15/09/2014
Ano 18 - Número 907
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Lembro-me que minha avó dizia,
ao arrumar a sala de jantar antes de se deitar: Vamos deixar tudo em ordem,
que pode ser necessário chamar um médico à noite. Era cuidado diário com a
sala e em deferência ao médico, que poderia ser chamado. E havia muitos
chamados em casa, feitos pelo médico da família. Creiam, já houve este
simpático e útil personagem. Peguei e o que conto dá pala de como sou
antigo, o tempo em que após o exame do paciente em sua moradia, o médico era
convidado a lavar as mãos, o sabonete era novo, com toalha de mão não usada.
Por fim um cafezinho era oferecido. Não se falava em pagamento e depois no
consultório a consulta era certada com a atendente e os beiços eram
raridades. Voltando à minha antiguidade, nunca escondida, tenho o privilégio
de ter tido entre outros brilhantes alunos, meu filho Carlos Diniz e minha
neta Mariana. Voltando aos “antigamentes”, médicos da geração anterior à
minha contam que após a consulta, sabonete novo, toalha imaculada, havia
cálice de licor, ou vinho do porto, segundo o conhecido gosto do médico. Em
cinquenta anos mudou muito o tratamento aos médicos, mudou totalmente a
Medicina, mudaram os médicos e estas mudanças faz-me lembrar de Machado de
Assis, perguntando se mudaram os Natais, ou ele. Mudaram os médicos, mudou
muito a Medicina, bem como a formação dos médicos, haja vista que são seis
anos de graduação e mais residência de até quatro anos. Para então receber
um diploma de especialista são dez anos e para ganhar uns trocados em
empregos públicos de horários extensos. A profissão anda tão por baixo e
disto não são os profissionais os culpados, nem seus conselhos regionais,
que podem estar atuando em solo pátrio, estrangeiros que não tiveram seus
diplomas revalidados no País, conforme até então determinavam as normas
legais. Enfim a Medicina é profissão em que todos os profissionais são anjos
de candura e nunca há deslizes éticos. Enfim é termo que está sendo usado
demais e iniciou frase que mostra uma balela. O Conselheiro Acácio de Eça de
Queiroz (e juntamos na mesma crônica Machado e Eça, fato que já serve para
homenagens aos maiores escritores da última flor do Lácio) diria que médicos
são humanos. Alguém teve dúvida disto? Portanto, ainda que constituído em
maioria por trigo, até porque é profissão de sacrifício, há joio na classe e
talvez, já que não há revalidação de diploma, conforme mandava a lei, muito
joio transgênico, ou falsificado, pode pulular pelos rincões do interior do
Brasil. Só que se compararmos a classe médica com a classe política, os da
primeira serão anjinhos em relação aos da segunda. Têm dúvidas sobre esta
afirmação em relação aos médicos versus os políticos? Basta abrir um jornal
para constatar. E se a ciência médica avançou e avançou tanto que é esforço
permanente acompanhar o progresso em uma especialidade, muitas vezes a arte
médica, nesta correria social em que vivemos, com consultórios cheios,
planos de saúde onerosos em função de salários e principalmente do valor das
aposentadorias (bolsas aumento de 10%, aposentadorias 5,6%), prolongadas
horas em salas de espera e consultas marcadas em intervalos absurdos,
piorando ainda em relação a determinados exames complementares, a citada
arte médica decaiu e pacientes e profissionais não atuam de forma harmônica,
que o resultado, a saúde de cada um, requer. E quem é culpado deste rol de
acontecimentos desagradáveis em área tão importante, até porque o bicho
homem está vivendo muito mais? Médicos? Pacientes? Ambos são vítimas e
raramente algozes. A culpa é de todos, aqui representados pela Sociedade.
Não são os representantes desta sociedade que tudo votam e regram nas
câmaras? Outubro e suas cabines eleitorais batem às nossas portas. Que saúde
e educação deixem de ser apenas “slogans” eleitorais, em campanhas regadas a
ouro e promessas vãs...
(15 de setembro/2014)
CooJornal nº 907
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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