados e abusados: “ab initio”, “data venia”, “ipso facto”, “in dubio pro
reo”, ipsis litteris” estão neste caso. E terminar os pareceres sempre com o à
consideração superior, para tirar futuras culpas. Cartas, ou ofícios,
terminando com a segurança de minha elevada estima e alta consideração e
muitos V. Sa. no texto. Lembrando-me destas aventuras pelos monótonos caminhos
dos processos, recordo-me que de certa vez fui obtemperado (verbo dos velhos
tempos) com um comentário sobre um dos meus modestos pareceres. Lamento que V.
Sa. traga aos processos do SASSE (era o Instituto de Previdência da Caixa
Econômica Federal, não dava prejuízo e foi extinto) a chula linguagem do
Senhor Nelson Rodrigues. Não aguentei, respondi e como havia idas e vindas dos
processos em verdadeiros duelos de papel, lamento não poder aceitar o elogio,
pois lamentavelmente não consigo escrever como o citado escritor, que usa o
linguajar carioca como ninguém. Caso curioso ocorreu com determinado Juiz do
Trabalho. Tratava de sua mãe e era caso médico grave. Ele, com quem fiz
amizade, contou rindo que em processo sobre alienação mental, encontrou
parecer que minudentemente discorria sobre a história da enfermidade e ia até
a definição, já que de fato era assunto muito controverso à época. O Juiz
sabia que era parecer de médico e avisou à secretária que estava de acordo com
o que estava lendo e, que ela tirasse cópia daquele parecer, pois serviria de
base a outros processos semelhantes. Comentou que devia ser escrito por
médico, que provavelmente depois do diploma de Medicina, formara-se em Direito
e dava então pareceres substanciais. Enfim era médico, só que não fazia
Medicina. E continuou lendo a arenga, cerca de oito páginas. Para seu espanto
na linha final do processo vinha o autor e leu o nome do médico que tratava de
sua mãe! Pano rápido, pois nem tenho cópia deste relambório. E havia artigos,
parágrafos, alíneas, regulamentos, regimentos, estatutos, leis, decretos-lei,
enfim um nunca acabar de motivos para encompridar um parecer, em jargão
próprio, ainda que estes processos corressem especialmente na área
assistencial. Poder-se-ia ter impressão que passassem nos desvãos do
Judiciário e não coloco desvão como ofensa. Havia nosocômio, ínclito, MD, DD e
um colega tentou, por ser Chefe de determinado Departamento e aí já estou em
um hospital universitário, o Gaffrée Guinle da UNI-RIO, que o chamassem de V.
Excia. Que absurdo! Reitor era tratado como Vossa Magnificência, ou Magnífico
Reitor e, muitas vezes, depois deste tratamento deferente, vinham ofensas,
muito além do citado alapardado. Hoje não mais tenho que escrever pareceres.
Fico em contos, crônicas e receitas, onde, nestas, começo sempre por um
jargão, uso interno e dietas, pois não sou muito de prescrever pomadas e
injeções. E nestas três formas de escrita, talvez lamentavelmente, pretendo
ter um compromisso com a clareza e não com textos rebuscados e palavras pouco
usuais. Sobre escrever de determinada forma, não posso deixar de me reportar
ao que Mestre Guimarães Rosa apresentou como sua intenção de escritor. “Não
procuro uma linguagem transparente. Ao contrário, o leitor tem de ser chocado,
despertado de sua inércia mental, da preguiça e dos hábitos.” Todavia,
outrossim, apesar do valor do escritor, peço vênia para pensar de outra forma.
Assim sendo, MD Leitor,
N. termos
P. deferimento.
E “carpe diem”!
(15 de fevereiro/2015)
CooJornal nº 924
Mensagens sobre o texto podem ser enviadas ao autor, no email pdaf35@gmail.com
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
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