10/03/2014
Ano 17 - Número 883
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Há escritores que são diferentes, às vezes excepcionais e têm vidas curiosas.
Exemplo marcante é Conan Doyle, criando Sherlock Holmes. Possivelmente seguiu
os passos de Edgar Allan Poe, que inventou o detetive Dupin. Conan Doyle
parece até mais um mercado de trabalho, que um escritor morto, pois como se
escreve com o personagem Sherlock Holmes! A excelente série de TV “Elementary”
vem logo à mente e outra é “Sherlock” (com Benedict Cuberbatch, já em terceira
temporada). “Elementary”, que prefiro, é série muito bem feita e se o ator
principal (Jonny Lee Miller) é bom, a Dra. Joan Watson, representada por Lucy
Liu, é ótima. A série mostra problemas sociais e atuais e inclusive aborda a
chaga que representam os tóxicos. Há filmes e filmes sobre o nobre personagem
e vale citar o Sherlock de Basil Rathbone, que foi marcante e está muito mais
de acordo com a literatura, que os atuais filmes do ator Robert Downey Jr,
ainda que estes filmes tenham recursos visuais de importância. Na TV inglesa
por dez anos o personagem foi representado por Jeremy Brett e em filme, entre
outros, por George C. Scott. E acima falei em curiosidades e vem logo uma.
Conan Doyle zombava das seduções do detetive Dupin de Poe, que a iniciara em
literatura policial. Ao final desta talvez consiga explicar o porque da
zombaria com o método Dupin, aperfeiçoado e muito por Sherlock, que anteviu o
rumo científico que a pesquisa policial tomaria nos anos seguintes. Conta o
folclore que a Scotland Yard teria recorrido ao autor, para tentar solucionar
determinados crimes. Será? Conan Doyle era escocês, oftalmologista e escrevia
também romances históricos, vide entre outros livros do gênero, “Companhia
Branca” de leitura muito agradável. Falei acima em Conan Doyle parecer um
mercado de trabalho porque quantas séries, livros e filmes baseiam-se no mago
de Baker Street 221b. Neste endereço há um museu, onde o ambiente descrito
pelo autor é reproduzido com fidelidade, dando verossimilhança ao visitante.
Há também casa de lanches no local, onde são vendidas lembranças. E o
personagem é tão marcante que ainda chegam cartas ao endereço, como se de fato
Sherlock não fosse ficção. O detetive é filão para outros autores e parece-me
que as obras sobre Sherlock Holmes caíram em domínio público, já que muitos
escritores fazem publicações com os dois personagens principais, Holmes e
Watson, de forma constante e surpreendente. Nancy Springer cria uma Enola
Holmes na série de livros “Os Mistérios de Enola Holmes”. Enola seria a irmã
mais moça de Holmes. São livros leves, com aventuras romanceadas. Escreveram
com os personagens Holmes e Watson entre outros: Andrew Lane, Tracy Mack, Jô
Soares (não gostei), David Grann, Alan Arnold, Donald Thomas, Anthony Horowitz
(gostei) e ficaria citando autores em várias linhas. E por que não buscaram
outros heróis policiais? Por que Conan Doyle foi genial, ao basear seu
personagem em determinado Professor de Medicina e aprofundar o método dedutivo
para resolver enigmas. Em sua autobiografia Doyle cita o Professor de Cirurgia
da Policlínica da Edinburgh Medical School, Joseph Bell, como sendo o
inspirador da sua criação mais importante para os leitores de todo o mundo, o
detetive Sherlock Holmes. Conta a seguinte passagem, que mostra o método de
diagnóstico do Professor Bell: "Um de seus casos mais notáveis foi quando ele
se dirigiu a um paciente vestido a paisana: _ Quer dizer meu amigo, que você
serviu ao exército? _ Sim, senhor. _ E não faz muito tempo que deu baixa? _
Não, senhor. _ Um regimento dos Highlands? _ Sim, senhor. _ Como suboficial? _
Sim, senhor. _ Acantonado em Barbados? _ Sim senhor. _ Como podem ver,
cavalheiros, embora se trate de um homem respeitador... ele não tirou o
chapéu. Não se tira no exército. Entretanto, se ele tivesse dado baixa há
muito tempo, teria assimilado hábitos de civil. Ele tem um ar de autoridade, e
é, evidentemente, um escocês. Quanto a Barbados, o problema dele é elefantíase
- doença das Índias Ocidentais e nem um pouco britânica." Portanto o escritor
levou em conta o método do professor, só que com tanta capacidade que tem
seguidores desde sua criação. Após determinadas publicações Conan Doyle matou
Sherlock Holmes. Editora e público protestaram acremente e Doyle reviveu
Sherlock e suas brilhantes deduções, até que, livros depois, matou
definitivamente o herói. Acima afirmei que tentaria explicação para a aversão
do autor ao personagem. Vejam que Sherlock Holmes é descrito como excêntrico,
machista, morfinômano, aparentemente antifeminista (só deu credito a uma
mulher, Irene Adler, figura agora explorada por outros autores, inclusive em
séries de TV). Só que o personagem era de fato excepcional. É de Conan Dooyle
a indagação: “Como o autor de livros históricos, como “Companhia Branca”, fica
conhecido apenas por causa de Sherlock Holmes?” Então, além de Sherlock
incomodar criminosos, contribuir para criar uma polícia dedutiva e científica,
eclipsava também Conan Doyle, escritor de romances históricos. Ao fim da vida
nem oftalmologia, nem Sherlock, nem romances históricos, pois se dedicou
integralmente a pesquisas espirituais.
(10 de março/2014)
CooJornal nº 883
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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