15/11/2013
Ano 16 - Número 866
ARQUIVO
PEDRO FRANCO
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Embaixo do vidro da minha escrivaninha tenho três papéis. Uma reprodução de
Renoir, "Madame Renoir e seu cão", Paris, 1880; o traçado com as ondas do
pulso venoso, que ali coloquei para memorizar suas fases e uma frase de Mark
Twain: "Nossa vida seria bem mais feliz, se pudéssemos nascer aos 80 anos e
gradativamente nos aproximarmos dos 18." Quem escreve tem como um dos quatro
contos prediletos "O Curioso Caso de Benjamin Button", de Scott Fitzgerald,
que faz parte do livro "Seis Contos da Era do Jazz". Durante algum tempo tive
a curiosidade de saber se Fitzgerald havia buscado inspiração na frase de Mark
Twain, para escrever o conto. Certeza não tenho, só que a frase é anterior ao
conto, verifiquei lendo a vida dos dois escritores. Se Scott Fitzgerald, no
meio de sua tumultuada vida, inspirou-se na frase do colega em inteligência e
literatura, não perdeu ponto, pois o fez de maneira magistral. Não lhes conto
o conto e recomendo. Posso constatar que a sequência dos anos passando, com
suas dificuldades e mazelas próprias às idades, faz com que a frase de Twain,
utópica, tenha brilho indiscutível, ainda que o médico/escritor Pedro Nava
asseverasse que a experiência é um automóvel com os faróis ligados para trás.
E o veículo não está andando de marcha-ré, completo. A frase talvez não tenha
sido esta, mas este foi o sentido saído da pena do memorialista. A importância
da experiência pode ser discutida e, concordo, poderia até atrapalhar os
moços, desaconselhando atos essenciais ao crescimento emocional dos mesmos. Há
certos equívocos na mocidade que precisam ser cometidos, ainda que nem todos e
muitos jovens estejam a exagerar no erro e como! Alguns escolhem até caminhos
sem volta, muito infelizmente e exemplifico com o dos tóxicos. Já que estou
prolixo em citações, lembro-me de um dos paradoxos de Oscar Wilde: "A madureza
agradece à juventude o brilho da sua inexperiência”. Que angústia trabalhar-se
uma vida inteira, sem maiores tempos de lazer e na aposentadoria, mesmo se
sobram uns reais e isto está se tornando raro, raríssimo e mesmo se nos sobra
tempo, nem sempre há a mesma saúde e disposição para gozá-lo. E aqui nem
preciso dar exemplos. E que indica então esta experiência, para não ficar
iluminando o que ficou para trás? Mostra que precisamos aproveitar todas as
idades, equilibrando trabalho, cultura e diversões. Esta conduta é de difícil
execução, sei. Cada período da vida não volta mais, ainda que na juventude a
velhice pareça algo muito distante e que nunca nos chegará. E o tempo passa
rápido, principalmente se não há infelicidade permanente. Na outra ponta da
meada estão os jovens, que não querem produzir e só pensam em gozar a vida.
Para estes há a fábula de La Fontaine da cigarra e da formiga, que todos
conhecem. Sempre chega o inverno da vida e quem não pensou no futuro...
Nota posterior à crônica pronta. O conto “O estranho caso de Benjamin Button”
foi levado ao cinema. Bem filmado em relação aos efeitos especiais, só que o
adaptador foi infeliz, não entendeu o conto de Scott Fitzgerald e com esta
desatenção jogou a ótima ideia fora. Já o Grande Gatsby teve filmes bem
entendidos, onde o clima da época foi preservado. Como um escritor com vida
tão atribulada, Scott e sua Zelda, sempre em existência tumultuada e
cansativa, com altos e baixos emocionais e financeiros, conseguiu deixar-nos
obras tão marcantes! Só que os proventos para sua onerosa vida em Paris não
vinham de seus livros e sim de seus contos. Quem vende contos hoje em dia,
ainda mais no Brasil! Alice Munro, cronista canadense, recebeu o prêmio Nobel
de literatura. Será a redenção do gênero conto? Tomara!
(15 de novembro/2013)
CooJornal nº 866
Pedro Franco é médico cardiologista,
contista, cronista, autor teatral
pdaf35@gmail.com
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