29/11/2013
Ano 17 - Número 868
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Ainda há pouco ficava fora das quatro linhas, mascando um
palito de fósforo, dando orientações e dependendo dos pés dos outros. E o
futebol tem dado ídolos e em todos os países e Telê Santana é um destes
personagens importantes. E vou me fixar nele, que talvez até não faça parte da
página dos melhores jogadores do mundo. Vejo agora Telê um pouco mais gordo,
do que quando envergava a camisa tricolor por todos os espaços do campo. Era
polivalente, quando ainda não haviam descoberto esta função no futebol. Jogava
com ânsia de vencer, que lhe dava pernas para correr os noventa minutos,
pernas que o estado físico não predizia. Centro avante em decisão de
campeonato e com sucesso. Antes e depois ponta direita. Não chegou a
permanecer em seleções, só que com a camisa do Fluminense foi mais que ponta
de seleção, pois era vários jogadores ao mesmo tempo, incorpóreo quase,
driblando mal, sabia e confessava, passando bem, jogando duro e na bola,
atacando e defendendo, possuindo um "sem-pulo" de muito respeito. Marcava,
destruía, goleava. Que luta! Vi várias vezes ser épico diante do legendário
Nilton Santos, que poderia figurar sem favor na tal página acima. O jogador do
Botafogo, atlético, calmo, clássico, soberbo em estilo, batalhando com o
magrinho Telê, que se empenhava sem cessar, ou intimidar-se, vencendo, ou
perdendo, ao sabor dos fados. Era um jogo a parte. Telê versus Nilton Santos.
Fui a um Fluminense versus Botafogo de geral, houve uma arquibancada geral
onde torcidas ficavam juntas, para ver de perto o duelo. Neste caso o
"inimigo" Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol, era bom caráter, leal, o
fino na bola. Só que o time adversário podia colocar um lateral daqueles
"prefiro bater da cintura para cima", que era o mesmo empenho, o mesmo vaivém
de Telê. O Fio de Esperança não fugia de “botinadas” e entrava firme, muito
firme. O Fluminense era Castilho lá atrás e Telê na frente. Estou sendo
injusto com vários jogadores, inclusive Orlando Pingo de Ouro, um dos meus
ídolos. Telê falava pouco e tinha fama de sovina fora de campo. Nas excursões
cortava o cabelo dos colegas, depois comprou uma sorveteria, tinha lá seu
folclore. Que craque não tem? É lenda sadia e de profissionalismo, ao
contrário do muito que se vê hoje. Telê vestiu a camisa sete do clube de
Álvaro Chaves, o futebol é cheio de apelidos, sem medo e sem mácula durante
muitos anos. Deixou as chuteiras, virou técnico de vários clubes, campeão pelo
Fluminense, técnico da seleção brasileira, que jogou bem e não foi campeã,
teve, oh enorme tolice, fama de "pé-frio", até que pegou o time do São Paulo,
onde venceu títulos e mais títulos como treinador, disciplinador e orientador.
Como Telê devia se renegar quando se deparava com um jogador "chupa-sangue"!
Acho mesmo que Zagalo inspirou-se em Telê, para ser o “Formiguinha” da seleção
brasileira campeã do mundo; os dois lutando sempre, com muito amor à camisa e
denodo, um na ponta direita, outro na esquerda. Zagalo driblava melhor, Telê
"pegava" melhor. E diante de tantas glórias ficou de Telê a história que
mostra que a torcida é sábia em seus julgamentos. E grata. A tarde era boa
para o futebol. Maracanã, Fluminense e Madureira. Público regular. Telê, o
também chamado Fiapo, em fim de carreira, julgado sem pernas pelo Fluminense,
ainda que fosse melhor que o sete titular do tricolor (Nelson Rodrigues,
vários clubes têm três cores, só Fluminense é tricolor), jogava por outro
clube de três cores, o Madureira. Fluminense e Madureira. Vencíamos de três a
zero. O Fiapo apanha a bola, percebe que o goleiro está adiantado. Com um
toque espetacular, a cena parecia acontecer em câmera lenta, por cobertura,
coloca a bola no ângulo. Gol do Madureira! À pequena torcida do Madureira, ao
comemorar seu gol, juntou-se freneticamente a do Fluminense. Em meio ao pó de
arroz, símbolo dos nossos gols, a torcida comemorava com o seu Telê de sempre.
Poucas vezes o Maracanã em jogos de clubes foi tão unânime ao festejar um gol,
um manso e gentil gol! Gol de Telê! E naquela tarde percebi que há emoções que
transcendem a um simples jogo de futebol e são destas que emprestam dimensões
nobres aos esportes, mostrando, que, ao rolar da bola, podem se firmar
sentimentos verdadeiros, de profundo sentido ético, que merecem ser cultivados
e pactuados, pois elevam os que dele participam. Havia, ao se comemorar
Fluminense 3 e Telê 1, marmanjos durões com lágrimas nos olhos. Torcedores que
de há muito não se enterneciam e agora iam às lágrimas. O magro ponteiro, em
fim de carreira, encobriu o goleiro e, sem ser por vingança, a torcida do
Fluminense comemorou um gol que levava. Agradecia e reconhecia a dedicação de
Telê, um profissional com fibra de amador. Telê, espantado, era abraçado pelos
adversários de momento, mais do que pelos seus companheiros de Madureira.
Saibam, certos momentos só acontecem no Brasil com a colaboração da torcida
tricolor. A história está aí para me dar razão. Além do hino “sou tricolor de
coração...”, cantamos “abença João de Deus” nos momentos aflitivos de um jogo,
desde que o Papa João Paulo II visitou o Brasil em 1980. Voltando a Telê
Santana, que viveu glórias esportivas maiores, estou certo, só que esta, de
agradecimento da torcida, deve lhe merecer uma lembrança muito particular e
preciosa. Esta enternecedora recordação de um Fluminense e Madureira carrego,
emocionado, para sempre, ainda mais que Telê Santana não mais está entre nós.
(29 de novembro/2013)
CooJornal nº 868
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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